segunda-feira, 15 de abril de 2024

DRÁCULA - A ÚLTIMA VIAGEM DO DEMETER / THE LAST VOYAGE OF THE DEMETER (2023) - ESTADOS UNIDOS / REINO UNIDO/ CANADÁ/ ÍNDIA / ALEMANHA

“UM BARCO SEM RATOS? TAL COISA É CONTRA A NATUREZA!”

1897. A escuna russa Demeter está prestes a zarpar de um porto em Varna, na Bulgária, rumo a Londres, com uma pequena tripulação, levando uma carga desconhecida por um bom valor e um bônus caso chegue pontualmente em seu destino. O capitão Eliot (Liam Cunningham) tenta recrutar mais marujos, porém coisas estranhas parecem surgir: nenhum dos aldeões responsáveis ​​por trazer a carga parecem tranquilos, na verdade, mostram-se afoitos em retornar o mais rápido possível para os seus lares antes do pôr do sol. Ao uma das cargas se soltar dentro do navio, um dos homens recrutados (o ator Noureddine Farihi (1957-2022)) mostra-se assombrado pelo símbolo que vê na caixa e abandona rapidamente o barco, deixando uma advertência de mal presságio.

Clemens (Corey Hawkins) é um médico formado em Cambridge e que foi “excluído” da medicina por causa de sua cor. A princípio, é recusado no navio com o motivo de não aparentar ser um homem capaz de aguentar o trabalho que uma escuna precisa, mas diante da desistência do marujo e por salvar o neto do capitão de um acidente, ele consegue convencer Eliot de que ter um médico a bordo pode ser de grande valia, ainda que diga ser capaz de lidar com outras tarefas. O navio parte com outros tripulantes: o primeiro imediato russo Wojchek (David Dastmalchian); o cozinheiro religioso Joseph (Jon Jon Briones); o garoto Toby (Woody Norman), neto do capitão; Olgaren (Stefan Kapicic); o russo Petrofsky (Nikolai Nikoleff); o jovem Abrams (Chris Walley) e Larsen (Martin Furulund).

Durante a viagem, uma das “caixas” se abre acidentalmente e a tripulação descobre conter uma aparente clandestina (Aisling Franciosi). Ao analisar o estado da Jovem, Clemens acredita estar diante de uma doença misteriosa, que necessitará de algumas transfusões de sangue. Os animais, levados no navio para alimentarem a tripulação, aparecem trucidados tornando a comida escassa. Quando a jovem recobra a consciência, ela confidencia a Clemens que algo diabólico e terrível se encontra dentro do barco, uma criatura horrenda e mortífera e que provavelmente todos no navio serão presas fáceis contra algo que eles nunca ouviram falar. Mas sua versão parece ser delirante e fantasiosa demais.


Para aqueles que leram o clássico “Drácula de Bram Stoker" não é novidade que a estória do Demeter foi narrada em seu sétimo capítulo, em uma breve passagem, com poucas páginas e com precárias informações. Com o filme se situando no mesmo ano em que "Drácula" foi realmente publicado, a ideia de apresentar o personagem, que já teve inúmeras versões (oficiais e não oficiais), mostrou-se um desafio. Logo, ampliar a narrativa do livro e investigar os acontecimentos que teriam ocorrido durante a viagem seria um interessante desenvolvimento de criatividade. Sabemos que o Demeter saiu da Bulgária em direção à Londres. Sabemos, obviamente, que Drácula sobreviveu, afinal sua fama se deu após essa chegada e porque, logo no início, o navio é encontrado destroçado com o diário do capitão narrando os eventos e deixando um tenebroso alerta. Mas o que aconteceu durante aquela viagem?; quem eram os seus tripulantes?; como eles tiveram que lidar com o vampiro (termo não citado no filme) mais famoso do cinema? Coube ao diretor André Øvredal (A Autópsia) singrar por este episódio pouco explorado. Øvredal descreveu o filme como "Alien - O 8º Passageiro em um navio em 1897". Mas será que podemos considerar realmente essa citação como algo correto?


