quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O AMOR E A FÚRIA / ONCE WERE WARRIOS (1994) - NOVA ZELÂNDIA




O FILME MAIS FAMOSO DA NOVA ZELÂNDIA

Jake (Temuera Morrison ) é o patriarca da família. Beth (Rena Owen ) é a esposa e mãe de cinco filhos. Vivendo juntos há 18 anos, a vida do casal é um turbilhão de violência e desesperança. Jake não consegue manter-se no emprego, vive entre bebedeiras e festas em sua casa com seus amigos. Seus filhos são negligenciados e vivem dentro de uma cultura em que o homem manda e a mulher obedece sem contestar. Sua filha Grace (Mamaengaroa Kerr-Bell ) tem 13 anos, gosta de escrever estórias e contar para os irmãos mais novos . Seu melhor amigo vive embaixo de uma ponte, dentro de um veículo velho e abandonado. Mark, outro filho de Jake, é um garoto entrando na adolescência, preso por pequenos crimes e encaminhado a uma instituição de reabilitação mantida pelo estado. Jake, ao saber do fato, alega que será bom para o menino “virar um homem de verdade”, pois sob sua ótica é muito mimado pela mãe. Nig, o irmão mais velho, se junta a uma gangue e passa por um ritual de aceitação que inclui ser brutalmente espancado pelos membros. Sua marca de respeito dentro do grupo é uma tatuagem feita na metade do rosto. As outras crianças limitam-se apenas a viverem, sem compreender o caos em que vivem. Beth é uma Maori, um povo outrora guerreiro e valente. Ao conhecer Jake teve a reprovação da família que não via em seu futuro marido um homem à sua altura. Enquanto a família tenta viver em sua rotina, um acontecimento trágico mudará tudo.


O Amor e a Fúria é um filme Neozelandês, de 1994, falado em inglês e Maori. O filme do diretor Lee Tamahori (filho de pai Maouri e mãe Britânica) mostra de uma forma bem direta a vida e a cultura de uma classe a margem da sociedade. Para o público brasileiro, talvez seja complicado entender algumas situações, visto que pouco se conhece deste país por aqui. Mas nem isso tira o mérito desta excelente produção que tem uma direção segura, uma montagem dinâmica e uma boa história oriunda do livro “Once Were Warrios”, do escritor Alan Duff. 


O Amor e a Fúria tem ingredientes diversificados, mas que se misturam de forma homogênea  e o tornam interessante. Temos um Jake que prefere viver com o salário do governo do que trabalhar (como ele diz “apenas 17 dólares a menos”). Beth é uma esposa que não aceita tudo que lhe é imposto: protesta, xinga , berra, mas diante da violência de seu marido que a espanca ela vai murchando. Tenta manter sua dignidade em um meio em que as pessoas preferem “não perceber” seu rosto desfigurado pelos murros. Jake é um brigão que quer ser reconhecido como um cara macho: não leva desaforo para casa, bate em quem não lhe agrada e bate na esposa que o repreende na frente de seus amigos. Amigos estes, que adoram sua companhia para bebedeira e que se assustam e se divertem com seu temperamento (assustam-se ao verem sua violência contra a esposa e celebram sua violência em um bar contra um oponente). Jake pode ser visto como um perdedor, mas acredita ser visto como um guerreiro moderno. Sua baixa estima o leva a lamentar o passado de seus ancestrais serem descendentes de escravos e debocha do povo de Beth que o rejeitou. Jake não se importa com os filhos e estes crescem sem se importarem com ele. Dar amor aos filhos, se importar com seus problemas? Jake dá um teto para morar e arruma dinheiro e,  para ele, isto basta. Seu filho mais velho Nig (Julian Arahanga), o despreza e entra para uma gangue que é vista com maus olhos por Jake. Uma forma de afrontá-lo e também de ser acolhido em um meio que se não o amam, pelo menos o respeitam. As tatuagens de seu grupo (principalmente no rosto) mostram sua posição de destaque e pode ser considerada como motivo de grande orgulho. Jake fala de escravidão. Os Maori tiveram contato com culturas européias (a mais forte a inglesa) que trouxeram várias etnias e até mesmo escravos ao seu país. Com guerras e conflitos, os Maori quase foram exterminados. Logo Jake seria um Heke, um Maori urbano, vindo de uma mistura de etnias e não aceito pela comunidade de Beth (pelo menos é o que se entende pelo filme).


