quinta-feira, 28 de junho de 2018

LADRÕES DE BICICLETA / LADRI DI BICICLETTE / BICYCLE THIEVES (1948) - ITALIA



PUNGENTE RETRATO DOS DESAFORTUNADOS DA ITÁLIA PÓS-GUERRA

Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani) é um desempregado entre milhares em uma Itália pós-guerra.  Durante sua procura diária por uma ocupação surge uma vaga de colador de cartazes de cinema. Para tal cargo há uma exigência: o empregado deve possuir uma bicicleta.  Antonio consegue a vaga e para  reaver a bicicleta que penhorara para ajudar no sustento da casa recebe a ajuda da esposa, que vende os lençóis de casa. A vida parece começar a caminhar nos trilhos até que, durante seu trabalho, não consegue evitar que sua bicicleta seja furtada. Antonio e seu pequeno filho, Bruno (Enzo Staiola), iniciam uma peregrinação pelas ruas de Roma na tentativa de encontrar sua bicicleta.



Sempre nas listas de melhores filmes de todos os tempos, Ladrões de Bicicleta (título traduzido corretamente  para o português e erroneamente para o inglês na época) tornou-se um clássico para uma geração de cineastas. Vittorio De Sica (do excelente Umberto D) mostrou um dos mais pungentes painéis sociais de uma Itália arruinada economicamente pela guerra (1945) e a influência no cotidiano dessas pessoas. Orson Wells (Cidadão Kane) alardeou que teria sido o melhor filme que vira na vida; Etore Escola dizia que o filme foi a razão de se tornar cineasta; Woody Allen o coloca entre os 10 Melhores de Todos os Tempos;  Martin Scorsese criou uma lista de “39 filmes estrangeiros essenciais para um jovem cineasta”, onde coloca o filme em 11º.




Expoente máximo do que se classificou como neo-realismo, um movimento cinematográfico que expunha as mazelas sociais de uma forma realista, simples e com comprometimento da realidade, Ladrões de Bicicleta parte de um evento aparentemente trivial para elevar o tema à tragédia grega. Antonio vai resgatar sua bicicleta numa loja de penhores e há uma centena delas (bicicletas eram caras e penhoras eram uma saída). Tem a bicicleta roubada, vai a delegacia e a polícia apenas faz o registro. Pede ajuda a um amigo que o leva numa feira de venda bicicletas e de peças para que tente identifica-la pelo número de registro. Há milhares delas. Sem bicicleta, sem emprego.



E é na peregrinação de Antonio e do pequeno Bruno que vemos o desespero, a ansiedade e a desesperança.  Antônio tem que reaver a bicicleta a todo custo. Tem uma família, conseguira um emprego para sustenta-la, vendera o que tinha de valor em casa para usá-la e uma pessoa a furtara. Enquanto seu desespero segue uma espiral crescente, suas chances seguem inversamente proporcionais. Enzo leva o pequeno Bruno a um restaurante, De Sica mostra o contraste entre a burguesia e o povo.  Uma simples bicicleta para muitos, para Antônio significa a subsistência de sua família, uma chance de atravessar dignamente uma economia arrasada com milhares de pessoas desesperadas por um emprego.



A escolha de um elenco predominante amador fez toda a diferença. Apesar de ser uma característica básica do neo-realismo De Sica conseguiu extrair pungência da dupla central (pode ser vista também como uma grande história de pai e filho) e o espectador  não tem como ficar indiferente a inevitável tragédia que vai cercando Antônio e ao olhar de desespero do pequeno Bruno perto do final. Uma obra tocante de rara sensibilidade e que mesmo em preto e branco, dos anos 40, ainda tem uma tremenda força narrativa, pois leva a reflexão sobre o que é justiça, sobre como vemos uma situação por um ponto de vista sem conhecer completamente o seu contexto.


Trailer:




Curiosidades:

Em italiano, o título é Ladri di Biciclette / Ladrões de Bicicleta. Quando exibido nos EUA recebeu o título de “The Bicycle Thief” / O Ladrão de Bicicleta. Só que no singular seria “Ladro di bicicletta.”. Erro de tradução ou o distribuidor viu o filme e percebeu tratar-se de apenas um ladrão a furtar a bicicleta ? No Reino Unido recebeu a tradução correta: “Bicycle Thieves”. Atualmente é conhecido nos EUA como “Bicycle Thieves”

Lamberto Maggiorani era operário em uma fábrica antes do filme.

