sábado, 29 de julho de 2023

O FANTASMA APAIXONADO / O FANTASMA APAIXONADO DA SRA. MUIR / THE GHOST AND MRS. MUIR (1947) - ESTADOS UNIDOS

QUANDO O SOBRENATURAL SE UNE À REALIDADE

Início do século 20. Lucy Muir (Gene Tierney) é uma jovem viúva, que após um ano de falecimento do marido, se mostra disposta a reconstruir sua vida longe de sua sogra e enteada levando consigo sua pequena filha e a empregada de longa data. Como sua única renda advém de ações de uma mina de ouro de propriedade de seu falecido marido e, como os dividendos são relativamente baixos, ela precisa encontrar um lugar acessível, partindo para a adorável cidade litorânea de Whitecliff, na costa inglesa.

Ainda que o agente imobiliário local, Mr. Coombe (Robert Coote), tenha lhe oferecido algumas propriedades e tentado dissuadi-la de ver uma determinada propriedade, Lucy demonstra enorme interesse de conhecer o local à beira-mar que considera dentro de seus padrões financeiros, mas, que conforme Coombe, dos cinco últimos locatários quatro haviam se mudado na primeira noite. Lucy, determinada, resolve ocupar a casa que pertencera a um antigo capitão do mar, Daniel Gregg (Rex Harrison), que, dizem, teria se suicidado no local. Para sua surpresa, Gregg não só "habita" o local como tenta assustá-la, mas diante da obstinação e teimosia da jovem se materializa para que ela possa vê-lo. Uma nova amizade surge entre a dupla, com Lucy inicialmente conquistando o respeito de Daniel e o aceite em dividir a casa. Só que o fantasma começa a demonstrar mais do que amizade a Lucy. Quando a jovem viúva começa a passar por dificuldades financeiras, Gegg resolve que lhe ajudará a escrever um livro, mas quando surge no caminho um escritor chamado Miles Fairley (George Sanders), Lucy demonstra um forte sentimento ainda que Gregg veja com péssimos olhos este relacionamento.

Fantasia romântica onde o sobrenatural se une à realidade, Um Fantasma Apaixonado mostrou-se um sucesso à sua época sendo um das maiores bilheterias da Twentieth Century Fox em 1947, ficando em décimo lugar entre as maiores do ano e colhendo boas críticas por parte da imprensa. O filme originou-se de um romance de R.A. Dick, pseudônimo de Josephine Leslie, que escreveu o romance "The Ghost and Mrs. Muir" em 1945. O filme foi Incluído entre os "1001 filmes que você deve ver antes de morrer", editado por Steven Schneider e incluído na lista de 2002 do American Film Institute dos 100 melhores filmes das Maiores Histórias de Amor da América.

Dizem que o roteiro é o que define a sorte de um filme. Eu diria que um bom diretor também pode transformar um fraco roteiro em um filme interessante, apesar de não ser este o caso aqui. O roteiro adaptado de Philip Dunne (1908-1992), de filmes como “David e Betsabá” (1951), “A Casa das Amarguras” (1958), “O Último dos Moicanos” (1992) encontrou nas mãos do diretor Joseph L. Mankiewicz (1909-1993) um ótimo tradutor. Ganhador de 4 Oscars, Mankiewicz (de filmes como “A Malvada” - 1950; “Cleópatra” -1962; “A Condessa Descalça”-1954) criou uma narrativa inteligente, acentuada em ótimos diálogos, fugindo das convencionalidades dos filmes de fantasmas da época. Há um humor refinado, com um timing bem encaixado e uma constante atmosfera de fantasia. Inicialmente vinculado à comedia, o filme transita entre romance, drama, amor e desilusões, com um final poético, mas que alguns críticos dos anos 50 reclamaram. Com o tempo novos críticos foram surgindo e novas visões foram percebidas dando a obra o caráter de grande produção que sondou os paradoxos da solidão e do desejo. Já o público, deu o seu aval nessa história de amor que ultrapassa o tempo. Mankiewicz sempre foi um grande diretor, com uma visão bem criativa, e isso é perceptível em dois momentos muito inspirados: a analogia entre as ondas do mar, ora calmas, ora fortes ou revoltas com a passagem do tempo, e em outro momento com as mesmas transposições do tempo por intermédio do nome de Anna gravado em um pequeno sustentáculo de madeira na praia, que ao longo dos anos começa a se deteriorar. A destacar a partitura de Bernard Herrmann que conseguiu acompanhar os sentimentos e as intensidades das imagens. O próprio considerou este o seu trabalho preferido.  E a impressionante fotografia de Charles Lang, criando a iluminação perfeita para cada cena.

