quinta-feira, 27 de setembro de 2018

BUSCANDO ... / SEARCHING ... (2018) - ESTADOS UNIDOS




"O SER HUMANO INTERPRETA DUAS COMÉDIAS: UMA PERANTE SI E OUTRA PERANTE OS OUTROS"

David Kim (John Cho) é um pai que fica desesperado ao perceber que sua filha Margot (Michelle La ), de 16 anos,  não retornou ao lar após uma noite de estudos na casa de amigos.  As horas passam e ninguém parece saber onde a jovem se encontra. A polícia é acionada.  A inspetora Vick (Debra Messing) assume o caso.  Quase não há pistas. 37 horas se passam. Até que David consegue acessar o computador da filha...


"Buscando ..." é um filme interessantíssimo: ele aborda um drama / mistério a partir de uma narrativa quase que centrada totalmente pela tela de um computador e os meios digitais; uma técnica que vem sendo chamada de “screen life” (algo como "vida na tela"). Não é uma novidade ou um expoente no gênero, visto que "Amizade Desfeita"-“Unfriended” (2014) já havia dado suas caras no segmento. Aliais o produtor Timur Bekmambetov (diretor de "Guardiões da Noite" -2004- e "Ben Hur" -2016- ) também foi o produtor do filme de 2014.  Com a experiência de "Amizade Desfeita" faltava buscar um bom diretor e roteirista. Aneesh Chaganty (americano de origem indiana), em sua estreia em longas,  foi o escolhido a ficar a frente das câmeras elaborando o roteiro com Sev Ohanian (que volta e meia atua como produtor).  Essa união rendeu, a princípio, um ótimo roteiro, mas era preciso bons atores. E veio as escolhas de  John Cho (o novo Sr Sulu) da nova franquia "Star Trek" ("Jornada nas Estrelas"); a estreante Sara Sohn e a atriz do seriado "Will & Grace", Debra Messing. E funcionou muito bem.


"Buscando ..." torna-se uma produção a ser assistida por vários fatores determinantes. De início podemos dizer que ter um filme inteiro partindo do ponto de vista do usuário de um celular ou computador  podia dar muito errado, mas uma primeira observância nos mostra um extremo cuidado do trabalho de edição:  a produção fez um trabalho incrível ao adaptar para o português (o famoso "português brasileiro") todas as telas que aparecem no filme. Sim, todas estão no nosso idioma, inclusive as páginas de internet, plataformas, conversas e notícias. Os envolvidos perceberam que, para que tivéssemos o envolvimento crucial à lógica do filme, a leitura em nosso idioma seria imprescindível (assim como o fez para outros países em que foi lançado), pois poucos conseguiriam acompanhar tudo o que é mostrado ou digitado mesmo com legendas (nem teria legendas suficientes para preencher a tela). Seria uma confusão e não funcionaria.


Mas eis que surgem outras qualidades: a aparente simplicidade do roteiro oculta várias camadas, nuances, que surgem na superfície da estória e que percebemos aos poucos. O roteiro entrega uma proposição do que o personagem está vendo. As peças estão ali, soltas, mas que se complementam no fim. E situações vão surgindo: vitimização da vítima; memes; teorias; julgamentos; a insensibilidade de algumas pessoas; outras que se mostram na rede completamente diferente da vida real; como as pessoas se transformam quando o caso alcança a mídia. Todos querem tirar proveito de um pedacinho da situação. Um bando de pessoas presas ao seu cotidiano, que momentaneamente se tornam pessoas solidárias, melhores amigos da "jovem sem amigos". Mas o filme não é só entretenimento, é reflexão. Um painel da sociedade atual que revela as máscaras (para o espectador) por trás dos dedos que teclam, bem no estilo "no Facebook / na vida real". O ditado "o ser o humano interpreta duas comédias: uma perante si e outra perante os outros" (de Paulo Bonfim) é perceptível neste longa. Nos revela ainda a internet como ela é: fria, sensível, emotiva, debochada ... de uma forma crua e objetiva. A dualidade entre o bem e o mal que a internet proporciona.


