AGONIA E GLÓRIA - THE BIG RED ONE (1980) - VERSÃO EXTENDIDA - ESTADOS UNIDOS

UMA GUERRA AMARGA E SOLITÁRIA

Nessa versão restaurada com mais 40 minutos, mostra o filme começando em dezembro de 1918, na França, Primeira Guerra Mundial, onde o personagem de Lee Marvin (chamado apenas de "sargento") mata um soldado alemão inimigo que caminhava dizendo "a guerra acabou". Ao saber que a guerra realmente acabara quatro horas antes, Marvin retira uma insígnia que arrancara no capacete do soldado morto e constata que cometera um assassinato e não “um ato de guerra”. Essa insígnia servirá como símbolo para sua divisão.

Com a ação mudando para novembro de 1942, em plena Segunda Grande Guerra, vemos que o conceito da insígnia foi incorporado pelos americanos, como a "1ª divisão de infantaria, a 1ª a lutar, a 1ª divisão vermelha" daí o título original do filme "The Big Red One" (que é a cor do distintivo). 

O filme é contado do ponto de vista do soldado americano Zab (Robert Carradine) escritor de um único livro: "Dark Deadline", acompanhado de mais três recrutas inexperientes: o pacifista (Mark Hamill que vinha de "Guerra nas Estrelas"); um soldado com hemorroidas e um ítalo americano, chefiados pelo Sargento, interpretado por um dos melhores atores do gênero: Lee Marvin (de "Os Doze Condenados"). Essa viagem dentro da guerra, até o seu fim, durante 3 anos de combates na Europa e África, mostrará o âmago do ser humano num conflito na qual praticamente ninguém sai ileso física ou mentalmente. Zab é, possivelmente, o elemento autobiográfico do filme, em que o diretor depositou suas memórias.

O filme é cheio de metáforas e frases reflexivas, além de algumas cenas de humor negro. As metáforas encontram-se nas imagens sagradas, na loucura de um cavalo no front, no parto de uma criança, na mutilação dos corpos de soldados alemãs por senhoras sicilianas, na conclusão de um doente mental de que é são perante as mortes que presencia e que provavelmente também as realizou antes de ficar louco. 

Os diálogos são muito interessantes como: "não assassinamos, matamos", cunhada pelos dois lados.  "Eu sou um de vocês, eu sou são", cunhado pelo louco já citado e "sobreviver é a única glória da guerra".
O lado irônico desse humor negro (ou absurdo) está em várias sequências como a do rapaz com hemorroidas que carrega seu assento inflável por toda a batalha, o soldado que quer trocar o seu número 2 por outro número mais distante, para não ser o primeiro a avançar nas linhas inimigas, aceitando fazer a troca pelo seu seguro de vida. Ou do soldado que desembarca na praia em meio a tiros com um rolo de papel higiênico nas mãos, entre outros, além da cena que um soldado cunha o seguinte diálogo com o sargento em frente a um memorial, no mesmo local onde se inicia o filme:
Johnson: Você percebeu como eles colocaram rápido todos os nomes dos rapazes mortos?
O Sargento:  Isso é um memorial da 1ª guerra !
Johnson: Mas os nomes são os mesmos !
O Sargento: Eles sempre são !
A tomada de um manicômio mostra bem o antagonismo entre sanidade e loucura na qual, para um louco, quem mata é são. A cena do tiroteio, com pacientes caminhado calmamente em meio a tiros e os soldados agindo como loucos, é clássica e uma inquestionável inversão de papéis nessa guerra tragicômica.

Uma das cenas mais fortes é a do ator Mark Hamil, o "pacifista", em uma sua última missão:  tomando o campo de concentração de Falkenau com seus amigos, o soldado entra  sem compreender para que existiriam as fornalhas. <ESTE TRECHO CONTA O FINAL DO FILME>. 