Quanto ao elenco, incialmente Spencer Tracy e Katharine Hepburn concordaram em interpretar os protagonistas. Tracy então teve dúvidas sobre o projeto. Depois que ele se retirou, Hepburn também desistiu. Rex Harisson e Gene tiveram uma ótima química em cena e o ator conseguiu uma presença cênica impressionante. Harisson vinha do sucesso “Anna e o Rei do Sião” (1946), venceria o Oscar por "Minha Bela Dama” (1965) e seria indicado por “Cleópatra” (1963). O ator fez um personagem de múltiplas facetas: atrevido, imoderado, sarcástico, ciumento e brincalhão, embora de boas intenções. Para muitos, Gene Tierney teve aqui o melhor desempenho de sua carreira. A atriz já tinha uma filmografia e havia se destacado em "Laura" (1944) - hoje considerado uma obra prima do cinema noir e “Amar foi Minha Ruína” (1945) que lhe deu uma indicação ao Oscar. Tinha feito também “O Fio da Navalha” (1946) com Tyrone Power. No início das filmagens, a atriz torceu o tornozelo, mas se recuperou para fazer uma bela composição de sua personagem Lucy Muir. E devemos nos lembrar que, nos idos de 1900, teimosia e obstinação não eram qualidades esperadas em viúvas jovens. Sua Muir, em determinado momento, será cortejada por um autor londrino (George Sanders) fazendo com que Gregg saia de cena, lhe promovendo um oportuno esquecimento. A vida da atriz não foi nada fácil: com internações em clinicas psiquiátricas e afastamento da carreira. Já  Sanders, teve uma rápida aparição, mas fundamental à estória, como o conquistador inveterado e autor de livros infantis Miles Fairley, que usava o pseudônimo de “Tio Neddy”. Ganhou o Oscar por “A Malvada” (1951) e substituiu aqui o ator Richard Ney, que foi demitido por ser inadequado no papel. A personagem Anna foi interpretada por duas atrizes: Natalie Wood, ainda criança e Vanessa Brown na fase adulta. Natalie foi indicada três vezes ao Oscar: “Juventude Transviada” (1956); “Clamor do Sexo” (1962) e “O Preço de um Prazer “(1964). A austríaca, naturalizada americana, Vanessa Brown chegou a disputar o papel principal para “A Princesa e o Plebeu” (1953). Muito ativa na indústria cinematográfica, tinha um Q.I de 165. Dividiu-se entre peças na Broadway e livros escritos. Edna Best fez a empregada Martha que segue com Lucy em sua nova vida. Isobel Elsom interpretou Angelica Muir, sogra de Lucy / "Lúcia" e Victoria Horne fez a cunhada Eva Muir. Nos anos 90, pensou-se em uma readaptação do romance agora com Sean Connery e Michelle Pfeiffer, mas a fraca bilheteria de “A Casa da Rússia” (1990), sepultou o projeto.

Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia Preto & Branco , O Fantasma Apaixonado pode ser visto em uma rápida síntese como uma estória de duas pessoas feitas uma para a outra, mas cuja sincronia temporal os fez se encontrarem tarde demais. Mas é a magia do cinema que nos proporciona que certas situações possam ser contornadas e aplicadas as devidas correções que o tempo desconcertou. Este é mais um dos filmes que foram sepultados das programações,  mas que pode ser resgatado por ter uma temática simples, conduzida com muito afinco por todos os envolvidos. Para ser visto, revisto e redescoberto.


Trailer:


Curiosidades:

Foi exibido algumas vezes na tevê como "O Fantasma Apaixonado da Sra Muir"

A palavra "muir" significa "mar" em gaélico escocês. Muitas vezes dizem que os marinheiros foram "casados" com o mar, ou que a única mulher que amaram foi o mar.

A primeira abordagem de Gene Tierney ao personagem de Lucy Muir foi divertida. Depois de uma conferência entre o chefe do estúdio da Twentieth Century Fox, Darryl F. Zanuck, e o diretor Joseph L. Mankiewicz, os dois primeiros dias de filmagem foram refeitos para que Tierney pudesse dar mais profundidade ao personagem. A mudança resultou em grande aclamação da crítica para a atriz.

Apesar de ser ambientado em Londres e na costa inglesa e ter principalmente atores e atrizes ingleses, este filme foi rodado inteiramente na Califórnia e ao longo da costa central do Pacífico.

Com o objetivo de acelerar a produção (e manter o orçamento), foi decidido não usar efeitos fotográficos especiais quando o capitão Gregg (Rex Harrison) aparecia.

Natalie Wood, aos oito anos, concluiu este filme no mesmo ano de seu "papel inovador",  no clássico natalino "De Ilusão Também se Vive" (1947). 

A árvore "Monkey Puzzle" que o Capitão Gregg plantou e que a Sra. Muir cortou é uma variedade muito antiga de coníferas e foi uma importante fonte de alimento para os dinossauros. Esta árvore (Araucária Araucana), é muitas vezes referida como um "fóssil vivo" e existe há cerca de 200 milhões de anos, possivelmente mais.

O mesmo material serviu de base para "Nós e o Fantasma" (1968), sitcom estrelada por Hope Lange e Edward Mulhare (do seriado A Supermáquina) nos papéis originalmente interpretados por Gene Tierney e Rex Harrison. Durou duas temporadas, uma na NBC e outra na ABC, e enfatizou o humor amplo em vez dos elementos românticos deste filme.

Enquanto fazia pesquisas nos arquivos da Twentieth Century Fox para sua biografia de Natalie Wood, a autora Suzanne Finstad descobriu que Norma Shearer, Claudette Colbert e Olivia de Havilland estavam entre as primeiras ideias de elenco para o personagem de Lucy Muir.

O relógio do quarto do capitão bate aos pares, lembrando um navio. Na verdade, o número de sinos (duas batidas rápidas repetidas várias vezes) não é para uma hora específica do dia, mas para um horário específico dentro de um relógio de quatro horas, sendo cada período de trinta minutos de duração e com um total de oito sinos por hora em um total de seis relógios. Por exemplo, os horários de duas da manhã, seis da manhã, dez, duas da tarde. seis da tarde e dez da noite. são todos "quatro sinos"; cada um para seu relógio em perspectiva. Oito sinos significa o fim de um determinado relógio. Quando a Sra. Muir vai para a cama, ouvem-se dois pares de toques, ou "dois sinos". Isso significa que são exatamente 23h.