E dá-lhe reviravoltas (plost twist). E lá vai o espectador seguindo outro caminho que imaginara estar coerente, tudo dentro da tecnologia que cada vez nos insere mais no mundo digital: telas estáticas, internet, câmeras, Google, Facebook, Twitter, Instagram, iPhones, videos online, desktop, laptops,  Skype, redes sociais, mundo digital, câmera de segurança,  Google Maps, Facetime ... ufa !!. Mostra a potencialidade do mundo digital para aqueles que a utilizam apenas para ler e-mails, ver vídeos e notícias. Na verdade esses se tornam tão protagonistas quanto os atores.


Falando de atores, John Cho está ótimo como o pai que se questiona quem é realmente sua filha: a da vida real ou a da internet?, que fica intrigado com o conceito de amizade nesse mundo digital. O ator carrega o filme nas costas e nos transmite uma empatia imediata com os acontecimentos que surgem. Michelle La  está muito bem como uma filha que passamos a conhecer através das mídias digitais e traz um questionamento do relacionamento pais e filhos nessa "Geração Z". Debra Messing está ótima como a inspetora dedicada a solucionar o mistério.


"Buscando ..."  é um filme sem dúvida acima da média, muito bem realizado e que pode levar até um Oscar na área técnica (edição, direção de arte ...) pelo esmero com que foi realizado.  Para não dizer que considero perfeito, devo deixar registrado que o final não me agradou. Na minha visão faltou ousadia, faltou sair do trivial hollywoodiano.  Não que tenha sido ruim, mas ficou com uma cara de final de filmes "Supercine" da Globo.  No mais é uma produção que prende do início ao fim, com uma estória coesa e que nos tira da mesmice que o cinema vem nos entregando nos últimos anos. 

Trailer:





Curiosidades:

O filme levou apenas 13 dias para ser filmado. No entanto, levou dois anos para ficar pronto devido à preparação, edição e animação.

Enquanto o filme apresenta sistemas operacionais de computador, programas e (principalmente) sites, estes foram recriados do zero e animados em computadores. 

Para as versões em espanhol e francês do filme, cada tela de TV / telefone / computador foi recriada em seu respectivo idioma, bem como em cada sequência de digitação, pressionamento de tecla por pressionamento de tecla.

A professora de piano de Margot, Vartohi Shahinian, leva o nome da mãe do co-escritor / produtor Sev Ohanian, usando seu nome de solteira. A fotografia mostrada é uma foto real da mãe dele.  

Um dos contatos de Margot é chamado John Watson. John Watson é também o nome do parceiro de trabalho do personagem fictício Sherlock Holmes. 



SPOILER (NÃO LEIA, SE NÃO ASSISTIU)
No início do filme, há uma notícia com o nome de M. Night Shyamalan, uma dica de que o filme contém uma reviravolta no terceiro ato. 

No início do filme, uma notícia sobre um homem que sobreviveu por oito dias no deserto é mostrada, aludindo à conclusão do filme.

Quando David descobre a camiseta de seu irmão no carro de Margot e procura seu número através de seus contatos, um dos contatos que pode ser visto é Aneesh Chaganty, o diretor do filme. 

Durante a sequência em que David passa pela antiga lista de endereços de Pam, o segundo nome que ele procura é Robert, que mais tarde é revelado ser o perseguidor de sua filha. Entre as anotações de Pam sobre o menino, está sua mãe divorciada sendo detetive no SVPD e notando que ele tinha uma queda enorme por Margot - duas pistas importantes sobre os responsáveis pelo desaparecimento de Margot. 

Robert, sob seu codinome Fish_n_Chips, afirma que seu Pokémon favorito é o Kecleon. Kecleon é um Pokémon que se parece com um camaleão e pode se camuflar. Isso alude ao fato de que Robert estava tentando esconder sua identidade para Margot. 