 O soldado que até então não matara na guerra, começa a compreender, ao perceber, os corpos cremados, o que ali realmente acontecera. Ao deparar-se com o soldado alemão que tenta lhe matar com uma arma descarregada, Hamil começa a sorrir, um sorriso de completa loucura, do fim de qualquer sanidade ou inocência, descarregando bala por bala toda sua fúria no soldado mesmo depois de este já estar morto.
Por fim, a cena final recria a cena inicial, do soldado alemão se rendendo e Marvin novamente cometendo o mesmo erro (uma sugestão de que alguns homens não mudam?) <FIM DO TRECHO>

A direção primorosa de Samuel Fuller (1912-1997) fez desse filme um clássico, mais direcionado aqueles que gostam de cinema reflexivo. As boas cenas de ação o tornam bom também de ser assistido por aqueles que buscam apenas uma boa diversão. O elenco é muito bom, sobressaindo a figura de Lee Marvim , em sua última grande atuação, que é ponto nevrálgico do filme e deu toda consistência que o filme necessitava com sua atuação impactante e bruta. Interessante pensar que John Wayne chegou a ser cogitado para o papel. 

A fotografia e as tomadas de câmera, dos diversos ângulos, também são o ponto alto deste filme, com traços biográficos do diretor que serviu na 1ª infantaria, lutou no norte da África, Sicília, Tchecoslováquia e Bélgica e esteve presente no campo nazista de Falkenau. 

A versão original foi cortada pela produtora, a revelia de  Fuller, breviando os 140 minutos originais para 113 minutos, o que desagradou o diretor. Inclusive, dizem, que odiava a narração colocada pela produtora (a cargo do diretor Jim McBride), pós-produção,  que permaneceu nesta restauração. A partir de 1999, deram inícios as restaurações com os materiais disponíveis. Como o diretor já havia falecido, essa versão apresenta o que poderia ter sido a ideia original para o filme, lembrando que o diretor apresentou duas versões aos estúdios: uma de 2 horas e outra com 4 horas de projeção. Curiosamente, o diretor sempre tirou grandes direções de filmes com orçamentos mais simplórios. Esta seria uma produção de 12 milhões, mas que encolheu para 4 milhões, mudando e muito o que o diretor intencionava para a obra. 

No fim é um filme sobre o comportamento dos homens na guerra.  Um épico e um drama psicológico ao mesmo tempo

Trailer:

Curiosidades:

Robert Carradine é um dos irmãos de David Carradine (do seriado Kung Fu e do filme Kill Bill volume 2) e tem em sua filmografia filmes como: Amargo Regresso (1978); Cavalgada dos Proscritos (1980); O Jogador (1992); Fuga de Los Angeles (1996)

Mark Hamill tornou-se o eterno Luke Skywalker da trilogia Guerra nas Estrelas, tendo feito também um vilão no seriado "The Flash" e emprestado sua voz nos desenhos do Batman, Liga da Justiça, Star Wars, entre vários outros trabalhos

Bobby Di Cicco participou de "1941- Uma Guerra Muito Louca" e do filme "Projeto Filadelfia" ao lado de Michael Parré

 

O diretor americano Samuel Fuller (filho de russo com polonesa) tem uma extensa biografia e podemos destacar seu filme seguinte: "Cão Branco" 1982, além do filme Eu Matei Jesse James de 1949.   Cineastas com Spielberg, Jean-Luc Godard, Quentim Tarantino e Win Wenders  são fãs de suas obras. 

O filme vem do livro homônimo de Fuller que escrevera na década de 60 narrando suas experiências no front.

Fuller chegou a vir ao Brasil, na década de 50, em Mato Grosso, para encontrar locações para um filme que nunca saiu do papel “Tigrero”.  Na década de 90 retornou acompanhado de dois outros cineastas e fãs de sua obra: Jim Jarmusch e Mika Kaurismaki.  O resultado foi um documentário de Kaurismaki intitulado: Tigrero: A Film That Was Never Made (Tigrero: Um filme Que Nunca Foi Feito) de 1994

Fuller nunca foi bem tratado pela indústria cinematográfica porque não se curvava aos grandes estúdios

O filme concorreu a Palma de Ouro em Veneza

As sequências de ação do filme foram: Sicília (1943); Normandia (junho de 1944); Bélgica (setembro de 1944) e Tchecoslováquia (maio de 1945).