Cartazes:




Filmografias Parciais: 

Rex Harrison (1908-1990)







Os Homens não São Deuses (1936); Tempestade Num Copo D'Água (1937);  A Cidadela (1938); Gestapo (1940);  Uma Mulher do Outro Mundo (1945); Anna e o Rei do Sião (1946);  O Fantasma Apaixonado (1947);  Odeio-te Meu Amor (1948); Inocência à Prova (1951);  Ricardo, Coração de Leão (1954);  O Passado de Meu Marido (1955); A Teia de Renda Negra (1960); O Sétimo Mandamento (1961); Cleópatra (1963); Minha Bela Dama (1964); Agonia e Êxtase (1965); O Fabuloso Doutor Dolittle (1967); O Príncipe e o Mendigo (1977); Shalimar (1978); Ashanti (1979); O Quinto Mosqueteiro (1979); A Morte Pede Vingança (1982);  The Kingfisher  (1985)


Gene Tierney (1920-1991)







A Volta de Frank James (1940); O Renegado (1940);  A Formosa Bandida (1941); O Entardecer (1941); Tensão em Shangai (1941); Ódio no Coração (1942); Ela Queria Riquezas (1942); Águias de Fogo (1942); O Diabo Disse Não (1943); Laura (1944); O Sino de Adano (1945); Amar foi Minha Ruína (1945); O Fio da Navalha (1946); O Fantasma Apaixonado (1947); Impulso Maravilhoso (1948); A Ladra (1950); Sombras do Mal (1950); O Quarto Mandamento (1951); Escândalos na Riviera (1951); Lágrimas de Mulher (1951); O Veleiro da Aventura (1952); Nunca Me Deixes Ir (1953); O Egípcio (1954); A Viúva Negra (1954); Do Destino Ninguém Foge (1955); Em Busca do Prazer (1964); Filha da Obsessão (1969)


George Sanders (1906-1972)






O Homem Que Fazia Milagres (1936); Navio Negreiro (1937); Quatro Homens e uma Prece (1938); A Força do Amor (1939);  Confissões de um Espião Nazista (1939); A Enfermeira Edith Cavell (1939);  Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940); O Filho de Monte Cristo (1940); O Cisne Negro (1942); O Retrato de Dorian Gray (1945); Flor do Mal (1946); O Fantasma Apaixonado (1947); Sansão e Dalila (1949);  A Malvada (1950); Ivanhoé, o Vingador do Rei (1952); Ricardo, Coração de Leão (1954); O Tesouro de Barba Rubra (1955); Testa de Ferro (1956); O Sétimo Pecado (1957); Da Terra à Lua (1958); Salomão e a Rainha de Sabá (1959); Quando os Destinos Se Cruzam (1960); A Aldeia dos Amaldiçoados (1960); Desespero d'Alma (1964); A Morte Não Manda Aviso (1966); Um Tiro no Escuro (1964); Noite Interminável (1972); Psicomania (1973)


Natalie Wood (1938-1981)






O Amanhã é Eterno (1946); Duelo Romântico (1946); De Ilusão Também se Vive (1947); Torrentes de Ódio (1948); A Grande Promessa (1949); Destino Amargo (1950); Vida de Minha Vida; Ainda Há Sol em Minha Vida (1951); A História de Rose Bowl (1952); Filhos Esquecidos (1952); O Cálice Sagrado (1954); Seu Único Desejo (1955); Juventude Transviada (1955); Rastros de Ódio (1956) ; Um Grito na Escuridão (1956); Montanhas em Fogo (1956); Até o Último Alento (1958); Apaixonados Impetuosos (1960); Amor, Sublime Amor (1961); A Corrida do Século (1965); À Procura do Destino (1965); Bob, Carol, Ted E Alice (1969); O Candidato (1972); Ensina-me a Esquecer (1973); O Golpe de Sorte (1975); Meteoro (1979); O Último Casal Casado (1980); Willie e Phil - Uma Cama para Três (1980); Projeto Brainstorm (1983) .


Vanessa Brown (1928-1999)







Juventude sem Freios (1944); Sempre Te Amei (1946); Tenho Direito ao Amor (1947); O Fantasma Apaixonado (1947); Débil é a Carne (1947); Cupido Valentão (1949); Tarde Demais (1949); Tarzan e a Escrava (1950); Três Maridos (1950); O Vingador (1952); Assim Estava Escrito (1952); Os Prazeres de Rosie (1967); Abençoai as Feras e as Crianças (1971); A Bruxa que Veio do Mar (1976); Charleston (1979)


Edna Best (1900-1974)






O Homem que Sabia Demais (1934); Abnegação (1938); Mulheres Sem Homens (1938); Intermezzo: Uma História de Amor (1939); Robinson Suíço (1940); Uma Mensagem de Reuter (1940); Tenho Direito ao Amor (1947); O Fantasma Apaixonado (1947); A Cortina de Ferro (1948)


Fontes:
Los Angeles Times

The New York Times

Variety

IMDB

segunda-feira, 24 de julho de 2023

DRÁCULA / DRACULA (1979) - REINO UNIDO


“NOS ÚLTIMOS 500 ANOS, PROFESSOR, DAQUELES QUE CRUZARAM MEU CAMINHO, MORRERAM TODOS, ALGUNS DE FORMA BEM DESAGRADÁVEL” - DRÁCULA

1913. Uma poderosa tempestade se instala no curso da escuna romena Demeter. A tripulação apavorada tenta livrar-se de um caixão sem sucesso. O naufrágio ocorre perto da costa de Whitby, Yorkshire, sudoeste da Inglaterra, tendo apenas um sobrevivente: o Conde Drácula, sendo encontrado pela jovem Mina Van Helsin (Jan Francis) em uma caverna.