Grace é a filha que talvez seja a grande esperança de Beth que espera que esta saia deste meio e consiga um lugar melhor na sociedade. Jake não vê com bons olhos e acha que seu lugar é ali. Grace é uma menina sonhadora, com uma grande maturidade. Mesmo mais jovem, talvez seja (com na fala de NIg) a pessoa que mais cuidava e se preocupava com seus irmãos. Ou seja , ela é a corrente que não pode se partir, pois é quem segura a família . Mas a vida não é como se sonha, então ...


No elenco temos grandes atores, na verdade todos parecem focados em dar o melhor de si e isto fez a diferença neste filme. Temuera Morrison dá um show de interpretação. Não há como ficar indiferente ao seu personagem: ora temos desprezo por suas atitudes, ora temos pena por um homem escravo de seu passado e de seu meio. Rena Owen faz uma esposa que tenta não ser submissa, mas é subjugada pela violência doméstica. Sua relação amor –ódio pelo marido é intensa. Quando está sóbrio Jake é um cara “quase” legal , quando bebe vira um monstro . Um homem torturado que só consegue expressar sua dor através dos punhos. Essa dualidade de personalidade faz com que Beth tenha que andar sobre um verdadeiro “papel de arroz”. Mas sua coragem a permite confrontar Jake, mesmo que arcando com as consequências que poderão vir. Beth é uma mulher de fibra. Cria os filhos, vê o mundo sob a ótica correta e suporta uma violência desmedida. Mamaengaroa Kerr-Bell faz a menina sonhadora, a esperança de Beth. Cuida dos irmãos, odeia o pai e sonha em ter uma vida digna, mas nesse meio tudo pode ocorrer e, uma pessoa de bom coração, sempre sofre os abusos dos maus intencionados. O ator Cliff Curtis (como Bully) ganhou o mercado internacional.  O restante do elenco saiu-se muito bem levando o espectador a imergir num mundo diferente e que nos leva a muitas reflexões.


O Amor e a Fúria é um filme que merece ser visto, por vários motivos: tem uma ótima história, ótimos personagens , aborda vários assuntos que podem ser analisados de diferente pontos de vista e pode ser propício a vários grupos de debate. É uma produção fora do circuito americano e uma oportunidade de ver uma produção da Nova Zelândia, que passou rápido pelos cinemas brasileiros da época. Quem viu, não se esqueceu.

Trailer:





Curiosidades:
Mamaengaroa Kerr-Bell estava com 16 anos na época e nunca tinha atuado antes. Mudou-se para Austrália e aparentemente aposentou-se da carreira de atriz.











Rena Owen está entre os seis atores no mundo a trabalharem com Spielberg e George Lucas. Seu pai é Maori e sua mãe europeia.

O ator Cliff Curtis inicialmente recusou o papel de Tio Bully por achar o personagem tão repulsivo, mas seu agente e sua tia o persuadiram a fazê-lo.

Temuera Morrison lutou muito para manter o papel, uma vez que foi oferecido a ele. Ele sabia que o papel era um grande desafio e que seria a sua grande chance como ator.

Cliff Curtis ainda era provocado por seu papel como o tio valentão no filme. Ele disse que o papel vai assombrá-lo pelo resto da vida.

A atuação de Temuera Morrison foi comparada por alguns críticos de cinema à de Marlon Brando em Sindicato de Ladrões (1954).

Morrison levou muito tempo para entrar no personagem de Jake the Muss. Ele estava acostumado a interpretar personagens calmos e mocinhos. Um ponto chave em sua transformação veio quando Rena Owen permaneceu no personagem e gritou com ele até que ele ficou com raiva. Aparentemente, ele só entrou no personagem no fim de semana, pouco antes do início das filmagens.

Em 2014 foi feito um documentário "20 years after" ("20 anos depois") sobre o filme, narrado pelo ator Julian Arahanga (que interpreta Nig no filme), que agora é um cineasta baseado em Wellington, Nova Zelândia

Rena Owen cobiçou o papel de Beth por três anos depois de ler o romance de Alan Duff. Ela chamou a atenção de Duff na leitura de um livro em Wellington, de um dos outros romances de Duff. Duff inicialmente a ignorou, mas depois ficou tão cativado por sua leitura que se aproximou dela e disse que ela seria a ideal para o papel de Beth.