PREMIAÇÕES:
Festival de Cinema de Sundance 
 


Filmografia Parcial:
John Cho








Mera Coincidência (1997); American Pie: A Primeira Vez é Inesquecível (1999); Os Picaretas (1999); Beleza Americana (1999); Godzilla 2000 (1999); Os Flintstones em Viva Rock Vegas (2000); O Céu pode Esperar (2001); American Pie 2: A Segunda Vez é Ainda Melhor (2001); O Grande Mentiroso (2002); American Pie: O Casamento (2003); American Pie: O Casamento (2003); Em Boa Companhia (2004); Ligados pelo Crime (2007); Madrugada Muito Louca 2 (2008);  Star Trek (2009); Um Natal Muito Louco (2011); American Pie: O Reencontro (2012); O Vingador do Futuro (2012); Além da Escuridão: Star Trek (2013); Star Trek: Sem Fronteiras (2016); Gemini (2017); Buscando... (2018); The Oath (2018)

Debra Messing






Caminhando nas Nuvens (1995); Celebridades (1998); Jesus, a Maior História de Todos os Tempos (Mínie-série 1999); A Última Profecia (2002); Quero Ficar com Polly (2004); Segunda Chance para o Amor (2007); Bem-Vindo ao Jogo (2007); Os Mistérios de Laura (seriado 2014 a 2018); Ned and Stacey (seriado 1995 a 2017); Buscando... (2018); Will e Grace (seriado 1998 a 2020); The Dark Divide (2020)


terça-feira, 25 de setembro de 2018

JACK - O MATADOR DE GIGANTES / JACK THE GIANT KILLER (1962) - ESTADOS UNIDOS





DIVERTIDO, NOSTÁLGICO E MALFEITO

Cornualha, Inglaterra, perto do "Cabo do Fim do Mundo".  O Príncipe Pendragron (Torin Thatcher) era um feiticeiro, senhor das bruxas, demônios e gigantes  que aterrorizava o reino e fora expulso por um mago, Herlas, sendo exilando para além do mundo conhecido. Vivendo em um castelo fora do mapa e cercado de névoas, o poderoso feiticeiro esperou anos por seu retorno até o dia da coroação da princesa Elaine (Judi Meredith). Se apresentando como um príncipe de um lugar chamado Elidóros, desconhecido por todos, Pendragron consegue entrar na festa e entregar um lindo presente à futura rainha: uma caixa de música com um boneco dançarino que encanta a todos.  Ao anoitecer o boneco ganha vida e transforma-se em uma criatura gigante, que leva a princesa sem que o rei e os soldados consigam deter o monstro. No meio do caminho, Jack (Kerwin Mathews), um jovem fazendeiro, consegue salvar a princesa e ganha o título de cavaleiro. Para escapar das garras do feiticeiro, o rei determina que Elaine seja levada para um convento escondido na companhia de seu novo protetor: "Sir Jack, O Matador de Gigantes". Enquanto o casal e apaixona, Pendragon traça um plano para capturar a princesa e assim se tornar o novo rei da Cornualha.

 
Tudo começou Quando Charles Schneer e Ray Harryhausen estavam procurando por um produtor para o filme "Simbad e a Princesa" (The 7th Voyage of  Sinbad) de 1958. A ideia era ter Edward Small, mas este não demostrou interesse na produção. O filme foi um sucesso e Small resolveu que faria um filme nos mesmo moldes da oportunidade que perdera. E este seria "O Matador de Gigantes". 




Sua estratégia fora contratar o mesmo diretor, Nathan Juran, o mesmo herói (Kerwin Mathews) e o mesmo vilão (Torin Thatcher), mas algo fundamental ficou de fora: Ray Harryhausen e suas fabulosas criações. O mago dos efeitos que batizou seu efeitos como "Dynarama" (ainda chamada de "Dynamation") e nos trouxe filmes como: "As Novas Viagens de Simbad"; "Simbad e o Olho do Tigre" e "Fúria de Titãs" era a peça chave do sucesso, mas Small apostou na técnica "Fantascope" (técnica que junta atores a monstros animados) com outro artista à frente das criações: Jim Danforth, que havia trabalhado como assistente na produção de "A Máquina do Tempo" (1960) e já fizera outros trabalhos na área como "Atlântida, Continente Desaparecido" (1961) e "O Mundo Maravilhoso dos Irmãos Grimm" (1962). Posteriormente, conseguiria seu próprio lugar de destaque na indústria com trabalhos em dezenas de produções como "As Sete Caras do Dr. Lao" (1964); o seriado "The Outer Limits" (1963-1964);  "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (1971); "007 - Os Diamantes São Eternos" (1971); "A Reencarnação de Peter Proud" (1975); "Fúria de Titãs" (como assistente de Harryhausen); "Conan, o Bárbaro" (1982); "O Enigma de Outro Mundo" (1982); "A História sem Fim" (1984); "Comando para Matar" (1985); "Eles Vivem" (1988)... em muitas destas produções, como "não creditada". Ainda trabalhou como diretor de segunda unidade, ator e na área de fotografia, como "matte artist", que fazia aquelas pinturas de fundo que hoje são feitas digitalmente, como castelos, florestas ... Mas algo não deu muito certo.