O Conde, oriundo da Transilvânia, se instala na Abadia de Carfax, uma mansão recém-adquirida, majestosa, mas em ruínas, sendo convidado para um jantar em Billerbeck Hall. Apresentando-se como um elegante aristocrata de boas maneiras, imponente e de vasta cultura, magnetiza a atenção dos que ali estão presentes: a jovem que lhe ajudara, Mina, o Doutor Jack Seward (Donald Pleasence) que dirige um asilo com uma pequena equipe e Lucy Seward (Kate Nelligan) e seu noivo Trevor Eve (Jonathan Harker). Durante a noite, Drácula ataca Mina que vem a falecer no dia seguinte. Seu pai Abraham Van Helsing (Laurence Olivier) chega da Holanda para o sepultamento da filha apenas para descobrir que esta pode ter sido transformada em uma morta-viva e que Lucy corre extremo perigo. O trio precisará enfrentar o Mestre dos Vampiros para tentar salvar Lucy de transformar-se definitivamente em uma vampira.

Primeira adaptação produzida pelos Estúdios Universal, 48 anos após a versão de 1931, com Bela Lugossi. Este Drácula, recebeu a direção de John Badham (em seu terceiro longa-metragem, mas já com duas indicações ao Emmy) que vinha do sucesso “Os Embalos de Sábado à Noite” (1977). E Badham não atualizou Drácula, apenas fez algumas mudanças, sabiamente, evitando dá-lhe um estilo contemporâneo. Talvez a mais perceptível mudança seja que os nomes das protagonistas femininas, Mina e Lucy, foram invertidos, pois no livro de Bran Stoker (e em outras versões) Mina era a noiva de Jonathan e Lucy a jovem que se transformava em vampira. Outra mudança foi dar maior visibilidade em cena aos personagens de Jack e Trevor. Mas a adaptação deste filme não se concentra apenas no livro de Stoker.

Lá no início de tudo, Hamilton Deane, amigo de Bran Stoker, escreveu e montou com John L. Balderston, no Little Theather, em Londres, uma peça a partir do livro “Drácula” (1897) de Stoker. Deane a encenou 391 vezes (ele próprio interpretando Van Helsing a salvar Lucy) fazendo, posteriormente, sucesso na Broadway em outubro de 1927 através de Bela Lugossi que levou a peça para o cinema em 1931 numa criação por muitos considerada inigualável. Um personagem que já faz parte da mitologia americana (ainda que este seja inglês). Já Langella, vinha angariando elogios da crítica e público, no Martin Beck Theatre, Nova York, em 1977 (50 anos depois), sendo convidado a seguir os passos de Lugossi ao também levar sua caracterização para os cinemas. Badham assistira à encenação de "Drácula" com Langella e depois ainda voltaria pelo menos mais quatro vezes para ver a reação do público (principalmente o feminino) e o produtor Walter Mirisch (“West Side Story” – “Se Meu Apartamento Falasse” – “No Calor daNoite”) estava convencido de que uma nova versão de Drácula seria uma proposta viável. Então elaborou-se o roteiro a partir das ideias de Deane e John L. Balderston (1889-1954) convocando-se o roteirista W.D. Richter (“Invasores deCorpos” - 1978; “Brubaker”- 1981 e “Os Aventureiros do Bairro Proibido” - 1986). Langella faria sua última apresentação no palco na pele do personagem em 15 de outubro de 1978, partindo para as filmagens.

ATENÇÃO - SPOLIERS NESTE PARÁGRAFO: Badham incorporou situações interessantes a estória: no início vemos um navio naufragado (um trabalho de arte que criou logo de cara um ótimo cartão de visitas ao filme); nos é mostrado que o capitão do navio morrera (amarrado ao leme)  ao ter o pescoço dilacerado pelo lobo que surgiu a bordo – uma lembrança que rosários não detiveram Drácula; a entrada no quarto de Mina do Senhor dos Vampiros, de ponta-cabeça, impressiona – uma cena muito criativa; Drácula aqui é capaz de agarrar a cruz que Harker está segurando e fazê-la incendiar – crucifixos não o detém (pelo menos não nas mãos de qualquer um); Mina não mais possui sua imagem refletida, conforme Helsing demonstra por um espelho, mas o diretor criou uma saída, na forma de uma “licença poética”, em prol do momento narrativo tenso de outra cena, que nos permite (e a Helsing) ver Mina refletida em uma poça d’agua; ao personagem Van Helsing é retirada a figura do caçador de vampiros (como no livro) e inserida uma bem-vinda figura de um pai enlutado além de um momento interessante fornecido pelo roteiro: Van Helsing termina por morrer empalado por sua própria estaca: um dos cruéis modos de como o verdadeiro Vlad Tepes (o imperador que deu origem ao personagem) matava seus adversários e desafetos. Outro momento em que roteiro e direção mostram suas qualidades é na sutileza da cena em que Lucy visita Drácula pela primeira vez, a cena nos é revelada de um ponto alto através de uma teia de aranha com um aracnídeo avançando pela teia enquanto Lucy adentra à sala (um singular enfoque de Lucy caindo na teia montada por Drácula). E temos uma dicotomia interessante: ele deseja levá-la para o túmulo para que ela possa viver além do túmulo. Há a citação de “Nosferatu” (os diálogos bem construídos são um ponto forte desta produção) e, curiosamente, a nova versão homônima, do diretor Werner Herzog, estreava no início de 1979 – ainda que a comédia “Amor a Primeira Mordida” tenha sido considerado o grande empecilho para o sucesso do filme de Badham. Claro que a cena final não poderia ficar de fora: com o enigmático e malicioso sorriso de Lucy podemos conjecturar que aquele amor não se findou ainda que o protagonista tenha sido açoitado pela poderosa luz diurna que condena estes seres da noite.