Julian Arahanga disse que a atuação de Rena Owen foi tão poderosa que ela se tornou o ponto de ancoragem de todos os outros atores do filme.

Um comandante da polícia local, Rana Waitai, fez um discurso apaixonado sobre a importância do filme, e isso convenceu a Comissão de Cinema da Nova Zelândia a apoiar o projeto.

O Amor e a Fúria foi considerado como o melhor filme feito na Nova Zelândia até o momento



 










O escritor Alan Duff publicou duas continuações do livro. O primeiro  intitulado  What Becomes of the Broken Hearted?  que se transformou em um filme homônimo (já analisado por aqui com o nome "O Amor e Fúria 2") de 1999 e que teve os atores Temuera Morrison (Jake), Rena Owen (Beth) e Nig (Julian Arahanga) repetindo seus papéis com um novo diretor a frente da produção. O sucesso não se repetiu. Também encontrado na internet como “ Once We Were Warriors 2”. O terceiro que a trilogia chama-se Jake's Long Shadow e não foi feito nenhum filme até o momento.







Temuera Morrison foi tido como muito “pequeno” para o papel de Jake "the Muss" (algo como “baderneiro”, “encrenqueiro”). Por isso teve que ganhar massa muscular para interpretar o papel. Além disso, Tumera vinha de papéis de “bom moço” em produções televisivas locais e teve dificuldades antes da filmagem para se adequar ao papel.

Trilha Sonora:
Once Were Warriors (The Awakening) Tama Renata






Filmografia Parcial:
Temuera Morrison









O Amor e a Fúria (1994); Barb Wire - A Justiceira (1996); A Ilha do Dr. Moreau (1996), Velocidade Máxima 2 (1997); Seis Dias, Sete Noites (1998); O Amor e a Fúria 2 (1999); Limite Vertical (2000); Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones (2002); Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith (2005); Lanterna Verde (2011); O Escorpião Rei 3: Batalha pela Redenção (2012); O Alvo 2 (2016); Ficção Científica Volume Um: O Legado de Osiris (2016); Aquaman (2018); Dora e a Cidade Perdida (2019); O Livro de Boba Fett (seriado 2021-2022); Aquaman 2 (2023); The Flash (2023) 

Rena Owen










Rapa Nui (1994); O Amor e a Fúria (1994); O Amor e a Fúria 2 (1999); A.I.: Inteligência Artificial (2001); Star Wars: Episódio II - Ataque dos Clones (voz) (2002); Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith (2005); Veronika Decide Morrer (2009); Alyce (2011); Absolute Killers (2011); Os Últimos Sobreviventes (2014); Terra de Guerreiros (2014); O Último Caçador de Bruxas (2015); Siren: A Lenda das Sereias (seriado 2018 -2020);  Vegas (seriado 2021); Whina (2022)

Cliff Curtis









O Piano (1993); Rapa Nui: Uma Aventura No Paraíso (1994); O Amor e a Fúria (1994); Hércules no Mundo dos Mortos (1994); Tentáculos (1998); Seis Dias, Sete Noites (1998); Vírus (1999); Três Reis (1999); Vivendo no Limite (1999); O Informante (1999); Dia de Treinamento (2001); Efeito Colateral (2002); O Júri (2003); Honra E Liberdade (2005); Sunshine - Alerta Solar (2007); Duro de Matar 4.0 (2007); 10.000 A.C. (2008); Heróis (2009); Território Restrito (2009); O Último Mestre do Ar (2010); Colombiana: Em Busca de Vingança (2011); Os Últimos Cavaleiros (2015); Ressurreição (2016); Fear the Walking Dead (seriado 2015 a 2017); Megatubarão (2018); Avatar 2 (2020); Avatar 3 (2021);  Avatar 4 (2024); Avatar 5 (2025) 

2 comentários:

  1. Está em minha lista de filmes favorito. Retrato cruel e realista de uma família disfuncional regida pela violência, vícios e medos. Infelizmente, amostragem de muitos lares da vida real.

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    1. Boa tarde Janerson Krischke. Você sintetizou muito bem a temática do filme. Apesar de pouco conhecida (mesmo tendo passado nos cinemas brasileiros), podemos dizer que é uma produção acima da média. Houve uma continuação que também analisei, que não chegou por aqui, mas sem o impacto deste primeiro filme. Obrigado por comentar. Abs

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