O diretor Nathan Juran (1907–2002) que dirigiu episódios de séries famosas como como "Tunel do Tempo", "Perdidos no Espaço",  "Viagem ao Fundo do Mar", "Terra de Gigantes" e "Daniel Boone" também dividiu os créditos com Orville H. Hampton (1917–1997) um experiente roteirista de filmes e séries. A dupla até entregou um trabalho interessante se olharmos para época de sua concepção. O filme é uma aventura infanto-juvenil; um conto de fadas sobre o bem contra o mal e o amor vencendo todos os obstáculos; sobre persistência e solidariedade; sobre honra e manter a palavra; sobre a amizade. Há vários elementos interessantes na  narrativa: bruxas (tem uma que deve ser uma ancestral da "Cuca" do primeiro "Sitio do Pica-Pau Amarelo"); tem um gigante (na verdade ele mata apenas um); tem um pássaro gigante. E um feiticeiro cheio de pompa e falas rebuscadas.



Há vários personagens misturados nessa salada de magia e feitiçaria: temos um viking (da mitologia nórdica); um gigante (que parece uma das criações Harryhausen do filme de Simbad de 1958);  um Leprechaun irlandês, preso em uma garrafa (alguém lembrou do gênio de Aladin ?), que lhe concede três (!) moedas mágicas que combaterá três grandes feitiços; uma referência ao "Cavalo de Tróia" no presente da caixa de música;  um menino corajoso (para o público infantil). O  nome "Pendragon" vem da lenda do Rei Arthur, pois Uther Pendragon seria pai deste.  Logo o mago Herlas pode ser uma mudança do nome de Merlin e Pendragon poderia ser Mordred, filho de Artur e Morgana, meia-irmã materna de Artur.  Até Barrabás (Cristianismo) e Isis (Egito Antigo) são citados (!!!???). Mas se a ideia era usar esses elementos e criar belos efeitos de Stop Montion provou-se um grande equívoco. As criaturas saíram bem malfeitas.


Kerwin Mathews (que em alguns momentos me lembrou o rosto de Gordon Scott) até se sai bem, como o fizera em seu filme de Simbad (é praticamente o mesmo personagem, mudando apenas o nome); Judi Meredith saiu-se igualmente bem em um papel duplo;  Torin Thatcher faz um vilão meio caricato e pouco assustador. Destaques  para Walter Burke (o lacaio do mago,  Garna); Don Beddoe (o Leprechaun, com suas frases em forma de rimas); Barry Kelley (Sigurd, o Viking) e Roger Mobley (o menino Peter)



Jack - O Matador de Gigantes envelheceu muito. A estória da princesa raptada por um mago malvado era mais do que batida com o seu salvador passando por alguns desafios para ficar para sempre com sua amada. E, aqui, tudo acontece com aquela inocência dos contos, com uma bem-vinda ausência de violência, comparada aos padrões atuais, que chega a nos deixar surpresos.  Caso achem o filme ruim (na verdade é bem nostálgico) é bom saberem que o produtor lançou uma posterior versão musical (para fugir de um processo da Columbia Pictures por conta da similaridade com "Simbad") na qual dublaram-se os atores e adaptaram-se os diálogos à números musicais.  