Levar às telas o filme não foi uma tarefa simples. Foram quase 20 anos para finalmente “O Diário do Capitão” sair do papel, pois vários diretores foram cogitados (Marcus Nispel, Neil Marshall, Robert Schwentke...). Já o roteiro, sofreu diversas mudanças e lapidações e o elenco, em detrimento disso, precisava ser constantemente repensado. O nascimento do projeto aconteceu pelas mãos do roteirista Bragi F. Schut quando trabalhava em uma loja e viu a miniatura de Demeter usada em “Drácula de Bram Stoker” (1992). O roteiro original não tinha a personagem Anna, em vez disso, apresentava uma tripulação totalmente masculina. Noomi Rapace foi escalada como Anna e Ben Kinsley como o capitão do navio (em 2010). Rapace acabou realizando Prometheus (em 2012). Viggo Mortensen foi contratado para estrelar o filme, mas acabou saindo. Jude Law foi outro ator cogitado. O ator David Dastmalchian também havia escrito um roteiro abordando esse evento. Quando a produtora o informou que um projeto já estava em desenvolvimento, ele fez um teste para conseguir um papel no filme, obtendo o de Wojceck. De acordo com o maquiador Göran Lundström, o plano original era representar cinco fases diferentes para Drácula, incluindo uma metamorfose licantropa (lobisomem) que atacaria Petrofsky, mas a ideia não foi à frente para não causar confusão na mente dos espectadores. Inclusive, no livro "Drácula", este também pode assumir a forma de um lobo (Quem viu "Drácula" com Frank Langela se lembrará da cena inicial – aliás este filme emenda bem com o filme de 1979). Essa forma surge apenas em cenas deletadas.

Os vampiros sempre foram uma espécie de pedra angular do cinema de terror e as melhores adaptações lograram êxito em apresentá-lo tanto como homem quanto como monstro, mas aqui os envolvidos resolveram revelá-lo de uma forma crua (e cruel), excluindo o lado sensual de um personagem que conquista suas vítimas. Nosso Drácula aqui é apenas uma criatura sedenta de sangue, um predador incansável, mas nunca isento de raciocínio (como Anna revela) e que precisa se alimentar até chegar ao seu destino. O interessante é saber que o público conhece, de antemão, a força sobrenatural da criatura e seu objetivo, mas para a tripulação (menos Anna) eles estão lidando com algo completamente desconhecido, sem prévias informações, que surge e parece desparecer na escuridão do mar à noite ceifando uma vida atrás da outra. E cabe aos que tentam manter-se vivos tentar obter alguma vantagem, uma mínima percepção do que possa salvá-los.

Øvredal citou “Alien”, mas esse, quando lançado, era um personagem completamente desconhecido para o público e para os personagens, mas aqui não. E no Brasil, ainda foi introduzida a palavra “Drácula” (para atrair o público, visto que o nome é citado no filme) no título, um artifício que destrói qualquer surpresa a quem não leu a sinopse. 


Quanto a criatura, a visualização intentada aqui é uma variação particularmente grotesca, altamente violenta e demoníaca e que funciona para a proposta do filme. Muitos perceberão que parecemos estar diante de um Gárgula Medieval (um artifício interessante que remete o público ao inconsciente de criaturas semelhantes no topo de igrejas europeias – muito comum em filmes de terror). Já a atmosfera revela-se sombria e assombrada - mesmo nas cenas ambientadas durante o dia. E o diretor soube muito bem trabalhar a crescente sensação de desespero e desesperança (“A Autópsia” é um bom exemplo do trabalho do diretor nesse sentido) que vai se amplificando, principalmente, no terço final. 

O elenco funciona muito bem. O ator Javier Botet (“It”, “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro”, “Mama”), por trás de pesada maquiagem, próteses e efeitos, interpreta o “mal em sua essência” dando expressões necessárias ao personagem. Liam Cunningham (Games of Thrones), como capitão, entregou um personagem que o roteiro precisava: um capitão que resolvera se aposentar nesta última viagem e que se apresenta quase inerte diante do horror que surge diante de seus olhos. Corey Hawkins (“Straight Outta Compton: A História do N.W.A”. (2015), “Kong: A Ilha da Caveira” (2017) e “Infiltrado na Klan” (2018)) faz o médico que deseja aproveitar a ida da escuna para Londres e começar uma nova vida. Ele acaba sendo o fio condutor dessa narrativa (e como ele faz a transfusão de sangue sem identificar o tipo sanguíneo de sua paciente, para mim é um mistério, pelo menos na versão em que assisti). A atriz irlandesa Aisling Franciosi (do seriado “The Fall” e do filme “Imperdoável”), cujo personagem é visto como “mau-agouro”, por ser uma mulher no navio, consegue se destacar frente a um elenco predominantemente masculino. O restante do elenco complementa muito bem o filme. 


