quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A SEMENTE MALDITA / TARA MALDITA / THE BAD SEED (1956) - ESTADOS UNIDOS



 



Anjo Mal

Christine Penmark (Nancy Kelly) é uma dona de casa típica dos anos 50. Casada com Kenneth Penmark (William Hopper), um coronel prestes a viajar. Possuem uma filha chamada Rhoda (Patty McCormack). Tudo parece transcorrer perfeitamente: Rhoda é uma criança que não causa problemas e é estudiosa. Há a presença constante de Monica Breedlove (Evelyn Varden), a senhoria do andar de cima e que Rhoda se refere como “tia Mônica”. Mônica faz um comentário a respeito de uma competição de melhor caligrafia no colégio, onde a menina não vencera. Rhoda mostra um descontentamento fora do comum e uma estranha fixação na medalha de ouro que não conseguira conquistar. Christine deixa a filha no piquenique anual da escola e recebe a notícia de que um aluno falecera afogado. Coincidentemente era o garoto que vencera Rhoda. A menina chega em casa e não demonstra nenhum abalado, nenhum sentimento pela perda de seu “amigo” de escola. Christine passa a desconfiar de que há algo de errado e tudo piora quando a professora e a mãe do aluno falecido lhes revelam que Rhoda foi a última a ser vista com o garoto.




Tara Maldita (título brasileiro nos cinemas) ou Semente do Mal (título atual e mais apropriado) é um filme de terror muito interessante. Uma produção de 1956, abordando uma criança sociopata, era algo muito novo para as plateias da época. O filme colheu críticas mistas, uns considerando sem conteúdo plausível, melodramático e teatral, outros viram um incômodo filme de terror com uma temática bem original. A sensação de teatralidade não é inequívoca: quase todo elenco veio da peça teatral homônima da Broadway que fez um imenso sucesso. Os estúdios viram a possibilidade de um bom retorno passando-a para a película.



Há vários aspectos a serem destacados nesta obra. Rhoda se revela, aos poucos, uma criança muito diferente: não possui remorsos, não age como criança, nem tem sentimentos. Tudo funciona à base de troca: se a adulam com presentes e a fazem feliz são considerados seus “amigos”, caso contrário são pessoas “ignoráveis” ou de nenhum valor.
 Christine resolve indagar seus amigos escritores, se uma pessoa nasce má ou o meio é o fator determinante. Lhe é dito que ninguém nasce mal, mas outro lhe revela um caso de uma mulher que matou várias pessoas e sempre escapava, não possuía remorsos e não se importava com os sentimentos alheios. E o mais assombroso: o mal poderia ser sim hereditário. Mas como ser hereditário se não havia ninguém na família assim? Ao tentar descobrir quem realmente é sua filha, ela também se descobre, o que lhe causa preocupações ainda maiores. Monica Breedlove gosta de frequentar círculos de pensadores. Gosta de analisar as pessoas e pousa de conhecedora de psicologia por ter lido alguns artigos e ter conhecido Freud, mas não consegue perceber nada em Rhoda. Le Roy é o faxineiro da casa e possui, segundo Mônica, um quadro de “esquizofrenia paranoica” e um leve retardo que o transforma numa espécie de criança. Ele é o único que conhece quem realmente é Rhonda, porque talvez perceba seu lado mal através dela. Rhoda o considera um obstáculo e sua presença e indagações a deixam muito nervosa.




Há outros aspectos interessantes nesta obra: muitos dos móveis de fundo são pretos. As roupas dos atores, propositadamente, alternam-se entre branco, pastel e tonalidades de cinza, cores ideais para filmes em preto e branco que desejem  passar certa sensação de opressão, medo e angústia. Christine, aos poucos, descobre que seu “anjinho” pode ter feito outras atrocidades. A aura que o filme cria sobre a tensão mãe e filha é o ponto alto deste filme. Os acontecimentos (narrados através de diálogos) nunca estão aos olhos do espectador, deixando que as cenas sejam completadas por cada um. A questão da criminalidade hereditária é revelada através desses diálogos. Lembremos que a informação não era algo tão fácil de ser obtida como nos tempos atuais.



O elenco é o grande destaque: Patty McCormack fez um Rhoda perfeita. A atriz, de onze anos na época, fez o papel de uma garota de oito anos com trancinhas loiras e um sorriso de criança. Ao longo dos anos construiu uma carreira sólida, mais voltada para a Tv. Recentemente pode ser vista no interessante filme Frost / Nixon. Nancy Kelly (1921–1995) não seguiu no cinema, preferiu voltar-se para papéis em seriados e telefilmes. Eileen Heckart (1919–2001), que fez a mãe alcoólatra, que não aceitava a misteriosa morte do filho, esteve excelente e roubou quase todas as cenas que participou. Henry Jones (1912–1999), que fez Leroy, foi um ator conhecido, que alternou cinema e tv, sempre em boas performances. Evelyn Varden (como Mônica, a senhoria que aluga a casa para os Penmark), veio a falecer dois anos depois desta produção. Varden teve participações em cinema e Tv. Como um todo, as atuações passam um quê de teatralidade que o diretor Mervyn LeRoy (1900–1987) permitiu-se manter. Ainda assim o filme foi indicado a 4 Oscars.



