CAPITALISMO SELVAGEM
Bruno Davert (José Garcia) perdeu seu emprego de 15 anos, após sua empresa fechar e transferir-se para a Romênia, não sem antes demiti-lo junto com 600 funcionários. Com 41 anos e 2 anos desempregado, entre envio de currículos, nenhum contato e entrevistas improdutivas, percebe que tem que fazer algo. Cria uma caixa postal onde faz um anúncio de falso de emprego. De posse de vários currículos, seleciona alguns que considera no mesmo nível ou acima e resolve colocar a cabo seu plano: matar os outros candidatos que lhe possam vencer na busca de seu emprego. Bruno era um executivo bem remunerado, sem preocupações com itens caros, agora não pode mais comprá-los. Sua atenção seletiva o faz perceber, através de anúncios, aquilo que perdeu e não sabe se um dia conseguirá recuperar.
Ótimo filme de Costa-Gravas, O Corte, traz um argumento interessante com muita criatividade e humor
negro. Essa crítica ao capitalismo e suas consequências (como a Globalização, quando a empresa vai para outro país), muitas vezes
repentinas, que transformam alguns em milionários e outros em arruinados, é
muito bem articulada no filme. Bruno é uma pessoa normal até se encontrar em um
ponto em que tudo não segue mais a normalidade. O reflexo é imediato e pode-se
notar quando os filhos reclamam do corte do orçamento familiar, da tv a cabo e
da Internet. A esposa tenta fazer de
tudo, mas Bruno fica obcecado com sua realidade transformando-se em um sociopata cujo lema é “os fins justificam os meios”. Ele perde a autoestima, o
controle familiar, os valores morais.
Quem fez Administração
de Empresas poderá recordar da “Hierarquia das Necessidades”, de Maslow, que
ilustra, através de uma pirâmide (de 5 níveis), as necessidades humanas essenciais. Começa nas necessidades fisiológicas (na base da pirâmide) e vai subindo de
nível. O nível 2 seriam as necessidades de segurança, depois as sociais,
status e autoestima e, no topo, a necessidade de realização pessoal. Bruno
caiu do topo da pirâmide. O filme não diz se sua carreira foi obtida por esforço ou apadrinhamento.
Voltar ao topo é seu objetivo e Bruno atropelará quem estiver à sua frente.
As situações que ocorrem,
do planejamento a execução, chegam a ser hilárias, pois Bruno mesmo cometendo seus
atos absurdos é assustadoramente normal no seu dia-a-dia, muito inventivo e com uma capacidade
rápida de resolver situações críticas (como, por exemplo, o problema que seu
filho provocou). Eliminando aos poucos seus concorrentes, levanta a suspeita da
polícia que chegará até ele, mas como o
tom do filme é ser insólito, sempre acontecerá algo que o livrará das situações.
Gravas, um diretor político de filmes como “Z”, “Desaparecido - Um Grande
Mistério”, “Hanna K” apostou que o espectador entraria no clima e entenderia
sua crítica e a proposital falta de veracidade dos fatos.
É um filme bem diferente
do que o diretor costuma fazer, mas ainda está lá o tom crítico ao sistema e o
distanciamento do ser humano ao próximo, importando somente a satisfação de seus
objetivos. Em determinado momento Bruno diz a um terapeuta conjugal: "Ora,
emprego não é tudo ...mas o que eu faço sem ele, como eu fico ?” Quando sua
mulher lhe diz "você não está sozinho", sua resposta é: “pode me dar um emprego
?" É a síntese da loucura e do desespero.
Dentro da atual
conjectura brasileira, O Corte poderia perfeitamente ser um filme nacional. Num
país de milhões de desempregados, não há como sentir aquele friozinho na
barriga daqueles que trabalham na iniciativa privada. Há aquela sensação de
incômodo, de que mesmo que o filme siga um caminho mais voltado para o humor, o
medo da perda do emprego continua ali e ninguém que dependa de trabalho pode se
sentir completamente indiferente ao tema ou a realidade que nos cerca. O final
é muito bem sacado, mas tem que prestar bastante atenção.
Trailer:
Breve Filmografia:
Costa-Gavras
Z (1969); A Confissão (1970); Estado de Sítio (1972); Um Homem, uma Mulher, uma Noite (1979); Desaparecido - Um Grande Mistério (1982); Hanna K. (1983); Atraiçoados (1988); O Quarto Poder (1997); O Corte (2005).
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