Drácula – A Última Viagem do Demeter é um filme que provavelmente agradará parte do público que curte filmes de Drácula, mas poderá desagradar aqueles que se apresentam mais conhecedores do personagem (dotado de uma poderosa imagem metafórica), que são mais exigentes, e que assistiram diversas produções do personagem, aptos em elaborar comparações. Se o filme se tornará uma produção clássica, só o tempo dirá (muitos filmes lançados sofrem revisões posteriores que os reclassificam como obras de gosto amplo), mas apresenta um ar de novidade, de revitalização, ainda que em um momento ou outro pareça um filme B. Ambientar o filme no navio, respeitando à época, foi um acerto, mas o seu clímax final nos remete, ao infeliz, cansativo e repetitivo artifício de Hollywood em preparar um gancho para futuras continuações na expectativa do filme apresentar um bom desempenho de bilheteria (o que não aconteceu) ou arregimentar fãs no streaming. Um filme muito interessante e que complementa uma mitologia largamente explorada pelo cinema.

 

Trailer:

 


 Curiosidades (o texto possui spoilers):

Orçado em US$ 45.000.000 (estimativa). Faturamento Bruto Mundial: US$ 21.786.275

O visual do Drácula é baseado no Conde Orlok da adaptação não autorizada Nosferatu (1922). Esse também foi o modelo para o visual do vampiro Barlow no original Os Vampiros de Salem (1979)

Drácula tem uma bengala com cabeça de lobo. No livro, Drácula se transforma em lobo, além de morcego e névoa.

No romance original, "O Diário de Deméter" tem apenas cinco páginas.

Antes de aprender sobre Drácula, a tripulação suspeita que a morte dos animais se deva à raiva, mas rapidamente descarta a ideia por não se adequar à situação. O vampirismo, especialmente descrito por Bram Stoker, é fortemente baseado na progressão do vírus da raiva em humanos e influencia a associação dos vampiros com morcegos e lobos, dois animais que comumente transmitem raiva.

Na antiga religião e mitologia grega, Demeter é a deusa olímpica da colheita e da agricultura. Embora ela seja mais conhecida como uma deusa dos grãos, ela também apareceu como uma deusa da saúde, do nascimento e do casamento, e tinha conexões com o submundo.

A viagem da Transilvânia para a Inglaterra teria sido realmente árdua na época. A Transilvânia fica no interior do porto romeno de Constanta, no Mar Negro, então primeiro a carga teria viajado por estrada e depois por rio até o navio na Bulgária. Em seguida, teriam descido o mar através do Estreito de Bósforo, atravessariam o Mar de Mármara e entrariam no Mar Mediterrâneo. De lá, sairiam pelo Estreito de Gibraltar e subiriam em direção à Inglaterra. À vela, a viagem teria durado muitas semanas, com escalas feitas em outros portos de carga ao longo do caminho.

Drácula precisava da sujeira de sua terra natal (a terra) para regenerar sua saúde e garantir que descansasse bem enquanto vivia em terras estrangeiras.

O filme quase apresentou duas outras mulheres, embora como cadáveres, que foram descobertas por Clemens e Anna como tendo sido guardadas por Drácula para alimentação. As cenas podem ser vistas entre as cenas deletadas.

O filme se passa na década de 1890 e Clemens faz questão de observar que ele se formou na faculdade de medicina de Cambridge. Cambridge só admitiu estudantes afrodescendentes em sua faculdade de medicina cerca de vinte anos depois, e o primeiro estudante afrodescendente a se formar em medicina só se formou em 1918.

O produtor Bradley J. Fischer revelou que o final quase incluiu uma participação especial do professor Abraham Van Helsing. Ele afirmou: "Passamos por muitas abordagens diferentes para a história, mas nada que fosse muito diferente do filme que terminamos, na verdade tivemos um final por um bom tempo. A cena na taverna seria com um sobrevivente sendo abordado por um homem estranho e sombrio, que inicia uma conversa e parece ter algum conhecimento das experiências pelas quais ele passou, se apresentando como Van Helsing”

Embora os créditos sejam "Baseado no capítulo “Diário do Capitão” de “Drácula de Bram Stoker", isso não é totalmente preciso. O Capítulo 7 de "Drácula" é na verdade intitulado “Recorte do The Dailygraph”, 8 de agosto (colado no Diário de Mina Murray) e dentro desse capítulo há uma seção “Diário de Demeter”. Esta seção, e as partes antes e depois da seção do Capítulo 7, é onde este filme se situa mais precisamente.