Há ainda que se falar da parte técnica deste filme, que teve papel fundamental para a obra. O aclamado compositor John Williams fez um grande trabalho nessa produção, conseguindo capturar a atmosfera necessária, no entanto pouco é lembrado por este filme. Assim que o primeiro corte foi concluído, Williams que fora contratado quase um ano antes para escrever a partitura, a concluiu, sendo executada pela Orquestra Sinfônica de Londres. O quesito edição ficou com John Bloom, Oscar por “Gandhi” (1982) e com indicações também ao prêmio por “A Mulher do Tenente Francês” (1981) e “Chorus Line” (1985). Gilbert Taylor (1914 - 2013) foi o responsável pela bela fotografia, imprimindo uma atmosfera gótica ao filme. Taylor também contribuiu em filmes como “Dr. Fantástico” (1964), “A Profecia” (1976) e “Star Wars” (1977). Maurice Binder (1925-1991) ficou com a parte dos efeitos visuais. Binder ficou conhecido pelas icônicas aberturas dos filmes de 007 e trabalhou em dezenas de produção em várias áreas como “O Nimitz Volta ao Inferno” (1980), “Barbarella” (1968), “Sementes de Tamarindo” (1974), “O Céu que nos Protege” (1990). Peter Murton (1924-2009) responsável pelo designer de produção (de filmes como “Superman II e III”, “Sheena”, “Stargate”, “007 Contra Goldfinger” ...) e a figurinista Julie Harris (1921-2015) de filmes como “A Cidadela dos Robinson” (1960), “Casino Royale” (1967), “Com 007 Viva e Deixe Morrer” (1973) ... ficaram encarregados de acentuar uma sensação romântica através das cores branco, cinza e preto. Albert Whitlock foi o responsável pelas pinturas foscas que se integraram aos cenários trazendo a impressão do castelo de Drácula realmente existir exteriormente. Uma forma de fazer um cenário irreal parecer convincente. 

Quanto ao elenco, Frank Langella impôs duas condições para interpretar seu personagem: sem cenas com presas pingando sangue e sem promoção comercial como Drácula. Langella criou um Drácula imponente e sedutor que combinava com sua aparência de Conde e conseguiu criar uma intensidade erótica sem nenhuma explicitação sexual fugindo das atuações burlescas de alguns de seus antecessores. Laurence Olivier,  o nome mais proeminente da produção e considerado um dos maiores atores de todos os tempos foi uma surpresa, pois foi o seu único filme de Terror / Horror. Olivier recebeu $ 750.000 e o motivo de sua presença seria apenas o dinheiro. O ator ficou gravemente doente e havia dúvidas se concluiria o filme. Seu sotaque me soou estranho no personagem. Donald Pleasence (muitos se lembrarão pela antiga franquia Halloween) tinha a reputação de ser um “ladrão de cenas” que sempre utilizava adereços do set nas cenas para captar a atenção espectador. O ator disse que lhe fora oferecido inicialmente o papel de Van Helsing, mas recusou considerando-o parecido com o de seu personagem em Halloween: A Noite do Terror (1978). Não por acaso, em alguns momentos, o ator surge comendo algo e assim desviando a atenção para si. Jan Francis (Mina) organizou a sequência de dança com Drácula e Lucy e teve um ótimo momento com Laurence Olivier. Francis era dançarina profissional antes de se tornar atriz. Tony Haygarth (o comedor de insetos Renfield) não está a bordo do navio quando Drácula desembarca na forma de um lobo, como no livro, mas apresentou momentos engraçados. Kate Nelligan interpreta uma Lucy que se sente atraída por Drácula, ao mesmo tempo que a sensação de liberdade feminina invade seu ser, numa Inglaterra que ainda caminhava quanto a igualdade entre homens e mulheres. Trevor Eve interpreta o advogado e noivo de Lucy que se vê perdido no meio da guerra de Drácula e Van Helsing e impotente quanto a recuperar o amor de Lucy. 

Mesmo que uma versão definitiva do personagem ainda não tenha sido feita e alguns possam apoiar que este não é o Drácula de Stoker, o que é correto, pois tanto se inspira na peça como no romance original, e mesmo que este exemplar se desvie da linha tradicional do filme de terror, é uma obra-prima visual, não chegando a ser uma reinterpretação, mas uma versão inspirada, liderada por um ator que merecia estar na galeria de melhores interpretações do personagem e uma elogiada área técnica que está muito presente e que foi fundamental mesmo que muitos não a notem. Houve inúmeras adaptações do Drácula de Bram Stoker e nesta Badham e o produtor Richter mexeram com as convenções da tradição vampírica confundindo assim nossas expectativas, ao driblar o final clássico e óbvio e ao nos deixar em dúvida da verdadeira vitória do bem sobre o mal. Filmado em Panavision.


Trailer:


Curiosidades:

Kate Nelligan foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por "O Príncipe das Marés" (1992)

O diretor John Badham pretendia filmar em preto e branco, mas foi forçado pelo estúdio a fazê-lo em Technicolor. Quando o filme foi relançado em laserdisc em 1991, a mando de Badham, a cor exuberante foi drenada do filme. Todos os lançamentos subsequentes de vídeos caseiros apresentam a impressão dessaturada.

