terça-feira, 4 de setembro de 2018

HEREDITÁRIO / HEREDITARY (2018) - ESTADOS UNIDOS


 

CONCUPISCÊNCIA

Quando a matriarca da família, Ellen Graham, falece, uma sucessão de eventos macabros começa a acontecer. Todos os integrantes da família passam a sofrer algum tipo de influência que culminará em uma tragédia e onde segredos do passado serão finalmente revelados.



A grande sensação deste ano, na área de terror, sem dúvida, é "Hereditário", quer seja pelo aceite ou pela rejeição de quem o assiste. Essa divisão de opiniões é perceptível até na mídia especializada: há quem o veja como inovador, como o um novo caminho para o gênero, outros consideram um filme superestimado, uma obra bem dirigida, mas nada que gere tamanha discussão. A verdade é que talvez seja realmente tudo isso, porque os elementos que se incorporam à história, dependendo de como você entende o que seria uma produção acima da média, pode ir de ótimo à péssimo. Este é o tipo de filme difícil de analisar, pois há uma determinada situação que ocorre que, se revelada, tira toda surpresa do filme.



O que se deve compreender é que o filme só se entende no final. Até chegarmos nesse ponto há vários aspectos que podem afetar o espectador. Primeiro o filme se apoia no horror e não integralmente no terror. Isso quer dizer que ele apresentará aquelas sensações de angústia, repulsa que muita gente sente em alguns filmes. Mais pra frente começam as mudanças para o terror, aquela sensação de medo do sobrenatural, do que pode acontecer, da tensão e da expectativa. E a produção tenta criar no espectador uma empatia, para que este sinta o que os personagens sentem.



O espectador entrará na vida da família Graham após a morte da matriarca: temos Annie (Toni Collette) com a sua filha pequena Charlie (Milly Shapiro) e o adolescente Peter (Alex Wolff), além do marido Steve (Gabriel Byrne). E essa é uma família nada convencional. Desde o início percebemos isso: Annie tinha problemas com a mãe que vinha sofrendo com problemas de demência e sempre teve comportamento e companhias estranhas. Seu tio havia cometido suicídio, seu filho Peter foi criado longe da avó por opção de Annie e Steve, mas a pequena Charlie fora criada pela avó que assumira sua criação como filha. Agora temos uma Charlie como uma criança de comportamento estranho, uma Annie emocionalmente destruída, um Steve passivo diante das situações e, Peter, um jovem abalado. Esse histórico pra lá de complicado, lá pelo meio o filme, começa a se explicar. E os personagens começam a entrar em um grau de tensão tão grande que perdem a cabeça em várias situações.



E o espectador pode ir se acostumando porque o roteiro de sutilezas (esse talvez seja o grande mérito do filme) o torna bem interessante. Nada do que acontece em cena está por acaso: a maquete da casa com os bonecos, por exemplo, passa a ideia de que há uma manipulação ocorrendo em torno da família. A obsessão de Annie com maquetes pode representar um controle sobre a família e situações que ela não tem. Charlie conversando com o pai no velório sobre sua alergia a  nozes idem, além da estranha situação da menina cortar a cabeça de um pombo morto. Tá tudo ali, todas as sutilezas, basta rever o filme de novo, (se não prestou atenção no início).



Mas aí vêm os contras e os prós dessa obra: apesar de ser bem interessante, em nenhum momento a produção de estreia do diretor Ari Aster me causou medo ou qualquer situação angustiante da qual se propôs. O filme tenta colocar alguns elementos que para alguns podem lembrar, bem distante, títulos como "O Bebê de Rosimere", "A Profecia"; "Amytiville" (nas cenas da imagem da janela vermelha) e outros bons filmes, mas ainda assim não me empolgou. A explicação final parece uma ideia tirada de uma parte do filme "O Ritual" (2017) com o filme "A Bruxa" (2015) que insere  elementos que tentam passar medo e tensão para, no final, chegar a uma conclusão, para mim, muito fraca. Não por acaso "A Bruxa" teve a mesma produtora: a "A24" que vem apresentando bons projetos como: Lady Bird (2017), O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017); Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), Ex Machina (2015), O Lagosta (2016), O Homem Duplicado (2013), Sob a Pele (2013), O Quarto de Jack (2015); Projeto Flórida (2017)... filmes bem fora do atual padrão americano. E esse filme me parece uma variação de "A Bruxa". Pegaram alguns elementos que agradaram: o sobrenatural, entidade, situações desconfortáveis, ritual, histeria e juntaram em num novo produto que vem sofrendo menos críticas. Nada como os erros para nos ensinarem o caminho do sucesso. Pelo modo como a "A24" vem conduzindo seus projetos, nos últimos anos, podemos esperar a chegada de novos diretores e roteiristas para tirar da mesmice o cinema atual.



Já os prós: o filme ganha muita força no cinema. A experiência coletiva de assistir, o medo e a tensão nervosa também coletiva,  em uma sala em silêncio, se incorpora a  nós,  criando uma expectativa acima do esperado. Na sala de casa, com a luz acessa, a pessoa não mais se insere no filme: a própria luz já é um fator que seu cérebro encara como "segurança" e com isso o medo não surge. E novamente bato na tecla de que um filme para se tornar um clássico deveria ter um requisito básico: aquela sensação angustiante de perceber o sobrenatural, mas  sem evocá-lo de forma corpórea, aproveitando-se de elementos incorporados ao imaginário (ponto para Hereditário nesse quesito). E até o título do filme se explica se prestarmos atenção no significado da palavra.