O segundo de dois filmes da Universal de 2023 com o Conde Drácula; o outro é Renfield – Dando o Sangue Pelo Chefe (2023).

Thomas Newman foi originalmente escalado para fazer a trilha sonora do filme, mas desistiu devido a conflitos de agenda sendo substituído por Bear McCreary.

A bengala com cabeça de lobo que Drácula carrega é uma referência à bengala usada por Lawrence Talbot em "' Lobisomem" / The Wolf Man (1941).

Quando o diretor David Slade foi escolhido para dirigir, ele queria que Jude Law fizesse o papel principal.

O filme foi lançado em 11 de agosto, três dias após a data indicada para a queda do Demeter no romance original do Drácula.

As sequências no porto búlgaro, do início do filme, foram filmadas em Malta, compartilhando locações com “Gladiador” (2000).

Último filme do ator Noureddine Farihi, que faleceu em 2022, aos 65 anos, em decorrência de um câncer


Cartazes:





Filmografias Parciais:

Corey Hawkins







Recalled (2012), Homem de Ferro 3 (2013), Sem Escalas (2014), Romeu e Julieta (2014), Straight Outta Compton: A História do N.W.A. (2015), The Walking Dead (2015–2016), Kong: A Ilha da Caveira (2017), 24 Horas: O Legado (seriado - 2016–2017), Infiltrado na Klan (2018), Esquadrão 6 (2019), Em um Bairro de Nova York (2021), A Tragédia de Macbeth (2021), Tempestade (2022), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023), A Cor Púrpura (2023) 

  

Liam Cunningham


 

 




No Limite da Inocência (1992); Lancelot - O Primeiro Cavaleiro (1995); Paixão Proibida (1996); A Revelação (2001); As Aventuras da Família Robinson (2002); Dog Soldiers - Cães de Caça (2002); Ventos da Liberdade (2006); Fome (2008); A Múmia: Tumba do Imperador Dragão (2008); Caçadores de Vampiros (2009); Vingança Entre Assassinos (2009); Harry Brown (2009); Centurião (2010); Fúria de Titãs (2010); A Informante (2010); Borboletas Negras (2011); Cavalo de Guerra (2011); Protegendo o Inimigo (2012); Códigos de Defesa (2013); A Infância de um Líder (2015); Game of Thrones (seriado 2012 a 2017), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023)   

 

Aisling Franciosi 






Jimmy's Hall (2014), Legends: Identidade Perdida (série 2015), The Fall (seriado - 2013–2016), Game of Thrones (seriado 2016–2017 - 2 episódios), Nightingale (2018), Home (2020), Narciso Negro (Minissérie 2020), Imperdoável (2021), Criaturas do Senhor (2022), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023), Stopmotion (2023)

  

Javier Botet 






Mistério no Lago (2005), [Rec] (2007), Quando a Porca Torce o Rabo (2007), Sexykiller, Morirás por Ella (2008), [REC] Possuídos (2009), Balada do Amor e do Ódio (2010), Diamond Flash (2011), La chispa de la vida (2011), Sin cobertura (2011), [Rec]³: Genesis (2012), Desafío final 5 (2012), Mama (2013), As Bruxas de Zugarramurdi (2013), El día del padre (2013), A Garota de Fogo (2014), [Rec] 4: Apocalipsis (2014), Dark Moor: Project X (2015), A Colina Escarlate (2015), O Regresso (2015), Do Outro Lado da Porta (2016), Invocação do Mal 2 (2016), O Guardião Invisível (2017), Os Portões Do Inferno (2017), Alien: Covenant (2017), A Múmia (2017), Exorcismos e Demônios (2017), Depois do Apocalipse (2017), It: A Coisa (2017), Sobrenatural: A Última Chave (2018), Slender Man: Pesadelo Sem Rosto (2018), Mara: o Demônio do Sono (2018), Morte Instantânea (2019), Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019), It: Capítulo Dois (2019), Amigo (2019), La Reina de los Lagartos (2019), O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña (2020), O Que Ficou Para Trás (2020), Diários da Quarentena (2020), Vozes (2020), Camera Café, la película (2022), El Fantástico Caso del Golem (2023), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

O TIGRE BRANCO / THE WHITE TIGER (2021) - ÍNDIA / ESTADOS UNIDOS

“ODIAMOS NOSSOS MESTRES POR TRÁS DE UMA FACHADA DE AMOR OU OS AMAMOS POR TRÁS DE UMA FACHADA DE ÓDIO?”