Vagamente baseado no livro de Luigi Bartolini (1946)

Enquanto buscava financiamento para o filme De Sica recebeu uma proposta do produtor David O. Selznick, de "E o Vento Levou" e "Rebecca, A Mulher Inesquecível": ter Cary Grant no papel principal. De Sica declinou da oferta por achar Grant fora do biotipo que desejava para o papel

O famoso diretor de cinema Sergio Leone trabalhou como assistente de Vittorio De Sica durante as filmagens deste filme. Ele também tem uma pequena aparição como um dos padres que estão ao lado de Bruno e Antonio durante a tempestade.

Vittorio De Sica escalou Enzo Staiola, de 8 anos, quando percebeu o garoto assistindo a produção do filme em uma rua enquanto ajudava seu pai a vender flores.

Vittorio De Sica (1901–1974)  ganhou 4 Oscars:  Vítimas da Tormenta - Oscar honorário (1948); Ladrões de Bicicleta - Oscar honorário (1950);  Ontem, Hoje e Amanhã (1965); O Jardim onde Vivemos (1972)

No início não havia no Oscar categorias separadas para filmes estrangeiros. Entre 1948 e 1956, a Academia concedeu Prêmios Honorários. A partir de 1957 foi criada uma categoria para produções estrangeiras que dura até hoje 

Enzo Staiola 

















Prêmios:
Globo de Ouro 1950
BAFTA Awards 1950
Bodil Awards 1951
Cinema Writers Circle Awards, Spain 1951
Italian National Syndicate of Film Journalists 1949
Kinema Junpo Awards 1951
Locarno International Film Festival 1949
National Board of Review, USA 1949
New York Film Critics Circle Awards 1949
Online Film & Television Association 2008
 
Filmografia Parcial: 
Lamberto Maggiorani (1909–1983)
 













Ladrões de Bicicletas (1948); Mulheres Sem Nome (1950); A Rebelde (1951); Ana (1951); Humberto D. (1952); Totó Fora da Lei (1956); O Juízo Universal (1961); Mamma Roma (1962); Mar Louco (1963); Ostia (1970)


Enzo Staiola (1939 - )
 

 










Ladrões de Bicicletas (1948); Vulcão de Paixões (1949); Vulcano (1950); O Drama da Linha Branca (1950); Façam Seu Jogo Senhores (1951); Outros Tempos (1952); O Regresso de Don Camilo (1953); A Condessa Descalça (1954); La ragazza dal pigiama giallo (1977)

quarta-feira, 27 de junho de 2018

EU SÓ POSSO IMAGINAR / I CAN ONLY IMAGINE (2018) - ESTADOS UNIDOS





UM HOMEM TRANSFORMADO POR DEUS

1985. Bart Millard (Brody Rose) é um menino do Texas que vive com o pai, Arthur (Dennis Quaid), um homem violento, cuja esposa Amy (Tanya Clarke) fora embora de casa. Tendo dificuldades de relacionamento com o pai, o agora já adulto Bart (J. Michael Finley), tenta se espelhar na carreira que seu pai não conseguira seguir adiante: o futebol americano. Ao sofrer uma lesão irreversível nos ligamentos, que o impede de continuar no esporte, encontra na música um talento único, mas seu pai continua impassível frente a este jovem de uma voz que encanta a todos. Bart sai de casa e cai na estrada  juntando-se a um grupo musical na tentativa de seguir uma carreira, mas o caminho é árduo e o sucesso quase impossível. Até que Bart conhece o produtor Brickell (Trace Adkins) que lhe dá um conselho que mudará toda a sua vida: que coloque em uma canção tudo que sente a respeito de seu pai e o que guarda em seu coração.



Baseado em fatos reais “Eu Só Posso Imaginar” conta a incrível e bela história por trás da música cristã de maior vendagem de todos os tempos: “I Can Only Imagine” e que, até agora, poucos conheciam a história por trás da concepção de sua letra.