Não há como terminar essa análise sem falarmos do final (calma, não vou revelá-lo). Até hoje há uma calorosa discussão a respeito deste assunto. Os estúdios resolveram mudar o destino de Rhoda, que se revelara outro na peça e no livro de William March de 1954.   E é o destino das personagens que prende o espectador até o fim. Muitos o consideraram absurdo e frustrante. Há que se ter em mente que plateias da década 50 eram bem diferentes das atuais, não havia a violência explícita. As produções eram regidas por um código atuante de moralidade social derivada de valores da década de 50. A sociedade tinha uma visão muito diferente da atual, que atuamente banaliza a violência e glorifica os vilões. Ainda que eu tenha considerado o final realmente frustrante, o filme em si é muito bom, apresentando de uma forma bem coesa uma sociopata mirim e a descoberta de sua mãe de um mal que nunca imaginara conhecer. Seu dilema é forte: como convencer as pessoas do que descobrira? Como conviver com uma pessoa assim? Como entregar a filha à justiça que, apesar de tudo, ainda ama? Como aceitar as revelações da filha e ter sua consciência limpa?



Semente Maldita / Tara Maldita (título que pode ser referente a obsessão de Rhoda à medalha, mas que não é adequado aos tempos atuais) é uma produção que prende do início ao fim e que pode ser considerado um dos precursores de filmes de terror com crianças como: "A Profecia", "O Exorcista", "Cemitério Maldito", "Anjo Malvado", "A Órfã" entre outros. Produção com poucos recursos, mas com originalidade. Um bom painel de como a sociedade da década de 50 funcionava (e os filmes antigos são uma ótima experiência), se comparada com a atual. Filme para ser apreciado, mas o final do filme poderá decepcionar muitas pessoas.

Trailer:


 
Curiosidades:

Indicado ao Oscar de melhor atriz (Nancy Kelly); Melhor Atriz Coadjuvante (Eileen Heckart); Melhor Atriz Coadjuvante (Patty McCormack); Melhor Fotografia (Harold Rosson).

Nancy Kelly ganhou em 1955 o prêmio de teatro Tony Award por sua atuação em "The Bad Seed".

Henry Jones (LeRoy) é a voz que comunica, no rádio, a tragédia na escola.

Bette Davis mostrou interesse em interpretar Christine Penmark.

Billy Wilder quis dirigir o filme, mas os estúdios Warner Brothers não aceitaram diante da sua insistência de filmar o final como no livro.

O diretor Alfred Hitchcock não aceitou a oferta de dirigir o filme.

Nancy Kelly faleceu aos 73 anos de causas naturais.

Henry Jones faleceu aos 86 anos em decorrência de uma queda que sofrera em casa.

Eileen Heckart faleceu aos 82 anos em decorrência de câncer. A atriz ganhou um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo filme "Liberdade para as Borboletas" (1972)

Filmografia Parcial:
Nancy Kelly (1921–1995):
Jesse James (1939); Noite Tropical (1940); Tarzan em Terror no Deserto (1943); A Mulher que Voltou (1945); Tara Maldita (1956); The Impostor (1975); Crime na Decisão (1977).

Patty McCormack
Tara Maldita (1956); Uma Pequena do Barulho (1958); As Aventuras de Huckleberry Finn (1960); Os Jovens Fugitivos (1968); Praga Infernal (1975); Convite Para o Inferno (1984); O Alvo (2004); Terra Rasa (2004); Frost/Nixon (2008);  O Mestre (2012);Vikes (2017) 

Eileen Heckart (1919–2001)
Marcado pela Sarjeta (1956); Nunca Fui Santa (1956); Tara Maldita (1956); Uma Face para Cada Crime (1968); Liberdade para as Borboletas (1972); Hannah, A Esposa Comprada (1974); A Mansão Macabra (1976); Um dia de Sol no Natal (1977); O Clube das Desquitadas (1996).
 

2 comentários:

  1. Olá Luis, acabei de ver o filme. Estranhei o final, achei que o filme deveria ter terminado uns 10 minutos antes, mas entendo como seria chocante para as plateias da década de 50. Agora lendo sua ótima crítica, descobri que o final foi mudado. É um grande filme, com excelentes atuações. Quanto ao título, não acho inadequado só para os dias atuais, acho inadequado para qualquer época. "Semente do Mal", que é a tradução literal é muito mais apropriado.

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    1. Olá Ivonete. Quem bom que você gostou da crítica. Muitas pessoas não gostam de filmes antigos, preferem produções mais atuais, mas há grandes produções a serem descobertas. É, o final desse filme sempre gera discussões. Eu também não gostei da opção dos envolvidos pelo final, mas entendo o porquê de terem seguido com a ideia (talvez o principal motivo tenha sido a pressão dos estúdios)
      Sim, o título é inapropriado e até pode afastar algumas pessoas que terão uma ideia bem diferente quanto ao seu conteúdo. Muito obrigado pelos comentários e elogio. Abs

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