Balram Halwai (Harshit Mahawar) é pequeno aluno que chama a atenção, conseguindo uma bolsa de estudos em uma instituição de prestígio em Delhi. O destino, porém o tira da sala de aula: seu pai morre de tuberculose e seu irmão foi forçado a um casamento arranjado. Sua avó (Kamlesh Gill), agora a matriarca da família, o retira da escola para trabalhar na casa de chá da família, martelando pedaços de carvão.


Balram (Adarsh Gourav) agora é um adulto e não deseja ter a vida destinada para ele por ser de uma casta (a “Halwai”) inferior.  Quando ouve que o senhorio da vila (Mahesh Manjrekar), que com seus homens vive a colher dinheiro dos que ali moram, está procurando um segundo motorista para seu jovem filho Ashok (Rajkummar), que voltou da América, ele decide que essa pessoa será ele. Ele convence a avó a lhe emprestar o dinheiro para tirar a carteira de motorista, em troca dela receber a maior parte do seu salário e ainda se tornar uma pessoa popular no vilarejo. Balram consegue a carteira e convence o senhorio a lhe dar o cargo. Agora, ele é o segundo motorista da família, mas em breve, astutamente, se tornará o primeiro, transformando-se em motorista de Ashok e de sua esposa Pinky (Priyanka Chopra Jonas), cujo casamento a família não vê com bons olhos, pois Ashok quebrou a tradição das castas ao casar-se com Pink, uma mulher mais ativa e de decisões próprias que não deseja ficar na Índia.

Balram mostra-se totalmente subserviente, assumindo mais tarefas e continuamente se apequenando para garantir a aprovação de seus chefes, principalmente do patriarca que apelida secretamente de “Cegonha” e seu braço direito, irmão de Ashok, que apelida de “Mangusto” (Vijay Maurya). Balram limpa tapetes, dorme no chão, esfrega óleo nas panturrilhas da “cegonha”, ainda que este o trate, volta e meia, com abusos físicos, verbais  e psicológicos. E ainda alega aceitar uma fração menor do baixo salário que eles oferecem. Só que um evento faz com que Balram se considere traído por aqueles a quem jurou serventia e lealdade. Ele começa a se tornar uma outra pessoa, passando a pensar apenas em si com uma forte raiva interior.

O Tigre Branco, dirigido por Ramin Bahrani (Fahrenheit 451), foi baseado no romance de Aravind Adiga, vencedor do Prêmio Booker de 2008. É uma história rica em várias interpretações: corrupção e traição; a relação entre o sistema de castas que mantém os privilegiados em lugares elevados e os pobres nas ruas e vilarejos em subempregos e a injustiça sofrida por estes últimos em relação aos primeiros. Segundo Balram, na Índia, “o empresário deve ser uma combinação de opostos: direto e desonesto, zombador e crente, astuto e sincero”. Parte sátira, parte melodrama sombrio, O Tigre Branco nos mostra, no início da narrativa, uma carta endereçada ao primeiro-ministro chinês, que visita o país, escrita pelo protagonista (e, através de sua narração, os fatos de sua vida). Saberemos de antemão que ele se tornou um rico empresário, saberemos que essa probabilidade seria quase nula e saberemos que há um cartaz de Balram sendo procurado por homicídio, mas ele não parece preocupado com esse último problema, ele aprendeu como as coisas funcionam e como são resolvidas em seu país: o dinheiro corrompe, abre portas e garante a segurança. E aulas de corrupção, ele teve ao vivo.

O que difere O Tigre Branco dos demais é o modo como Balram vai se transformando: ele compara seus pares a galinhas presas em um galinheiro que, inertes, esperam o dia de serem sacrificadas; ele tem uma família que lhe explora e tenta lhe conseguir um casamento arranjado: um irmão que está preso no “galinheiro” e parece que terá o mesmo destino do pai e uma avó que só pensa em dinheiro e prestígio. Um patrão, empresário e mafioso, que só lhe trata com dignidade quando quer algo dele. Ele simpatiza com o seu jovem patrão e a esposa deste, que tenta lhe mostrar que ele será aquilo que o sistema deseja, desde que ele não se rebele. Só que Balram é uma peça a ser descartada quando um grave problema surge. Ele sabe que conforme for sua atitude, toda a sua família sofrerá nas mãos da “Cegonha”, do “Mangusto” e de seus asseclas. Mas o que fazer quando Balram acredita que os fins justificam os meios? 

