sábado, 15 de agosto de 2015

TEMPO DE EMBEBEDAR CAVALOS – AMAI BARAYÉ MASTI ASBHA – TIME FOR DRUNKEN HORSES (2000 ) - IRÃ






A TRISTE REALIDADE DE UMA CULTURA QUE NÃO CONHECEMOS
 
Filme do diretor Bahman Ghobadi de "Tartarugas Podem Voar". Cinco crianças, após a morte do pai, passam a viver em uma vila no Curdistão na fronteira entre o Irã e o Iraque.  Um dos irmãos, Madi, possui uma má formação congênita e não viverá muito tempo. Uma operação estenderia um pouco mais sua vida. Ayoub o irmão mais velho, tenta colher os trocados que o duro trabalho diário lhe confere, mas a desesperança aumenta cada vez mais.


Tempo de Embebedar Cavalos, que na verdade deveria chamar-se tempo de Embebedar Mulas, pois são elas que estão no filme, aborda a dura vida de um povo que não tem praticamente nada, vivendo em condições quase primitivas, mas que leva a vida numa garra impressionante. Com muitos poucos recursos, o diretor resolveu utilizar pessoas comuns para protagonizarem seus personagens. A paisagem é seca, o ritmo é lento, a história é triste. Não é para qualquer plateia. O cinema iraniano não se compara as produções americanas, europeias ou brasileiras. Tudo é muito cru, alguns terão a impressão, se a imagem não fosse colorida, que este filme seria um daqueles bem antigos, pois muito lembra em termos de precariedade e ritmo, além da ambientação e modo de vida. Não temos aqui cortes rápidos, interpretações carregadas de emoções que nos prendem. Se o diretor tivesse feito em forma de documentário não se aproximaria tanto do que vemos.


Ayoub e seus irmãos são sobreviventes em todos os termos. Não brincam, trabalham. Vivem de conseguir algum dinheiro que os alimente durante a semana. Passam frio e não tem condições de comprar remédios. Médico, apenas um e que aparece ocasionalmente para verificar a saúde dos habitantes locais e aplicar injeções em Madi, que lhe aplacam suas constantes dores (provavelmente dos órgãos internos que crescem em um ritmo mais rápido que seu corpo). O pai das crianças foi assassinado, deixando-os com apenas um tio que já tem oito filhos.


Aqueles que gostam de ver outras realidades sem se importar com o estilo cinematográfico, verão em Tempo de Embebedar ... um estilo de filmagem realista. Não por acaso a história é centrada nas crianças que dão o mesmo nome aos seus personagens. A interpretação, por sinal é o ponto alto deste filme. É impressionante a capacidade do diretor de trabalhar com crianças que não possuem experiência na área de atuar e conseguir extrair excelentes performances, como já fizera até mais dramaticamente em seu filme “As Tartarugas Podem Voar” de 2004, onde aborda a chegada das tropas americanas no Iraque e em uma região curda sob a lente de um jovem

 
Tempo de Embebedar Cavalos mostra que o mundo é muito diferente do que imaginamos e nos leva a várias reflexões (isto é, se alguns não cochilarem) acerca do que é real e do que não nos mostram. Se nos guiarmos pelo olhar crítico, veremos que o diretor aproveitou as situações cotidianas e as transferiu para o filme. Com isso temos crianças filmando em meio à neve (e passando um frio real), crianças pulando de carros (em baixa velocidade!). Mulas carregando enormes pesos e até a criança do filme, que possui a deficiência, sendo carregada, colocada em cima de mula, sentada na neve e assim segue. Muitos filosofarão a partir do momento que se derem conta de que o filme não tem efeitos, tudo ali é filmado no sentido real e incorporado a câmera. Temos os cavalos (ou mulas) do título, embebedados, para carregar os pesados utensílios e suportar o frio. Quando caem ao chão, bêbados, são chutados, chicoteados e esbofeteados para que levantem e sigam seus caminhos. Crueldade? Sim, para os padrões ocidentais (alguns dirão: crueldade é crueldade em qualquer situação). Sem querer defender o cineasta, apenas coloco a situação que o filme apresenta e deixo para o espectador o julgamento. Percebemos claramente que para aquele povo, os cavalos (ou mulas) não tem o mesmo valor que nós lhe atribuímos. Para eles é um meio de sobrevivência. Ter um animal destes é a diferença de carregar peso nas costas por quilômetros e receber um pouco mais de trocados (que ainda são reles valores). É ter ou não ter um trabalho, como diz Ayoub em determinada cena: "Sem trabalho, sem comida. Sem comida, sem existência". Logo, não há um sentimento atribuído aos animais de carga, eles são vistos como um meio de ganhar dinheiro e só. Isso nos incomoda? Sim e muito.


Mas o filme não abrange somente este aspecto. Vemos a impossibilidade de Ayoub de juntar dinheiro para a operação do irmão. Vemos a menina Rojin tendo um casamento arranjado com um adulto que a tomará como uma segunda esposa, com a promessa de levar Madir junto e operá-lo no Iraque. Uma situação dessas é impensável em nossa sociedade: uma menina sendo dada como esposa a um homem mais velho para casar. Nessa cultura é visto com naturalidade e resolve muitas situações.
 

Tempo de Embebedar é um filme mais indicado a aqueles que se arriscam a ver outras produções e conhecer outras culturas pelas lentes de quem está inserido neste contexto e não através de produções externas que tendenciam ou ficcionam com o intuito de emocionar o espectador. Bahman Ghobadi filmou a realidade. Uma realidade que muitos preferem não ver, pois incomoda, chateia e dói.


Trailer:


Premiações:
Câmera de Ouro, em Cannes, concedido a diretores estreantes
Melhor filme no Festival de Santa Fé, Estados Unidos
Prêmio do Grande Júri no Festival internacional de São Paulo
Melhor Filme no Banff International Film Festival, Canada
Melhor Filme no Edinburgh Film Festival, Escócia 

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