No elenco temos a grande força do filme: Tony Collette ("O Casamento de Muriel"; "Pequena Miss Sunshine") é a força motriz. Suas expressões de dor, raiva, angústia, medo, incredulidade podem levá-la até  a uma indicação ao Oscar tamanha a força de sua interpretação. Se o filme funciona é por sua causa. Ela, que junto a Gabriel Byrne, topou entrar também como produtor, deu um tiro certeiro. Essa talvez seja a melhor interpretação de sua carreira. A pequena Milly Shapiro, em sua estreia, consegue prender o olhos do espectador em sua misteriosa imagem. Alex Wolff tem também um desempenho elogiável a medida que suas perturbações começam a florescer. Gabriel Byrne tem uma função do filme que é manter-se como a parte mais calma e sensata no meio da tempestade de incredulidades. E o faz muito bem.



Hereditário não é um terror barato que apela para os "jump scares" (gritos) ou sons e ruídos que tentam influenciar a percepção. Não é um novo "O Exorcista" como tentaram vender. Pode até ser um novo "Corra !" se a intenção for correlacionar à surpresa do ano passado. É para um público diferente, que curte outro tipo de Horror e Terror e aí se explica porque uns amam e outros odeiam.

Trailer:


 
Curiosidades:

Orçado em $10.000.000. Arrecado até julho / 2018 mundialmente: $79.275.328

Em uma entrevista, Alex Wolff explicou que ele queria realmente quebrar o próprio nariz para a cena em que seu personagem bate a cabeça em uma mesa. O diretor Ari Aster recusou e disse a Wolff que lhe dariam uma mesa macia e almofadada para a cena. Quando chegou a hora da cena ser filmada, Wolff bateu a cabeça na mesa apenas para descobrir que o topo era de espuma e o fundo era duro. Ele deslocou sua mandíbula (uma lesão anterior que o ator teve) para a cena.

De acordo com Alex Wolf, o corte original do filme poderia facilmente ter passado mais de 3 horas. A maioria das cenas seria de  diálogo familiar. 

Aster escreveu biografias detalhadas e backstories para todos os personagens antes mesmo de escrever o roteiro.

Muitos do elenco e da equipe veem o filme como um drama familiar mais do que um filme de terror.

O filme foi filmado em 32 dias.

Ari Aster disse ter sido fortemente influenciado pelo filme  "O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante" (1989) 

Para Ari, Hereditário é também inspirado por dramas familiares (Gente como a Gente (1980),Tempestade de Gelo (1997) , Entre Quatro Paredes (2001)) assim como por filmes de terror clássicos (O Bebê de Rosemary (1968), Inverno de Sangue em Veneza (1973), Os Inocentes (1961)). 

Hereditário seria inspirado por uma aparente maldição sobre a família de Ari Aster que parecia lhes trazer má sorte durante um período de três anos. 

Gabriel Byrne trabalhou com Alex Wolff na série de TV da HBO "Em Terapia" (2008-2010), onde também viveram pai e filho.   

 

Filmografia Parcial:

Toni Collette
 
 









 
O Casamento de Muriel (1994); Quatro Garotas... Uma Grande Confusão (1997); O Sexto Sentido (1999); Shaft (2000); Fora de Controle (2002); Um Grande Garoto (2002); As Horas (2002); Pequena Miss Sunshine (2006); Segredos na Noite (2006); Mentes Diabólicas (2006); Uma Garota Diferente (2008); A Origem da Vida (2011); A Hora do Espanto (2011); À Procura do Amor (2013); Uma Longa Queda (2014); Já Estou Com Saudades (2015); xXx: Reativado (2017); Uma Noite de Loucuras (2017); Conspiração Terrorista (2017); Hereditário (2018);


Gabriel Byrne
 












Excalibur (1981); Hanna K. (1983);  A Fortaleza Infernal (1983); Júlia e Júlia (1987); Marcas de uma Paixão (1987); Mundo Proibido (1992); A Assassina (1993); Jutland - Reinado de Ódio (1994);  Tribunal Sob Suspeita (1994); Os Suspeitos (1995); O Homem da Máscara de Ferro (1998); Inimigo do Estado (1998); Stigmata (1999);  O Fim dos Dias (1999); Spider - Desafie Sua Mente (2002); Navio Fantasma (2002); Assalto à 13ª Delegacia (2005); A Conquista da Liberdade (2005);  O Capital (2012); O Jogo Mortal (2013); Ninguém Deseja a Noite (2015); Hereditário (2018) 

Alex Wolff 


 









The Naked Brothers Band: O Filme (2005); Criando Asas (2013); Uma Dupla Genial (2013); Casamento Grego 2 (2016); O Dia do Atentado (2016); The House of Tomorrow (2017); Jumanji: Bem-Vindo à Selva (2017); Hereditário (2018); Dude: A Vida é Assim (2018); Stella's Last Weekend  (2018); The Cat and the Moon (2019)

SPOLIER: NÃO LEIA SE  AINDA NÃO ASSISTIU
Paimon, o demônio do qual o filme é revelado, é um demônio que foi lançado no inferno junto com Lúcifer e outros anjos hereges. Paimon é considerado um dos guerreiros mais dedicados de Lúcifer. Paimon é frequentemente descrito como tendo uma aparência feminina, mas é um homem de verdade, e é por isso que, no filme, o demônio entra primeiro na filha Charlie e depois no filho. Também  se afirma em textos antigos que, quando Paimon se aproxima, você pode ouvir um som estranho, semelhante ao ruído de clique que Charlie faz. (fonte IMDB)

Fontes:
Jornal O Estado de São Paulo
Jornal O Globo
IMDB
The Guardian
Wikipedia

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