Muitos criticaram a mensagem que o filme parece passar de que crime e violência seria a solução para uma sociedade corrompida e segregacionista. Mas os envolvidos quiseram mostrar, na verdade, que a sociedade cria seus “Baldrans” de tempos em tempos, “O Tigre Branco”, um animal albino, surge apenas de década em década. Quando criança, na escola, foi chamado de "Tigre Branco", um garoto diferente no meio de diversos. Balram considera-se uma espécie única, capaz de sair de uma sociedade que traça seu destino e cria sua própria linha de existência, do único jeito que conhece e do jeito mais fácil que aquele sistema permite. Com isso, o espectador, ao final do filme, fica com aquela sensação estranha, de que a mensagem do filme é perigosa e subversiva, mas antes de tudo é uma reflexão e um alerta para que essa sociedade de rígido código de divisão social perceba que uma ruptura pode estar mais próxima do que se imagina. 

Quanto ao elenco, Adarsh Gourav fez um Baldram de múltiplas facetas, que passa do alegre ao triste e revoltado; do sorriso de ingenuidade ao sorriso de sarcasmo; ao rosto ora alegre, ora triste, ora raivoso. Mahesh Manjrekar, como o senhorio, por ser de uma casta “rica”, se apresenta como um homem que trata de forma humilhante quem considera inferior, sem se preocupar, uma sugestiva mensagem de como a sociedade funciona. Seus negócios são regidos através de subornos à empresas e ao mais alto escalão do governo. Rajkummar, interpretando Ashok,  faz um jovem que estudou nos Estados Unidos e fica assustado como Balram é tratado, mas nem ele nem sua esposa salvarão Balram quando uma situação tornar-se limítrofe. Ainda que haja uma cumplicidade entre patrão e empregado, as posições sociais são bem claras quando determinadas situações surgem. O restante do elenco também está muito bem. 

O Tigre Branco é um filme bem reflexivo. Funciona por ter uma história muito bem escrita e uma condução que nos faz parecer que estamos vendo um filme alegre, mas que começa a se tornar sombrio a medida que avança. Sua mensagem, como já dito, pode ser assustadora para algumas pessoas, assim como as atitudes e pensamentos do protagonista. Produção que também trata das relações empregado e empregador. Foi indicado ao Oscar de Melhor Filme e que também se sobressai na área técnica.

 

Trailer:

 

 

Curiosidades (o texto contém spoilers):

Por sua atuação neste filme Adarsh Gourav foi indicado ao BAFTA Film Award; Independent Spirit Award; Critics' Choice Film Awards; Indian Film and Television Awards; Bollywood Film Journalist Awards ...

Aravind Adiga dedicou o romance "O Tigre Branco" a Ramin Bahrani, o diretor iraniano-americano do filme. Os dois são amigos desde a faculdade.

Enquanto Balram está sendo avaliado pela sua condução, O irmão de Ashok, Mangusto, afirma que lhe serão oferecidas 1.500 rúpias por um mês e 2.000 rúpias além de 2 meses. Em moeda americana isso era aproximadamente $37 (baseado em 2007) com um aumento de 33,4% para $48

A música que tocou no carro depois que o irmão de Ashok, Mangusto, saiu é "Feel Good Inc".do grupo Gorillaz

Depois que Balram foi acusado pela família de seu mestre de atropelar uma criança, quando ele estava pensando em fugir, ele disse: "Eu estava preso no galinheiro e não acredite nem por um segundo que haja um game show de um milhão de rúpias que você pode ganhar para sair disso". Nesta frase ele está falando de “Quem Quer ser um Milionário” (2008), filme sobre um menino indiano pobre que ganha um jogo de um milhão de rúpias.

A maioria dos personagens principais são rotulados como animais que simbolizam sua natureza. Como Balram, o tigre branco (por ser calculista e perigoso), Ashok, o cordeiro (por ser macio e mimado), Mukesh, como o mangusto, e o proprietário, como a cegonha, etc.

 Na cena em que Balram retorna ao apartamento de Ashok para ver como ele está depois que Pinky sai, o filme passando na TV está o filme satírico de 1983 em hindi, "Jaane Bhi Do Yaaron".


Cartazes:

 


 

Filmografias Parciais

Adarsh Gourav






Meu Nome é Khan (2010), Mãe (2017), Toothache (2017), O Tigre Branco (2021), Desencaixados (2023)