Frank Langella sofre de uma doença ocular chamada nistagmo, que faz com que os olhos se movam involuntariamente. Os produtores estavam cientes de que isso poderia diminuir a ameaça que ele era capaz de retratar no papel, mas o escalaram mesmo assim, pois confiavam em sua presença geral na tela para fazer o papel funcionar. Em muitas cenas, seus olhos se movem de forma irregular, enquanto em outras cenas, ele pode ser observado mantendo-os parados, seja por força de vontade ou focando em objetos à distância.

De acordo com o livro "Luzes! Câmera! Grite!" (1983) de Stephen Mooser, o castelo do Conde Drácula não era um local real, mas um fosco de vidro pintado pelo guru dos efeitos visuais Albert Whitlock.

O diretor Ken Russell também estava planejando uma versão na mesma época. Em um estágio, ele considerou Laurence Olivier como o Conde. Seu elenco posterior foi Peter O'Toole ou Mick Fleetwood (da banda Fleetwood Mac) no personagem título com Peter Ustinov como Van Helsing. Ele também queria Oliver Reed como Renfield, com Sarah Miles e Mia Farrow como Lucy e Mina, respectivamente. Michael York e James Coburn também estavam na lista de desejos de Russell

Este foi um dos cinco filmes do Drácula lançados em 1979, juntamente com Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979), Amor à Primeira Mordida (1979), Nocturna (1979) e Graf Dracula in Oberbayern (1979). Ânsia (1979) e Os Vampiros de Salem (1979), ambos filmes de vampiros, foram lançados no mesmo ano. Assim como Vlad Tepes (1979), um filme romeno sobre o conde da Transilvânia da vida real que inspirou o personagem

Coincidentemente o ator George Hamilton acabou interpretando em forma de comédia dois personagens de Langella: Zorro em "As Duas Faces de Zorro" (1981) e Drácula em  "Amor a Primeira Mordida" (1979)

A participação de um ator de tanto prestígio como Laurence Olivier em um filme de monstros repercutiu na indústria e levou vários outros atores conceituados a fazer o mesmo. Talvez o melhor exemplo seja "Histórias de Fantasmas" (1981), que teve no elenco nomes como Fred Astaire, Douglas Fairbanks Jr., Melvyn Douglas e John Houseman.

Junto com Richard Roxburgh e Christopher Lee, Frank Langella é um dos poucos atores a interpretar o Conde Drácula e Sherlock Holmes no cinema e na televisão.

Quando Van Helsing está se preparando para tornar a caixa de terra do Drácula inutilizável para o vampiro, ele é mostrado quebrando uma única hóstia sagrada em quatro partes. Quando ele os coloca, ele realmente insere cinco partes, não quatro.

Um problema comum com muitos filmes de vampiros é repetido aqui: as marcas de mordidas no pescoço das mulheres são colocadas de tal forma que os dentes do vampiro deveriam estar um atrás do outro, não um ao lado do outro. A colocação das mordidas faria com que Drácula realizasse um ato contorcionista sério para enfiar os dentes nas vítimas voluntárias.

Jonathan e Lucy dançam "La Cumparsita". A peça foi composta em 1916, quase 3 anos após a ambientação do filme.

Quando Renfield surpreende Jonathan no carro e implora para ajudá-lo, há um morcego - aparentemente Drácula- observando-os. O animal é um morcego frugívoro amazônico, não um morcego vampiro. No entanto, nenhum deles pode ser encontrado em qualquer lugar da Europa.


Cartazes:




Filmografias Parciais:

Frank Langella







A Marca do Zorro (1974); Drácula (1979); Mestres do Universo (1987), 1492: A Conquista do Paraíso (1992); Dave, Presidente por um Dia (1993); Brainscan: Jogo Mortal (1994); Má Companhia (1995); A Ilha da Garganta Cortada (1995); Eddie, Ninguém Segura esta Mulher (1996); O Último Portal (1999); Doce Novembro (2001); Reflexos da Amizade (2004); Parceiros no Crime (2005); Boa Noite e Boa Sorte (2005); Superman: O Retorno (2006); Frost / Nixon (2008); Entre Segredos e Mentiras (2010); Desconhecido (2011); Frank e o Robô (2012); A Grande Luta de Muhammad Ali (2013); A Grande Escolha (2014); Encontro Marcado (2014); Grace de Mônaco (2104); O Mistério de Stella (2015); Capitão Fantástico (2016); The Americans (seriado 2015 a 2017);  Kidding (seriado 2018 a 2020); The Trial of the Chicago 7 (2020)


Laurence Olivier (1907 – 1989)







O Divórcio de Lady X (1938); O Morro dos Ventos Uivantes (1939); Rebecca, A Mulher Inesquecível (1940); Orgulho e Preconceito (1940); Invasão de Bárbaros (1941); Henrique (1944); Hamlet (1948); Ricardo III (1955); Spartacus (1960); Othello (1965); As Sandálias do Pescador (1968); As Aventuras de David Copperfield (1970); Os Amantes de Lady Caroline (1972); Maratona da Morte (1976); Jesus de Nazaré  (1977); Meninos do Brasil (1978); Drácula (1979); Fúria de Titãs (1981); Rei Lear (1983); Os últimos Dias de Pompéia (1984 mini-série); Caçado pelos Cães de Guerra (1986).