Dirigido por pelos irmão Andrew e Jon Erwin mostra a relação de  amor e ódio, repulsa e incompreensão com o Pai, um relação amenizada pela paixão de Bart pela música que lhe dava inspiração, lhe dava força para  viver num lar onde quem cuida de você parece te odiar. Sua professora, Mrs. Fincher (Priscilla C. Shirer de “O Quarto de Guerra”) percebe-se diante uma pessoa com um timbre vocal diferenciado, uma pérola escondida dentro de uma ostra, mas essa ostra recusa-se a acreditar possuir tal dom. Bart pensa não ter serventia para nada na vida, muito em detrimento das palavras amarguradas de seu pai. Um homem com ódio. Muito ódio ... da vida e de si próprio que embruteceu seu coração e seu modo de criar o filho. Bart larga a namorada Shannon (Madeline Carrol) e singra as estradas de asfalto dos EUA no seu "navio sobre rodas" à procura de alguém que acredite em seu talento, e com isso acaba indo de encontro às respostas que seu coração ansiava. E escrever “a música” foi uma forma de colocar para fora todos as suas catarses. A musica se torna o cerne do filme. O fio condutor para explorar a relação entre pai e filho. Bart precisa de uma mudança completa do pai. O espectador espera essa mudança. Mas nada na vida vem fácil, tudo tem um preço e não se negocia com o tempo.



A expectativa do desenrolar da história é a força motriz por trás do filme e a bela maneira como ela é conduzida seduz o espectador mais descrente, pois não é uma fantasia, são fatos reais. Fatos que inspiraram uma canção, inspiraram a vida de um jovem, um pai perdido nas trevas de seu sofrimento e vícios e de pessoas que foram tocadas por uma letra e arranjos tão profundos. É a jornada espiritual com o pai e com Shannon, a garota do seu coração. De um pai a ser repudiado a um homem a ser admirado. Amor, ódio, redenção, tenacidade, determinação, sacrifico, esperança, superação ...  Bart usa a dor para inspirar sua poderosa canção.



"I Can Only Imagine"  (do grupo MercyMe) é uma música cristã que ultrapassou o mercado gospel, ganhou o concorrido mercado americano, conquistou a parada da famosa Billboard e correu mundo.  Teve vários covers e regravações. No Brasil a “Banda Atrium” e “Diante do Trono” lançaram suas versões nacionais. A canção original ganhou dois "Dove Awards" em 2002 e, na mesma categoria, Millard também ganharia como “Compositor do Ano” (Songwriter of the Year). Mas a trilha musical não é apenas gospel: tem U2, Leonard Cohen (1934-2016), Jeff Lynne (do antigo grupo ELO) entre outros.



Quanto ao elenco Dennis Quaid tem, talvez, um dos melhores papéis de sua carreira. Sua transformação de um pai austero e decadente em... bem... o espectador descobrirá, é impressionante. Sua entrega ao personagem é tão forte que poderíamos dizer que uma indicação ao Oscar não seria nada de absurdo. Só que essa linha não é o tipo de filme que Hollywood volta seus olhos, infelizmente. Seria muito interessante ver que foi preciso uma história gospel para dar um Oscar a Quaid. Seria outro feito dessa poderosa canção. J. Michael Finley em sua estreia no cinema surpreende. Sua escolha foi uma aposta e tanto que revelou-se um tiro certeiro. Ele consegue transmitir aqueles momentos de dor, pureza e amor (no sentido cristão) na dose certa. A talentosa atriz Madeline Carroll ("Resident Evil 3" e "Redenção") mostra que vem crescendo como atriz e sua Shannon está muito interessante. Trace Adkins (de "Horizonte Profundo") faz o simpático produtor. O ator teve ótima presença cênica e chama a atenção quando surge. Outra atriz a ser citada é Priscilla C. Shirer, em seu segundo papel no cinema, que em pouco tempo em cena conseguiu se sobressair. A atriz Nicole DuPort, como a cantora Gospel Amy Grant, aparece em alguns momentos, com boa atuação. Os demais atores também entregaram um bom trabalho.



Eu Só Posso Imaginar foi lançado nos Estados Unidos em 16 de março, não por acaso, pois remete a João 3:16 (nos EUA o mês vem à frente do dia) tido como o verso mais famoso da Bíblia e um dos mais citados (ver curiosidades). É um filme, assim como a música em que se inspira, que ultrapassa o circuito cristão e merece ter toda a visibilidade do mercado comercial, pois é um filme que emociona, tem uma bela história de vida e uma direção inspirada, com ótimos atores, fotografia e trilha sonora. Os mais suscetíveis inclusive poderão ir ás lágrimas. Um filme para quem gosta produções bem realizadas e indicada para todo tipo de público. Um filme que merece ser visto e divulgado.