Trailer:





Curiosidades:

Kerwin Mathews se retirou dos holofotes em 1978, abrindo, posteriormente, uma loja de roupas e antiquários. Faleceu de ataque cardíaco.

Judi Meredith  se aposentou em 1973, vindo a falecer em 2014 de causas não reveladas

Torin Thatcher faleceu de câncer
 

Walter Burke faleceu em decorrência de um Enfisema

Don Beddoe faleceu de causas naturais

O filme não foi lançado no Reino Unido até 1967 e, em seguida, recebeu cortes para um certificado 'A', editando o ataque de bruxa no navio, a princesa Elaine sendo atacada pelo gigante e a luta de Jack com o dragão.



Cartazes:



  
Um trecho da versão musical




Filmografia Parcial: 
Kerwin Mathews (1926–2007) 

 



Simbad e a Princesa (1958); Fiel a Duas Bandeiras (1959);  As Viagens de Gulliver (1960);  Piratas do Rio Sangrento (1962); Jack - O Matador de Gigantes (1962);  Maniac (1963);  Pânico em Bangkok (1964); Um Roubo em Paris (1967); A Maldição da Lua Cheia (1977);  Nightmare in Blood (1977)

Judi Meredith (1936–2014)
 

 








  

Estação do Amor (1958); Época sem Lei (1958); Falta um para Vingar (1958); O Matador de Gigantes (1962); Bandoleiros do Oeste (1963); Queen of Blood (1966); Os Renegados (1971) e participação em várias séries

Torin Thatcher (1905–1981)


 







  

  

Barabbas (1935); O Homem Que Fazia Milagres (1936); O Amor Nasceu do Ódio (1937); Alguém Falou (1942); Um Estranho na Escuridão (1946); Jassy, A Feiticeira (1947); O Ídolo Caído (1948); A Rosa Negra (1950); O Pirata Sangrento (1952); As Neves do Kilimanjaro (1952);Barba Negra, o Pirata (1952); Ratos do Deserto (1953); Houdini, o Homem Miraculoso (1953); O Manto Sagrado (1953); O Escudo Negro de Falworth (1954); Rifles para Bengala (1954); Suplício de uma Saudade (1955); Helena de Tróia (1956); Meu Pecado Foi Nascer (1957); Testemunha de Acusação (1957); Simbad e a Princesa (1958); O Matador de Gigantes (1962); Adeus às Ilusões (1965); O Pirata do Rei (1967); Brenda Starr  (1976) e participação em vários seriados

Walter Burke  (1908–1984)
 

 











A Grande Ilusão (1949); O Último Jogo (1951); Algemas Partidas (1960); O Matador de Gigantes (1962); A Bela e a Fera (1962); A Conquista do Oeste (1962); A Volta ao Mundo em Oitenta Risadas (1963); Minha Bela Dama (1964); Respondendo à Bala (1966) A Louca Missão do Dr. Schaefer (1967); Uma Cidade Contra o Xerife (1969); Latigo, o Pistoleiro (1971); Jogo Sujo (1973) e participação em vários seriados


Don Beddoe (1903–1991)
 

 











O Falcão Mascarado (1939); Mandrake, O Mágico (1939); O Homem Imortal (1939); Conflito de Duas Almas (1939); Charlie Chan e o Estrangulador (1940); Perseguidor Implacável (1940); Máscara de Fogo (1941); E a Vida Continua (1942); Rua das Almas Perdidas (1947); Sombras da Ambição (1949); Cyrano de Bergerac (1950); O Rei do Rodeio (1951); Almas Desesperadas (1952); O Palhaço (1953); O Rio das Almas Perdidas (1954); Tarzan e os Selvagens (1955); Mensageiro do Diabo (1955); Minha Vontade é Lei (1959); O Mago de Bagdad (1960); O Matador de Gigantes (1962); O Estado Interessante de Papai (1963); Dois Contra o Oeste (1966); Nickel Mountain (1984) 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

EU, DANIEL BLAKE / I, DANIEL BLAKE (2016) - REINO UNIDO





"O ESTADO, O MAIS FRIO DOS MONSTROS" (Friedrich Nietzsche)

Daniel Blake é um cidadão, de 59 anos,  como tantos outros nesse mundo: trabalhava como carpinteiro, a esposa faleceu e acabou sendo acometido de um infarto que o impossibilita exercer sua profissão. Sua médica lhe adverte que sua saúde, começa a dar sinais de melhora, mas trabalhar, no momento, está completamente fora de cogitação.