Donald Pleasence (1919–1995)






Náufragos da Vida (1954); Entre a Terra e o Céu (1957); Paixão Proibida (1959); A Morte Vem do Kilimanjaro (1959); Circo dos Horrores (1960); David e o Rei Saul (1960); Fugindo do Inferno (1963); A Maior História de Todos os Tempos (1965); Armadilha do Destino (1966); Viagem Fantástica (1966); A Noite dos Generais (1967); Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967); ...E o Bravo Ficou Só (1967); Quando é Preciso Ser Homem (1970); A Lenda da Flauta Mágica (1972); Henrique VIII e Suas Seis Esposas (1972); O Grande Seqüestro (1972); Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1973); Vozes do Além (1974); O Conde de Monte Cristo (1975); A Montanha Enfeitiçada (1975); O Último Magnata (1976); A Águia Pousou (1976); Jesus de Nazaré (mini-série 1977);  Alguém Lá em Cima Gosta de Mim (1977); Halloween: A Noite do Terror (1978); Drácula (1979); Fuga de Nova York (1981); Halloween 2 - O Pesadelo Continua! (1981); Noite de Pânico (1982); O Senhor das Águias (1984); Os Irmãos Corsos (1985); A Rainha Guerreira (1987); Príncipe das Sombras (1987); Django - A Volta do Vingador (1987); Halloween 4: O Retorno de Michael Myers (1988); O Caso dos Dez Negrinhos (1989); Halloween 5: A Vingaça de Michael Myers (1989); Enterrado Vivo (1990); Neblina e Sombras (1991); Guinevere - A Rainha de Excalibur (1994); Halloween 6: A Última Vingança (1995)


Kate Nelligan






O Conde de Monte Cristo (1975); A Inglesa Romântica (1975); Drácula (1979); A Outra Face da Razão (1980); O Buraco da Agulha (1981); As Vítimas (1982); Sequestro sem Pista (1983); O Preço da Justiça (1987); O Segredo do Quarto Branco (1990); Frankie & Johnny (1991); Neblina e Sombras (1991); O Príncipe das Marés (1991); Desafiando os Limites (1993); Distração Fatal (1993); Verdades e Mentiras (1994); Lobo (1994); Prece de uma Mãe (1995); O Museu de Margaret (1995); Colcha de Retalhos (1995); Íntimo & Pessoal (1996); U.S. Marshals: Os Federais (1998); O Desafio da Lei (1999); Regras da Vida (1999); Uma Dobra no Tempo (2003); Premonições (2007)


Jan Francis







A Journey to London (1975); Drácula (1979); Enquanto Existir Esperança (1984); Bloodlines (2005); Reunited (2010); Monochrome (2016) e participaação em vários seriados ingleses


Trevor Eve






Children (1976); Drácula (1979); Os Irmãos Corsos (1985); Rumo ao Sol (1988); Escândalo: A História que Seduziu o Mundo (1989); Inocente Ameaça (1992); Aspen - Dinheiro, Sedução e Perigo (1993); Don't Get Me Started (1994); Simplesmente Para Amar (1996); Possessão (2002); Tróia (2004); Ela é Demais para Mim (2010); Waking the Dead (seriado 2000 a 2011); Death of a Farmer (2014); O Natal do Meu Melhor Amigo (2019) e participação em vários seriados ingleses


Tony Haygarth (1945-2017)






O Mais Atrevido dos Transplantes (1971); O Mistério de Agatha (1979); Drácula (1979); S.O.S. Titanic (1979); Ivanhoé (1982); Hospital dos Malucos (1982); Meu Reino Por um Leitão (1984); A Prometida (1985); Uma Corrida Contra o Tempo (1986); Um Mês no Campo (1987); O Processo (1993); Infiltrator: Em Busca da Verdade (1995); Trazido pelo Mar (1997); Don Quixote (2000); Gracie! (2009) e participação em vários seriados ingleses


Alguns filmes do diretor John Badham:

Embalos de Sábado à Noite (1977); Drácula (1979); De Quem é a Vida Afinal? (1981); Trovão Azul (1983); Jogos de Guerra (1983); Competição de Destinos (1985); Um Robô em Curto Circuito (1986); Tocaia (1987); Alta Tensão (1990); Aprendiz de Feiticeiro (1991); A assassina (1993); Uma Nova Tocaia (1993); Zona Mortal (1994); Tempo Esgotado (1995); Incógnito (1997)

domingo, 16 de julho de 2023

OS ÓRFÃOS / THE LITTLE ARK (1972) - ESTADOS UNIDOS

A RESILIÊNCIA DO ESPÍRITO HUMANO

Adinda (Geneviève Ambas) e Jan (Philip Frame) são duas crianças, órfãs de guerra, que são adotadas por um pastor e sua esposa (Max Croiset e Truus Dekker) em uma pequena vila holandesa nos idos de  1953. A duplinha leva para casa um pequeno cachorro Beagle e a matriarca desaprova a aquisição, mas Alinda e Jan resolvem escondê-lo no campanário, com a aquiescência de seu pai, onde também mantém uma gata e um coelho. Durante a noite, um forte furacão se aproxima e o pastor pede que a esposa e filhos se refugiem na torre da igreja, mas apenas os dois ex-órfãos aceitam subir e refugiar-se com seus animais enquanto o patriarca se dirige com outros moradores para o dique que protege a cidade visando colocar sacos de areia. evitando assim uma inundação na vila.

Adinda e Jan, abrigados no campanário, adormecem seguros da forte tempestade que se instala. Quando acordam, percebem que a cidade está inundada pela enchente com as águas alcançando o telhado das casas. As crianças presenciam um helicóptero resgatando alguns moradores, mas não possuem tal sorte. Para seu espanto e assombro, a dupla vê que sua mãe adotiva não sobreviveu a enchente, mas descobrem que o barco de uma vizinha chamada Sra. Ool acabou colidindo contra a igreja permitindo que pudessem entrar levando seus animais de estimação. O barco começa a se movimentar sem rumo até que é abordado por outra embarcação. Um homem rude pede que as crianças abram o comportamento onde se encontram, mas Jan diz que deve ser um pirata. Diante de uma ordem mais enérgica a dupla permite a entrada do estranho homem que revela ser de um barco pesqueiro chamado "Ilha de Urk"  que busca resgatar aqueles que se encontram em locais onde os navios da marinha holandesa não conseguem navegar. No início, o capitão (Theodore Bikel) parece não gostar da dupla e seus animais (o cachorro busi, a gata Mosete, um coelho e o frango "príncipe"), mas começa a se afeiçoar às crianças que demonstram reciprocidade. Quando ele as deixa em um barco hospital mais adequado, Adinda e Jan não concordam e traçam um plano de fuga: tentar descobrir se seu pai adotivo está vivo ou tentar reencontrar o capitão para que lhes adote.