Trailer:




MercyMe - "I Can Only Imagine"





Banda Atrium - Eu Só Posso Imaginar (I Can Only Imagine)



Diante do Trono - Eu Só Posso Imaginar (I Can Only Imagine)


Curiosidades:

João 3:16:
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".

Orçado em 7 milhões e só nos Estados Unidos alcançou 85 milhões até o momento.

Os gêmeos do ator Dennis Quaid aparecerem como extras na cena do restaurante. Sua filha é a que aponta para o personagem de Quaid durante seu incidente de saúde.

 









  

Durante a cena de abertura, em 1985, o jovem Bart está andando de bicicleta pela cidade. Ele passa por uma sala de cinema mostrando os títulos de Tubarão 3 (1983) e Os Goonies (1985). Dennis Quaid, desempenhou o papel principal de Mike Brody em tubarão 3-D em 1983.

"sonhos não  pagam contas ... nada de bom vem deles ..." é uma das frases do pai de Bart no filme.


Trilha Sonora:

I Can Only Imagine -  MercyMe
Into the Heart - U2
Don't Bring Me Down -  Jeff Lynne
Hallelujah - Leonard Cohen
Breath of Heaven (Mary's Song) -   Amy Grant
We're a Band -  Audio Adrenaline
The Attic - Bart Millard, Mike Scheuchzer e Timothy Shay Spencer
The Great Adventure - Steven Curtis Chapman
Oh Lord, You're Beautiful - Keith Green
Oh, What a Beautiful Mornin -  Ameritz Audio
Beautiful -  Nathan Cochran
Amazing Grace -  John Newton
Intro -  M83
 

Letra da  Musica:
I can only imagine 
What it will be like
When I walk, by your side
I can only imagine 

What my eyes will see
When you face is before me
I can only imagine ... Yeah


Surrounded by Your glory
What will my heart feel
Will I dance for you Jesus
Or in awe of You be still
Will I stand in your presence
Or to my knees will I fall
Will I sing hallelujah
Will I be able to speak at all
I can only imagine
I can only imagine
 

I can only imagine 
When that day comes
When I find myself 

Standing in the Sun
I can only imagine 

When all I would do is forever
Forever worship You
I can only imagine, yeah
I can only imagine
 

Surrounded by Your glory
What will my heart feel
Will I dance for You, Jesus
Or in awe of you be still
Will I stand in your presence
Or to my knees will I fall
Will I sing hallelujah
Will I be able to speak at all
I can only imagine, Yeah
I can only imagine


Surrounded by Your glory
What will my heart feel
Will I dance for You, Jesus
Or in awe of you be still
Will I stand in Your presence
Or to my knees will I fall
Will I sing hallelujah
Will I be able to speak at all
I can only imagine, Yeah
I can only imagine 

I can only imagine yeah yeah
I can only imagine
I can only imagine
I can only imagine 

I can only imagine 
when all I will do
Is forever, forever worship You
I can only imagine

Filmografia Parcial:

Dennis Quaid














O Vencedor (1979); Cavalgada dos Proscritos (1980); Tudo em Família (1981); Sede de triunfo (1983);  Os Eleitos - Onde o Futuro Começa (1983); A Morte nos Sonhos (1984); Inimigo Meu (1985); Acerto de Contas (1986); Viagem Insólita (1987); Sob Suspeita (1987);  Morto ao Chegar (1988) ; A Fera do Rock (1989); Wyatt Earp (1994); Coração de Dragão (1996); As Duas Faces da Lei (1997); Corações Apaixonados (1998); Alta Freqüência (2000); Traffic: Ninguém Sai Limpo (2000); Desafio do Destino (2002) Garganta do Diabo (2003); O Dia Depois de Amanhã (2004); O Vôo da Fênix (2004); Ponto de Vista (2008); G.I. Joe: A Origem de Cobra (2009); Pandorum (2009); Legião (2010); Footloose: Ritmo Contagiante (2011); Além da Escuridão (2011); Quatro Vidas de um Cachorro (2017); Eu Só Posso Imaginar (2018)


Madeline Carroll
 














Quando um Estranho Chama (2006); Meu Papai é Noel 3 (2006); Resident Evil 3: A Extinção (2007); Missão Quase Impossível (2010); O Primeiro Amor (2010); O Primeiro Amor (2011); Café com Amor (2011); Redenção (2011); O Reencontro (2012); Eu Só Posso Imaginar (2018); God Bless the Broken Road (2018); Pistachio (2018)

Trace Adkins
 

 