Filmografia Parcial

Lee Marvin (1927 – 1987) 

Conspiração do Silêncio (1955);  Taverna Maldita (1955); 7 Homens Sem Destino (1956);  A Árvore da Vida (1957); Os Comancheros (1961);  O Homem que Matou o Facínora (1962); O Aventureiro do Pacífico (1963); Dívida de Sangue (1965); Os Profissionais (1966); Os Doze Condenados (1967); Inferno no Pacífico (1968); Meu Nome é Jim Kane (1972); A Marca da Brutalidade (1972); O Imperador do Norte (1973); Agonia e Glória (1980); Perseguição Mortal (1981); Mistério no Parque Gorky (1983); Os Doze Condenados: A Nova Missão  (1985); Comando Delta (1986)

Robert Carradine

Caminhos Perigosos (1973); Cannonball - A Corrida do Século (1976); Joyride (1977); Orca: A Baleia Assassina (1977); Amargo Regresso (1978); Blackout - Terror em Nova York (1978); Cavalgada dos Proscritos (1980); Agonia e Glória (1980); Jogo Assassino (1982); Wavelength (1983); A Vingança dos Nerds (1984); A Vingança dos Nerds 2: Os Nerds Saem de Férias (1987); A Justiça Fala mais Alto (1990); K-9 (1991); A Vida por um Fio: Entre a Lei e o Crime  (1991); O Jogador (1992); A Vingança dos Nerds 3: A Nova Geração (1992); Trilogia do Terror (1993); A Vingança dos Nerds 4: Os Nerds Também Amam (1994); Bird of Prey (1995); Fuga de Los Angeles (1996); A Carga Maldita (1999); Fantasmas de Marte (2001): Lizzie McGuire: Um Sonho Popstar (2003); O Guardião do Tempo 2 (2003); Lizzie McGuire  (seriado 2001 a 2004); Supercross: O Filme (2005); Sexo e Mentiras (2005); Estrada para o Inferno (2006); Os Encurralados (2007); Jesse Stone: O Benefício da Dúvida  (2012); Django Livre (2012); American Christmas (2019); Human Zoo (2020)

Mark Hamill

Guerra nas Estrelas (1977); Agonia e Glória (1980); O Império Contra-Ataca (1980); Hospital dos Malucos (1982); Star Wars, Episódio VI: O Retorno do Jedi (1983); Nas Asas do Vento (1989); Missão Águia - O Último Ataque (1989); Uma Carona para o Inferno (1990); Paixão Satânica (1991); Sonâmbulos (1992); A Invasão Começa (1993); Trilogia do Terror  (1993); Testemunha Chave (1994); A Cidade dos Amaldiçoados (1995); Ameaça Alienígena (1997); Comando 007 (1998); O Império (do Besteirol) Contra-Ataca (2001); Reeseville (2003); Airborne (2011); Star Wars: O Despertar da Força (2015); Star Wars: Os Últimos Jedi (2017); Star Wars: A Ascensão Skywalker (voz -2019) 

 

Bobby Di Cicco

 

Febre de Juventude (1978); 1941: Uma Guerra Muito Louca (1979); Agonia e Glória (1980) Corretores do Amor (1982); Wavelength (1983); Splash: Uma Sereia em Minha Vida (1984); Tiras Especiais (1987) Dupla Vingança (1988); Maniac Cop 3: O Distintivo do Silêncio (1992); Fúria Assassina (1993); Ghoulies IV: Eles Estão Próximos (1994); Entrevista com Deus (2018)