A TRISTE REALIDADE DE UMA CULTURA
QUE NÃO CONHECEMOS
Filme
do diretor Bahman Ghobadi de "Tartarugas Podem Voar".
Cinco crianças, após a morte do pai, passam a viver em uma vila no Curdistão na
fronteira entre o Irã e o Iraque. Um dos irmãos, Madi, possui uma má
formação congênita e não viverá muito tempo. Uma operação estenderia um pouco
mais sua vida. Ayoub o irmão mais velho, tenta colher os trocados que o duro
trabalho diário lhe confere, mas a desesperança aumenta cada vez mais.
Tempo de Embebedar Cavalos, que na verdade deveria chamar-se tempo de Embebedar
Mulas, pois são elas que estão no filme, aborda a dura vida de um povo que não
tem praticamente nada, vivendo em condições quase primitivas, mas que leva a
vida numa garra impressionante. Com muitos poucos recursos, o diretor resolveu
utilizar pessoas comuns para protagonizarem seus personagens. A paisagem é
seca, o ritmo é lento, a história é triste. Não é para qualquer plateia. O
cinema iraniano não se compara as produções americanas, europeias ou
brasileiras. Tudo é muito cru, alguns terão a impressão, se a imagem não fosse
colorida, que este filme seria um daqueles bem antigos, pois muito lembra em
termos de precariedade e ritmo, além da ambientação e modo de vida. Não temos
aqui cortes rápidos, interpretações carregadas de emoções que nos prendem. Se o
diretor tivesse feito em forma de documentário não se aproximaria tanto do que
vemos.
Ayoub
e seus irmãos são sobreviventes em todos os termos. Não brincam, trabalham.
Vivem de conseguir algum dinheiro que os alimente durante a semana. Passam frio
e não tem condições de comprar remédios. Médico, apenas um e que aparece
ocasionalmente para verificar a saúde dos habitantes locais e aplicar injeções
em Madi, que lhe aplacam suas constantes dores (provavelmente dos órgãos
internos que crescem em um ritmo mais rápido que seu corpo). O pai das crianças
foi assassinado, deixando-os com apenas um tio que já tem oito filhos.
Aqueles que gostam de ver outras realidades sem se importar com o estilo
cinematográfico, verão em Tempo de Embebedar ... um estilo de filmagem
realista. Não por acaso a história é centrada nas crianças que dão o mesmo nome
aos seus personagens. A interpretação, por sinal é o ponto alto deste filme. É
impressionante a capacidade do diretor de trabalhar com crianças que não
possuem experiência na área de atuar e conseguir extrair excelentes
performances, como já fizera até mais dramaticamente em seu filme “As
Tartarugas Podem Voar” de 2004, onde aborda a chegada das tropas americanas no
Iraque e em uma região curda sob a lente de um jovem
Tempo
de Embebedar Cavalos mostra que o mundo é muito diferente do que imaginamos e
nos leva a várias reflexões (isto é, se alguns não cochilarem) acerca do que é
real e do que não nos mostram. Se nos guiarmos pelo olhar crítico, veremos que
o diretor aproveitou as situações cotidianas e as transferiu para o filme. Com
isso temos crianças filmando em meio à neve (e passando um frio real), crianças
pulando de carros (em baixa velocidade!). Mulas carregando enormes pesos e até
a criança do filme, que possui a deficiência, sendo carregada, colocada em cima
de mula, sentada na neve e assim segue. Muitos filosofarão a partir do
momento que se derem conta de que o filme não tem efeitos, tudo ali é filmado
no sentido real e incorporado a câmera. Temos os cavalos (ou mulas) do título,
embebedados, para carregar os pesados utensílios e suportar o frio. Quando caem
ao chão, bêbados, são chutados, chicoteados e esbofeteados para que levantem e
sigam seus caminhos. Crueldade? Sim, para os padrões ocidentais (alguns dirão:
crueldade é crueldade em qualquer situação). Sem querer defender o cineasta,
apenas coloco a situação que o filme apresenta e deixo para o espectador o
julgamento. Percebemos claramente que para aquele povo, os cavalos (ou mulas)
não tem o mesmo valor que nós lhe atribuímos. Para eles é um meio de
sobrevivência. Ter um animal destes é a diferença de carregar peso nas costas
por quilômetros e receber um pouco mais de trocados (que ainda são reles
valores). É ter ou não ter um trabalho, como diz Ayoub em determinada cena:
"Sem trabalho, sem comida. Sem comida, sem existência". Logo, não há
um sentimento atribuído aos animais de carga, eles são vistos como um meio de
ganhar dinheiro e só. Isso nos incomoda? Sim e muito.
Mas
o filme não abrange somente este aspecto. Vemos a impossibilidade de Ayoub de
juntar dinheiro para a operação do irmão. Vemos a menina Rojin tendo um
casamento arranjado com um adulto que a tomará como uma segunda esposa, com a
promessa de levar Madir junto e operá-lo no Iraque. Uma situação dessas é
impensável em nossa sociedade: uma menina sendo dada como esposa a um homem
mais velho para casar. Nessa cultura é visto com naturalidade e resolve muitas
situações.
Tempo
de Embebedar é um filme mais indicado a aqueles que se arriscam a ver outras
produções e conhecer outras culturas pelas lentes de quem está inserido neste
contexto e não através de produções externas que tendenciam ou ficcionam com o
intuito de emocionar o espectador. Bahman Ghobadi filmou a realidade. Uma
realidade que muitos preferem não ver, pois incomoda, chateia e dói.
Trailer:
Premiações:
Câmera de Ouro, em Cannes, concedido a diretores estreantes
Câmera de Ouro, em Cannes, concedido a diretores estreantes
Melhor
filme no Festival de Santa Fé, Estados Unidos
Prêmio
do Grande Júri no Festival internacional de São Paulo
Melhor
Filme no Banff International Film Festival, Canada
Melhor
Filme no Edinburgh Film Festival, Escócia
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