Blake precisa pagar suas contas, precisa se alimentar, logo, ir atrás dos direitos que o seu duro trabalho, ao longo dos anos, lhe garantiu é algo absolutamente normal. Ou deveria ser. O que Blake começa a perceber é que caiu numa teia da aranha. Sua teia tem uma cola poderosa e vai imobilizá-lo. Essa teia se chama governo e a cola se chama burocracia. Pode até ser que o espectador esteja pensando: já assisti a esse tipo de filme. E provavelmente seja verdade. Mas de tempos em tempos o cinema nos brinda com algo diferente, algo que nos comove, nos indigna e nos faz refletir mesmo depois do final de sua projeção. Eu, Daniel Blake é um desses momentos.



Cabe ao espectador, assim como o personagem, assistir a tudo de forma impotente e com perplexidade. Vemos Blake ficar 48 minutos escutando aquela musiquinha chata para descobrir que um mecanizado operador de atendimento apenas lhe dirige frases prontas e vazias, no típico "isso não é comigo". Blake vai atrás do benefício na previdência. Na entrevista lhe perguntam se pode caminhar, se pode se expressar com clareza e se pode levantar e movimentar os braços. Sua resposta é: "meu problema é no coração". Mas se você consegue se mover e outras coisas mais, pode trabalhar. E se pode trabalhar, deve requerer, na visão do Estado, o seguro desemprego. Ah mas tem laudo médico? Então aguarde (sem uma data estipulada) que alguém ligará para agendar uma revisão no seu pedido. Enquanto isso procure emprego e prove que você não é um peso ao sistema. Não, esse filme não é um filme brasileiro. É inglês e mostra como são tratados por lá aqueles que foram produtivos a vida inteira, mas se confrontam com um estado falido em cuidar de seus cidadãos.
 


Mas o filme não fica apenas em Daniel. Em paralelo temos Katie (Hayley Squires) uma recém-chegada ao bairro, mãe solteira, com dois filhos pequenos que foi expulsa pelo proprietário do antigo apartamento em que morava. Moraram dois anos em um abrigo e agora ela tenta começar uma nova vida, conseguir emprego e cursar a faculdade.  Ela conhece Daniel e uma verdadeira amizade surge com este tentando ajudar sua amiga e até fazer às vezes de pai (e ainda bem que não foi feito em Hollywood, senão teríamos um relacionamento sentimental no filme). Dois estranhos que se encontram praticamente na mesma situação: apenas precisam de uma ajuda momentânea para garantirem suas dignidades. O senso de dever moral e humano, de se ajudarem de alguma maneira, sobrepõem o individualismo tão perene atualmente no coração das pessoas. Dois seres humanos que apenas querem algo fundamental a todos: direito e dignidade.
 

 
E as sutilezas desse diretor, de mais de 80 anos, com seu roteirista de longa data, Paul Laverty, nos brinda com vários momentos emocionantes e reflexivos: em um mundo cada vez mais digital, Daniel, um "analfabeto", nesse novo mundo escuta: "Nós somos digitais por padrão!" e replica: "É? Bem, eu sou lápis por padrão!", apesar de certo humor em algumas situações  há uma denúncia de um mundo frio que não se importa com quem não se adapta ou se enquadra  a ele. Daniel é tratado na agência com frieza, indiferença e hostilidade disfarçada. Não concorda com algo? Registre sua queixa em um número de telefone e aguarde uma resposta. Não concorda com essa atitude? Bem, será convidado a deixar o local por atrapalhar o trabalho dos que ali estão para lhe ajudar. Um Estado frio, com funcionários frios, que não querem se envolver, ou não tem tempo, ou não se importam. Daniel é direcionado a procurar emprego, fazer por conta própria um currículo no computador e provar que está buscando emprego (mesmo proibido pela médica), para mostrar que não é um sanguessuga atrás apenas de ganhar um benefício sem esforço.