Ciranda de Ilusões (1987); Trailer Park of Terror (2008); O Poder e a Lei (2011); Wyatt Earp's Revenge (2012); Mamãe: Operação Balada (2014); Horizonte Profundo: Desastre no Golfo (2016); Stagecoach: The Texas Jack Story (2016); Before They Were Cowboys (2016); Hickok (2017); Guitar Legends for Heroes (2018); Eu Só Posso Imaginar (2018); Motocross (2018)

Tanya Clarke
 

 











Uma Mente Brilhante (2001); O Melhor Ladrão do Mundo (2004); Marco Zero (2007); Na Trilha do Assassino (2009); Death Warrior (2009); Repo Men: O Resgate de Órgãos (2010); DriverX (2017); Eu Só Posso Imaginar (2018); The Boarder (2018)

sexta-feira, 22 de junho de 2018

OS BRUTOS TAMBÉM AMAM / SHANE (1953) - ESTADOS UNIDOS



OS PERSONAGENS SÃO A HISTÓRIA

Forasteiro sem passado, que se apresenta como Shane (Alan Ladd), chega a um vilarejo em meio a disputa de lavradores com latifundiários. Shane se afeiçoa pela família de Joe Starrett (Van Heflin) que vive com o filho Joey (Brandon De Wilde) e a esposa Marian (Jean Arthur)  passando a ajuda-los no dia-a-dia do rancho.  Enquanto isso o lider dos criadores de gado, Rufus Ryker (Emile Meyer), traz um sinistro pistoleiro de aluguel, Jack Wilson (Jack Palance), para intimidar Starrett e quem mais não aceitar ir embora. Shane percebe que sua idílica vida não durará muito e seu passado ignorado por todos lhe chamará para conter Ryker e seu bando.


Os Brutos Também Amam, curioso (para muitos horrível) título brasileiro para "Shane" é tido como um dos mais icônicos filmes de todos os tempos, um marco dos filmes de faroeste e também um dos filmes mais ricos em significação dramática. Sempre incluído nas listas de melhores de todos os tempos por entidades, fãs e cineastas (Sam Peckinpah, John Sturges, George Cuckor, Robert Aldrich, Vincente Minnelli...). O retrato psicológico de uma sociedade primitiva e bruta. Inspiração e padrão para os heróis solitários do cinema como o "Cavaleiro Solitário" de Eastwood (este um remake), "Crepúsculo de Aço" de Swayze, "Malone" de Burt Reynolds, "Mad Max III" de Mel Gibson, Logan de  Hugh Jackman... uma fabula sobre o bem versus o mal. Como dito no livro "1001 filmes Para se Assistir Antes de Morrer": "os personagens são a história".


A esposa se sente imediatamente dividia entre o marido e o altivo pistoleiro. Shane resiste disfarçadamente, preferindo sufocar seus sentimentos para não comprometer a felicidade de uma família já constituída. Sua relação com o menino é praticamente a de um pai (e o próprio menino diz à mãe que o ama como tal). 
É interessante pensar que Shane nunca existiu, seria apenas fruto da imaginação de Joey. Tudo seria apenas uma criação de um menino solitário que cria um herói para completar a ausência de crianças e da figura paterna: presente mas preocupado com outras coisas, pois o menino sempre está presente nas cenas em que o herói entra em ação. É uma especulação interessante, assim como alguns alegam que o personagem principal de "Curtindo a Vida Adoidado", Ferris Bueller (Matthew Broderick), seria uma criação do personagem Cameron Frye (Alan Ruck), um alter ego, do que desejaria ser realmente. Teorias não faltam. A  partida de Shane simbolizaria o fim de uma era e o início de outra?


É interessante também pensar que, em alguns momentos, poderíamos estar diante de um Shane casado com Marian, Joey ser seu filho e Joe seu irmão. Ao mesmo  tempo que Joey vê em Shane o fim de suas carências paternas, Shane parece ver naquela família de pioneiros uma família que nunca tivera ou perdera. E proteger a família acima de tudo, em  um local que xerifes ou pacificadores ainda não chegaram, parece ser sua nova missão de vida onde cada lado se acha o dono da verdade: os criadores de gado alegam que enfrentaram os índios, desbravaram o lugar e os lavradores citam o governo e terras livres para cuidarem do solo para as gerações que ainda estão por vir.



