sábado, 15 de agosto de 2015

A OUTRA TERRA / ANOTHER EARTH (2011) - ESTADOS UNIDOS




O QUE SENTIRÍAMOS (OU PERCEBERÍAMOS) DE NÓS MESMOS SE NOS OLHÁSSEMOS DE LONGE?

Rhoda Williams (Brit Marling do interessante "O Sistema") é uma jovem de 17 anos que foi aceita para estudar no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Após comemorar o fato em uma festa, pega o seu carro, alcoolizada, onde escuta pelo rádio que os cientistas descobriram um novo planeta, próximo da terra que pode conter vida, podendo ser visto a olho nu. Enquanto tenta localizar o planeta, Rhoda perde a direção de seu carro e colide com o de John Burroughs (um famoso compositor e professor de música clássica), matando  sua mulher grávida e seu filho pequeno. John fica em coma e Rhoda (menor de idade) pega uma pena de 4 anos. Após cumprir sua sentença, a jovem desiste de retomar seu futuro e prefere um emprego de faxineira em um colégio. Arrependida e com um forte sentimento de culpa, Rhoda procura John, mas ao invés de revelar sua verdadeira identidade, a jovem passa-se por uma faxineira que estaria a serviço de uma empresa que escolheu John para um dia de faxina grátis. John (William Mapother do seriado “Lost”) gosta do serviço de Rhoda e a contrata, que passa a ir uma vez na semana  fazer uma limpeza. De acordo com que as semanas passam, a jovem percebe que o músico abandonou sua vida desde o acidente e vive como um fantasma, entre bebidas e depressão. Rhoda descobre que há um concurso para sortear passagens só de ida para a chamada terra 2 e resolve se inscrever na esperança de abandonar seu passado e iniciar uma nova vida, porém tudo muda ao seu redor  quando a humanidade descobre que essa terra funciona como uma contraparte e que, todos possuem um outro eu seu no outro planeta.


Com essa breve descrição o espectador deve pensar que é filme de ficção científica, mas não é. O filme é um drama sobre perdas e segundas chances. Tudo gira em torno de Rhoda e do novo planeta que aparece em sua plenitude e é visto por Rhoda ao sair da prisão. Rhoda culpa-se por seu erro, um erro que a leva a não querer mais viver. Não consegue se perdoar. John é um homem amargurado que vive da lembrança de sua família. Sua vida se deteriorou e o diretor mostra isso fisicamente no ator ou através da casa onde vive: suja, bagunçada (como sua vida) e com paredes quebradas (como a sua personalidade). Rhoda não conta a verdade, mas tira John da inércia. Essa aproximação deixa a jovem mais alegre e aberta, já John começa a observar que Rhoda possui qualidades interessantes, tanto em sua beleza como em sua personalidade. Enquanto o casal vai se conhecendo, a humanidade descobre que há as mesmas pessoas aqui e na terra 2. O fato curioso é que a vida na terra 2 parece seguir do mesmo jeito, o que deixa a humanidade confusa e com seus eternos medos do novo. É o chamado Mito da Caverna de Platão, que no filme foi rapidamente explicado por John e diz que não estamos prontos para aceitar a verdade. E, assim como o personagem do conto que saiu da caverna e voltou para informar aos seus amigos que existia um mundo do lado de fora, tudo que encontrou foram descrenças e raiva dos que se recusavam a mudar seus conceitos.

No filme, surgem várias teorias, entre elas, a de que alguns destinos podem ter seguido outro rumo. Inicia-se a construção de um foguete para chegar ao outro planeta. Rhoda mantém a esperança no concurso que sonha em ganhar. Antes era para fugir de si mesma e do mundo, agora seus sentimentos transmutam para a curiosidade de ver se sua contraparte teve melhor sorte.


Muito da explicação do filme se dá por uma voz em off, que comenta as possibilidades de se conhecer um outro “eu”. Teria ele os mesmos defeitos? Teria passado pelas mesmas alegrias e tristezas? O filme vai aos poucos deixando claro que todas as especulações do lado de cá devem estar acontecendo também no outro planeta. Quando o planeta 2 apareceu para a humanidade, a terra também deve ter sido descoberta. Uma simultaneidade improvável e que gera uma pergunta interessante através do personagem John: Será que para os habitantes da “terra 2”, nós é que não seríamos a “terra 2” ? Claro, que fica o conceito de que tudo é uma perspectiva, onde tudo depende do ângulo que se vê a situação.


Talvez a principal mensagem do filme, seja dito por um senhor idoso que trabalha com Rhoda na escola: ela tem que aprender a se perdoar. Outra mensagem a ser considerada é falada pelo narrador que diz algo assim: “talvez o maior mistério não seja o pequeno nem o grande , sejamos nós”, uma alusão ao homem que consegue enxergar mundos pelos microscópios e pelos telescópios. É olhar para dentro de si (daí a analogia ao planeja) e refletir nossas ações, como se pudéssemos fazê-lo com nosso próprio eu, que nada mais é do que nossa consciência.  O que sentiríamos (ou perceberíamos) de nós mesmos se nos olhássemos de longe?