A performance dos atores é algo a se elogiar. O ator cômico Dave Johns, pouco conhecido por aqui, oriundo da tv, em sua estreia no cinema, traz uma atuação soberba carregada de humor, frustração e revolta que se identifica imediatamente com o espectador.  Seu início irônico, kafkiano, quanto a surreal situação em que se encontra, vai se transformando em incredulidade e sofrimento, de acordo com que percebe que não tem mais forças nem saúde para enfrentar o mais frio dos monstros: O Estado. Sua indignação se transforma em um ato, um grito de socorro, para que o escutem. Hayley Squires é outra que traz momentos marcantes, como na cena em que pega uma lata de feijão e leva à boca, diante do desespero da fome. Sua Katie é uma mãe carinhosa, uma batalhadora que luta para tentar dar os seus filhos dignidade. Não há como não sentir um aperto no coração quando sua filha fala de bullying na escola por ter "roupas pobres", nem quando toma  uma atitude desesperadora para dar comida aos filhos. O filme mostra que, mesmo nesse ambiente de insensibilidade, há pessoas prontas a dar uma ajuda momentânea, como a assistente social que se apieda da situação de Daniel e resolve ter uma iniciativa diante do caos burocrático. Seu prêmio? O espectador descobrirá como um Estado desumano trata aqueles que ainda são humanos. Para finalizar temos o ator Kema Sikazwe (como "China"), um afrodescendente, imigrante, que se insere em um tipo de empregabilidade: o famoso "contrato zero", um modelo onde os empregados não têm obrigação de cumprir um determinado número de horas, mas devem estar disponíveis para quando a empresa necessitar, cuja remuneração poderá ser boa ou extremamente desfavorável. Menos direitos e menos dinheiro.



Produção britânico-franco-belga, ganhadora da Palma de Ouro em Cannes, "Eu, Daniel Blake" é um drama de dois seres humanos com estórias de vidas diferentes que se encontram praticamente numa mesma situação desesperadora diante de um abismo social. Um sensível painel de uma sociedade que evolui tecnologicamente contra um Estado "pelo povo e para o povo" (a grande ironia) que se torna um monstro frio auxiliado por representantes frios.

Trailer:

Curiosidades:

O filme foi filmado em ordem cronológica. A atriz Hayley Squires não recebeu o roteiro inteiro para ler antes de filmar. 

Na estreia de Cannes, Ken Loach e sua equipe foram recebidos com aplausos arrebatadores de 15 minutos após a exibição oficial.

O diretor Ken Loach é o mais velho vencedor da Palma de Ouro de todos os tempos. Quando venceu, no dia 22 de maio de 2016, ele tinha 79 anos.

Esta é a segunda Palma de Ouro de Ken Loach; ele ganhou seu primeiro em 2006 com "Ventos da Liberdade" (2006).

Incluído entre os "1001 filmes que você deve ver antes de morrer", editado por Steven Schneider.

Todas as mulheres que trabalham para as agências públicas têm o mesmo corte de cabelo: franja com um corte reto de comprimento médio.

A mulher que ajudou a personagem de Hayley Squires, Katie, na tão discutida cena do banco de alimentos, não era uma atriz - ela trabalhava no banco de alimentos e não sabia o que iria acontecer na cena.  

Principais Premiações em Festivais:

BAFTA Awards 2017
British Independent Film Awards 2016
Cannes Film Festival 2016
CinEuphoria Awards 2017
Denver International Film Festival 2016
Dublin Film Critics Circle Awards 2016
Empire Awards, UK 2017
European Film Awards 2016
Evening Standard British Film Awards 2017
Locarno International Film Festival 2016
New York Film Critics, Online 2016
San Sebastián International Film Festival 2016
Stockholm Film Festival 2016
Turia Awards 2017
Vancouver International Film Festival 2016  
 
 

Fontes:
The Guardian
NY Times
O Globo
IMDB