Shane tem muitas nuances e imagens icônicas: o cavaleiro surgindo no horizonte e descendo o vale; o camponês desafiando Wilson; a briga no saloon; o  enterro; o final clássico e sublime; um Wilson a desfilar com suas botas e esporas e um sorriso sarcástico no rosto; os dois se olhando, se encarando, se estudando; a personificação do bem versus o mal decantada em imagens e tensão; o herói que conquista a ternura da mulher e o afeto do menino, além dos conceitos de honra, orgulho, medo, amor platônico, lealdade e amizade. Tiros que produzem um poderoso som e apenas uma bala basta para alguém morrer. O "Anjo Purificador" (no caráter religioso) vindo a expurgar o mal que habita o local (O Cavaleiro Solitário, de Eastwood, chega a ser claro nesse aspecto).



O filme foi indicado a seis Oscars (ver “Curiosidades”), mas levou apenas o de Melhor Fotografia (Loyal Griggs); tem um ótimo tema musical  de Victor Young. Foi o ultimo filme da atriz Jean Arthur. Alan Ladd não teria outro personagem de tal impacto, nem o diretor George Stevens (em seu único western) faria outro filme de tamanho culto. 



O filme se passa em 1889, já no fim da era dos pistoleiros: A Guerra de Secessão (1861 e 1865) já havia acabado; Wyatt Earp já se aposentara; Billy the Kid morrera em 1881; Gerônimo se rendera em 1886; Custer morrera em 1876 e Doc Holliday em 1887.  Os Brutos Também Amam talvez nem seja o melhor do gênero, mas o modo icônico como foi feito o torna um filme inesquecível. O primeiro faroeste narrado do ponto de vista de uma criança. O filme dos últimos pistoleiros do Velho Oeste com um final aberto a interpretações. Um Filme obrigatório para Cinéfilos.


Trailer:



Curiosidades:
Indicações:
Oscar de Melhor Direção (George Stevens); Melhor Filme (George Stevens); Melhor Roteiro (A.B. Guthrie Jr); Melhor Ator Coadjuvante (Jack Palance e Brandon De Wilde); Melhor Fotografia (Loyal Griggs )

Jack Palance assinava como “Walter Jack Palance”

Primeiro filme a cores do diretor

Alan Ladd não concorreu ao Oscar por esta produção

Baseado no livro  homônimo de Jack Schaefer

O filme inspirou uma série de tv nos anos 60 com o ator David Carradine

Na cena da morte do agricultor contra Wilson o ator foi puxado por cordas amarradas em um cavalo

George Stevens só conquistaria o Oscar de Melhor Direção em 1956 com "Assim Caminha a Humanidade". Foi diretor de fotografia nos anos 20 e 30.

Stonewall Jackson, citado por Wilson, ao camponês que confrontou, foi um oficial durante a Guerra de Secessão (ou Guerra Civil Americana: 1861-1865) que lutou pelo Sul dos Estados Unidos. Atingido acidentalmente por seus soldados durante uma batalha teve o braço amputado e, dias depois, faleceria de pneumonia.

Na cena do funeral, o cão se recusou insistentemente a olhar para o túmulo. O diretor George Stevens  pediu ao treinador do cachorro que se deitasse no fundo do túmulo, e o cachorro fez sua parte com habilidade. O caixão (carregado com pedras para o efeito apropriado) foi então baixado para o túmulo, mas quando o tocador de gaita começou a tocar "Taps" espontaneamente, a equipe ficou tão comovida com a cena que começaram a cavar a terra antes de lembrar que o treinador ainda estava lá.

Jean Arthur, então com 50 anos, saiu da semi aposentadoria para interpretar Marian Starrett, em grande parte como um favor a seu amigo, o diretor George Stevens. Ela se aposentaria completamente da indústria cinematográfica depois desse filme

Diante do alto custo do filme a Paramount pensou em vendê-lo para outro distribuidor, achando que nunca teria o retorno do investimento. Acabou tendo um lucro significativo.

Jack Palance teve problemas com o cavalo durante as filmagens. Quando Shane e Jack se viram pela primeira vez no Rancho, Palance deveria desmontar por um minuto, depois montar novamente seu cavalo. Ele não conseguiu, então o diretor fez com que Jack desmontasse seu cavalo devagar, depois correu o filme ao contrário para a que a cena funcionasse. 

A cena em que Alan Ladd pratica tiro na frente de Brandon De Wilde teve 119 tomadas. 