Ao assistir uma entrevista na Tv, Rhoda escuta a teoria do espelho despedaçado (conforme citado anteriormente) que especula que as duas terras surgiram simultaneamente e, que ao se perceberem, podem ter criado o efeito espelho despedaçado ( ao assistirem sua imagem refletida, o espelho se partiu). Uma nova realidade pode ter surgido a partir daquele momento em que a sincronicidade se rompeu. Se assim for, Rhoda percebeu a terra 2 e talvez sua parte também tenha percebido, mudando a realidade naquele momento (para todos os habitantes) e outras linhas de tempo podem ter surgido. Talvez a contraparte de Rhoda não tenha matado a família de John. Mas e se John resolvesse ir ao planeta, qual seria sua descoberta? Teria ocorrido o mesmo? Teria sua contraparte morrido e ele viveria com a nova família ? Ele seria aceito, ou seria encarado com uma cópia bizarra? Ele veria o outro John feliz e, indiretamente, isso lhe faria ainda mais infeliz? São tantas possibilidades que não caberiam em menos de 4 horas de filme, mas que levam o espectador indubitavelmente a conjecturar essas possibilidades e muitas outras não citadas aqui.


A outra terra, como dito, não é um filme de ficção científica em sua essência, ainda que os elementos estejam lá. É um filme independente, de baixo orçamento, sobre escolhas e redenções, recolher os cacos e andar de volta nos trilhos. Muitas pessoas poderão não apreciar o modo com que o diretor Mike Cahill passa sua interpretação do excelente roteiro à frente das lentes. Aliais Mike Cahill e Brit Marling dividem a produção e o roteiro, além de outras funções. O filme não possui um ritmo ágil (alguns classificam de monótono) e não há propriamente cenas de ação. O diretor concentrou-se em traçar a vida dos personagens, fugindo das questões sociais, religiosas e políticas que dariam ao filme outra direção. Para não deixar o espectador chateado, Cahill reservou uma surpresa no final que algumas pessoas não entenderam, mas conforme tentei relatar nos parágrafos anteriores faz muito sentido, afinal se as ações são idênticas nas duas terras, as duas Rhondas devem ter pensado e desejado a mesma coisa.



Para quem gosta de assistir a filmes independentes (Foi premiado no  Festival de Sundance) pode ser uma boa pedida. Com um bom elenco e trilha sonora de bom gosto, deverá agradar aqueles que buscam filmes não comerciais, munidos de poucos recursos ( o orçamento foi de 100.000 dólares ), boas ideias e muita garra e que fazem o nosso cérebro funcionar, em face do leque de produções “idiotizantes” que permeiam o nosso dia a dia.
 

Trailer (legendado):




Cartaz:
 



Filmografia Parcial:
Brit Marling:









 
A Seita Misteriosa (2011); A Outra Terra (2011); A Negociação (2012); A Negociação (2012); Sem Proteção (2012);  O Sistema (2013); O Universo no Olhar (2014); Um Refúgio (2014); Babylon (seriado 2014); The OA (seriado 2016-2019)

William Mapother:










Prova de Fogo ou Prefontaine: Um Nome Sem Limites (1998); Magnólia (1999); Missão: Impossível 2 (2000); A Senha: Swordfish (2001); Vanilla Sky (2001); Os Reis de Dogtown (2005); Lost (seriado 2004-2010);  Intocável : A História de Drew Paterson (2012); O Universo no Olhar (2014), O Misterioso Caso de Judith Winstead (2015); Hacker (2015);  Big Box of Horror (2015);  Como Eu Morro (2016); Save Me (seriado 2020); Son of Monarchs (2020); On Sacred Ground (2022)

4 comentários:

  1. (Spoiler) Também achei isso sobre a cena final: Que ela pensou da mesma maneira, pois a reação que ela teve ao ver sua "cópia" foi de espanto e não muito de felicidade. Apesar de que as roupas eram diferentes, mas isso não explica muita coisa. Pior seria se ela visse o outro cara que viajou no lugar dela ali na Terra 1, aí seria muito brutal, haha... Mas acho que o diretor deixou que o público fizesse o seu final do filme.

    De qualquer forma é um filmaço!

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    1. Muito Obrigado pelo comentário Max Rockatansky. Sim, o diretor deve ter deixado para nós a interpretação e a construção do final. Sem dúvida é um grande filme e uma pena que seja pouco divulgado. Um grande abraço e volte sempre. Cinéfilos Para Sempre.

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  2. Realmente é um filme ótimo! Sobre o final, acredito que existam várias interpretações, como a sincronicidade se rompeu a 4 anos, ela pode ter lidado diferente com a situação do acidente e ter enxergado a viagem como uma fuga da realidade atual, outra é que ela não tenha realmente provocado o acidente e ter viajado pelos seus méritos pois era brilhante quando estudante, outra seria que ela teria vindo como uma tripulante da nave, sei lá, dá pra imaginar de tudo.

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    1. Boa tarde Guilherme.
      Sim, o modo como o filme foi construído abre um leque de possibilidades quanto ao seu final. Há muitas teorias. Suas observações são interessantes e, realmente, dá para se imaginar de tudo. Muito obrigado pela visita e por tecer comentários. Volte sempre. Um grande Abraço

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