Os Órfãos foi uma produção que se tornou muito popular nos anos 80 no Brasil , quando estreou na Globo, apesar de ser uma produção dos anos 70, sendo reprisado ao longo da década na "Sessão da Tarde" e fazendo parte da infância de muitas pessoas. Apesar de ser uma produção americana, foi completamente rodada na Holanda e se aproveita de um evento ocorrido em 1953 naquele país transformado em livro ("De Kleine Ark") pelo escritor Jan de Hartog (1914-2002). Hartog foi um dramaturgo holandês, romancista e crítico social que se mudou para os Estados Unidos no início dos anos 1960 e se tornou um Quaker (grupo religioso, com origem no movimento protestante britânico do século XVII). A partir de então, ele passou a escrever em inglês.

Dirigido por James B. Clark (1908-2000) indicado ao Oscar pela edição do filme "Como Era Verde o Meu Vale" (1942), o filme possui qualidades bem interessantes, mas que provavelmente não atingiria o público infanto-juvenil dos dias atuais. Além de ser muito difícil encontrar uma cópia com boa imagem (há no YouTube uma versão dublada da tevê e uma no idioma original) o filme vem revestido de uma “ingenuidade” que não se vê mais em nossos dias. Talvez a grande mensagem do filme seja que teremos amarguras e felicidades em nossa vida e, mesmo diante de catástrofes, em algum momento, a vida voltará ao normal e o ser humano dotado de resiliência seguirá o curso de sua vida. O filme fala em ajudar o próximo (na pele do aparente rude capitão que se revela um homem de fortes crenças cristãs e de bom coração), nas crianças que mantém sua fé em encontrar seu pai adotivo enquanto as autoridades preferem mandá-las para um orfanato onde serão adotadas e talvez até separadas. Há um momento bem interessante do filme quando o capitão (seu nome não é dito) conta uma tradicional estória holandesa de uma jovem que abre mão de sua alma para localizar seu verdadeiro amor que partira em um navio que desaparecera. Ela é transformada em sereia e descobre que seu amado retornou, mas agora nunca mais poderá voltar para ele (a maldição seria uma alegoria à perda da fé?). Nesse momento o filme se transforma em um pequeno desenho animado, bem apropriado à imaginação das crianças (claro que foi para baratear a produção) da época, e talvez muitos se lembrem do filme por esse aspecto peculiar. Muito se falou que o corpo da mulher do pároco boiando nas águas (uma cena mostrada rapidamente, quase de relance) traumatizou algumas crianças desse período (estamos falando dos anos 70/80). O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Canção "Come Follow, Follow Me".

Quanto ao elenco, Geneviève Ambas esteve apenas neste filme e Philip Frame teve participação em duas séries (um episódio cada). Fez o filme “A Volta do Conde Yorga” (1971) e encerrou a carreira também neste filme. Já Theodore Bikel, falecido em 2015, era um ator com vasta participação em seriados americanos, filmes e telefilmes interpretando muito bem o pescador urkaniano (Urk é um município da Holanda) de bom coração pronto a ajudar quem precisa. O ator Max Croiset (1912-1993) teve uma filmografia de filmes majoritariamente holandeses. Sua filmografia terminou um anos antes de sua morte e a atriz Truus Dekker (1922-2022), também de origem holandesa, tem uma filmografia longa em seu país entre séries e filmes. Fez também o filme americano "Sótão: O Esconderijo de Anne Frank" (1988). Encerrou a carreira em 2013

Os Órfãos lembra um pouco as produções da Disney dos anos 60/70. É um filme raro, pouco lembrado, não mais reprisado, mas nostálgico para quem o assistiu. Vale a pena pela lembrança de uma época em que os filmes não carregavam a violência dos tempos atuais e pela possibilidade de revê-lo, ainda que em imagem precária na internet. O filme da infância de muitas pessoas.


Cartazes:




Filmografia Parcial:

Theodore Bikel (1924-2015)



Uma Aventura na África (1951); Moulin Rouge (1952); Momento de Desespero (1953); Nunca Me Deixes Ir (1953); Os Raptores (1953); A Loteria do Amor (1954); Carga Proibida (1954); Amantes Secretos (1954); Atraiçoado (1954); Corações em Angústia (1954); Escapando do Inferno (1955); Vindima Trágica (1957); Orgulho e Paixão (1957); A Raposa do Mar (1957); Acorrentados (1958); Colinas da Ira (1959); O Anjo Azul (1959); Minha Bela Dama (1964); Os russos Estão Chegando! Os Russos Estão Chegando! (1966); Para Além das Montanhas (1967); The Diary of Anne Frank (1967); Por Toda Minha Vida (1968); Minha Montanha Encantada (1969); Assassinato no Voo 502 (1975); Vitória em Entebbe (1976); O Retorno do Rei (1980); Busca Mortal (1991); Desejo Assassino (1993); Conspiração (1997); Babylon 5: No Início (1998); O Pequeno Traidor (2007)