George Stevens escalou originalmente Montgomery Clift como Shane e William Holden como Joe Starrett. Quando ambos decidiram por outros projetos, "Shane" foi quase abandonado antes de Stevens perguntar ao chefe do estúdio, Y. Frank Freeman. Ao ver uma lista de atores contratados pelo estúdio, Stevens escalou Alan Ladd, Van Heflin e Jean Arthur em três minutos.

Katharine Hepburn foi originalmente sugerida para o papel de Marian.


Houve um trabalho meticuloso em todos os níveis da produção. Todos os adereços eram fiéis ao período, as construções foram feitas de acordo com as especificações da época e as roupas eram completamente autênticas. O diretor George Stevens até tinha um gado de aparência meio magricela, importado de outras áreas, já que os rebanhos locais pareciam muito bem alimentados e saudáveis. 

Jean Arthur tinha 50 anos quando interpretou Marian. Ela era, na verdade, dez anos mais velha do que Emile Meyer, que interpretava o velho barão do gado Rufus Ryker. Jean usava maquiagem pesada e uma peruca neste filme.


De acordo com o comentário no DVD, durante a cena em que Shane e Joe estão lutando no curral, os cavalos amarrados deveriam entrar em pânico. Para instilar a histeria nos cavalos, o diretor George Stevens mandou dois homens se vestirem com trajes de urso para assustá-los.

Alan Ladd tinha apenas 1,68m, e isso teve que ser compensado. Quando ele está em cenas com Van Heflin (1,82m), os dois têm aproximadamente a mesma altura, embora Heflin seja muito mais alto. Quando Ladd está com Jean Arthur (1,60m), ele é talvez um pouco mais alto que ela. Quando Heflin é mostrado com ela, Heflin é muito mais alto que ela. 

Os primeiros tiros no filme acontecem quando Shane mostra a Joey como disparar um revólver. Para aumentar o efeito dramático do tiroteio, os sons dos tiros foram elevados ao Shane disparar a arma contra um balde de lixo. As reverberações ecoadas fizeram o tiroteio soar muito mais alto. A intenção de George Stevens era assustar o público com o primeiro disparo de uma arma.

O ator Jack Elam disse em uma entrevista, em 1987, com David Letterman, que ele recusou o papel de Jack Wilson e que considerou um erro.

O romance de Jack Schaefer foi um enorme sucesso quando foi publicado pela primeira vez em 1949, com a Paramount rapidamente abocanhando os direitos do filme.

Este foi o primeiro western de George Stevens desde "Na Mira de um Coração" (1935). 

Alan Ladd faleceu de ataque cardíaco 

Jean Arthur faleceu de doença cardiovascular. Ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz por "Original Pecado" (1943)

Bandon De Wilde morreu aos 30 anos em um acidente de carro

Jack Palance faleceu de causas naturais. Conquistou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por "Amigos, Sempre Amigos" (1991) e foi indicado duas vezes na mesma categoria: "Precipícios d'Alma" (1952) e "Os Brutos Também Amam" (1953)


Van Heflin faleceu de ataque cardíaco. Ganhou o Oscar por "Estrada Proibida" (1941)

Emile Meyer faleceu de Mal de Alzheimer 

Elisha Cook, Jr. faleceu de derrame cerebral

 

Filmografia Parcial:

Alan Ladd (1913–1964)












O Último Trem de Madri (1937);  A Besta de Berlim (1939); A Conquista do Atlântico (1939); Cidadão Kane (1941); E as Luzes Brilharão Outra Vez (1942); Alma Torturada (1942); Coração de Pedra (1942); A Dália Azul (1946); Saigon (1948); Até o Céu Tem Limites (1949); A Marca Rubra (1950); O Último Caudilho (1951); A Náu dos Condenados (1952); Legião do Deserto (1953); Os Brutos Também Amam (1953); Inferno Branco (1954); O Espadachim Negro (1954); Encontro com o Diabo (1957); A Lenda da Estátua Nua (1957); Gigantes em Luta (1960); Os Invencíveis (1960); Duelo de Campeões (1961); Clamor de Vingança (1962); Os Insaciáveis (1964) 


Jean Arthur (1900–1991)
 

 









A Parte do Leão (1926); Espadas e Corações (1927); O Drama de uma Noite (1929); O Misterioso Dr. Fu Manchu (1929); A Casa do Crime (1929); No Caminho do Céu (1929); Sentimento e Justiça (1934); O Homem que Nunca Pecou (1935); O Galante Mr. Deeds (1936); Madame Mistério (1936); Aventura em Nova York (1936); Mais do que Secretária (1936); Do Mundo Nada se Leva (1938); A Mulher Faz o Homem (1939); O Diabo e a Mulher (1941); Original Pecado (1943); Duas Vezes Lua de Mel (1944); Os Brutos Também Amam (1953)


Jack Palance (1919–2006)
 
 










Os Brutos Também Amam (1953); Átila, o Rei dos Hunos (1954); O Cálice Sagrado (1954); A Revolta dos Bárbaros (1960); Os Mongóis (1961); O Desprezo (1963); Os Profissionais (1966); As Torturas do Dr. Diabolo (1967); Drácula (1974); O Falcão Justiceiro (1980); Bagdad Café (1987); Os Jovens Pistoleiros (1988); Batman (1989); Tango e Cash - Os Vingadores (1989); Amigos, Sempre Amigos (1991) Falando com os Mortos (2002).
  
 Van Heflin (1908–1971)
 

 







  

Coração de Jogador (1937); A Vida é Assim (1939); A Estrada de Santa Fé (1940); Sol de Outono (1941); Estrada Proibida (1941); Sete Noivas (1942); Fogueira de Paixões (1947); Os Três Mosqueteiros (1948); A Sedutora Madame Bovary (1949); Coração Selvagem (1951); Os Brutos Também Amam (1953); O Mundo é da Mulher (1954); O Vale da Redenção (1955); Galante e Sanguinário (1957); Sangue de Pistoleiro (1958); A Última Batalha (1963); A Maior História de Todos os Tempos (1965); A Última Diligência (1966); Aeroporto (1970)
 


Brandon De Wilde (1942–1972)
 

 









Cruel Desengano (1952); Os Brutos Também Amam (1953); Cruel Dilema (1956); A Passagem da Noite (1957); Blue Jeans - O Que os Pais Desconhecem (1959); O Anjo Violento (1962); O Indomado (1963); Somente os Fracos Se Rendem (1965); A Crista do Diabo (1971); Wild in the Sky (1972) 

Emile Meyer (1910–1987)
 













Pânico nas Ruas (1950); Incógnito (1951); A Rebelião dos Piratas (1952); Os Brutos Também Amam (1953); Rebelião no Presídio (1954); Homens Indomáveis (1954); Tambores da Morte (1954); A Lei do Bravo (1955); Nas Garras da Ambição (1955); O Homem do Braço de Ouro (1955); Até a Última Bala (1956); O Delinquente Delicado (1957); Glória Feita de Sangue (1957); Assassino Público Número Um (1957); Quadrilha de Assassinos (1958); O Terror do Oeste (1958); A Dois Passos da Forca (1959); Fúria Negra (1959); O Jovem Jesse James (1960); O Império da Vingança (1964); A Grande Cilada (1967); A Quadrilha (1973); The Legend of Frank Woods (1977)

Elisha Cook Jr. (1903–1995)
 

 










Segredo de Justiça (1939); O Homem dos Olhos Esbugalhados (1940); A Vida é uma Canção (1940); Sargento York (1941); Relíquia Macabra (1941); Dillinger (1945); Cinderella Jones (1946); O Álibi do Falcão (1946); Nascido para Matar (1947); A Máscara da Traição (1949); Almas Desesperadas (1952); Os Brutos Também Amam (1953); Torrentes de Vingança (1953); Rajadas de Ódio (1954); A Fúria dos Justos (1955); O Grande Golpe (1956); O Bandoleiro Solitário (1957); Assassino Público Número Um (1957); A Casa dos Maus Espíritos (1959); A Face Oculta (1961); O Estado Interessante de Papai (1963); O Castelo Assombrado (1963); O Mensageiro da Vingança (1963); O Bebê de Rosemary (1968); O Grande Roubo do Banco (1969); Sem Lei e Sem Esperança (1972); Pat Garrett e Billy the Kid (1973); A Volta dos Bravos (1975); Cinco Dias de Conspiração (1976); 1941 - Uma Guerra Muito Louca (1979); O Circo da Morte (1980); Terror at Alcatraz (1982) e participação em vários seriados


Fontes:
Matérias do Jornal O Globo
Matérias do Jornal do Brasil
Guia de Filmes Nova Cultural (1993)
1001 Filmes Para se Ver Antes de Morrer
IMDB
Wikipedia 
Set Cinema e Video