domingo, 23 de outubro de 2016

JOHNNY MAD DOG (2008) - FRANÇA / BÉLGICA / LIBÉRIA



 



REALIDADE SEM ENFEITES

Quem assistir Johnny Mad Dog poderá ter várias impressões: brutal, cruel, atordoante, realístico, triste, entre diversas outras. Johnny é um jovem soldado de aproximadamente 15 anos, cooptado aos 10 anos, para lutar na guerra civil de seu país (Libéria), no continente africano. O jovem atua como “General” de um grupo próximo à sua idade, cujo líder é “nunca morre", um homem que enfrenta as forças presidenciais e se julga uma espécie de libertador do povo. Seus soldados matam, aterrorizam, estupram e destroem o que vier pelo caminho.




Em seu primeiro filme para a grande tela, Jean-Stéphane Sauvaire (que também co-assina o roteiro) fez um filme inquietante, seco, recheado de referências que tristemente prendem os espectadores frente à uma realidade ainda possível. Não há como não ter aquela sensação de estarmos diante de um filme único, algo que há muito tempo o cinema não produz.


 
Sauvaire choca o espectador em vários momentos: um bando de “crianças” munidas de fuzis dizimando pessoas que julgam apoiadoras do governo ou pessoas de origem éticas chamadas de Dogo. As mortes chocam: essas "crianças" matam crianças, matam velhos ou simplesmente atiram em direção a uma pessoa qualquer na confusão. A pobre população não possui armas e fica impotente diante de tamanha brutalidade.



O filme não deixa claro quem está certo. Seriam Mad Dog e seu grupo, libertadores, ou máquinas de manobras? Libertadores do quê?. O “coronel nunca morre" fica praticamente nos bastidores. Incentiva sua “tropa” (Mad Dog é de uma delas) a se encherem de drogas e entoarem canções de guerra. Alega que seus soldados não podem ser atingidos por balas, como fosse um feiticeiro tribal. Balas de festim corroboram sua exibição e os "soldadinhos" vão à um guerra da qual não entendem e cuja a única regra que conhecem é a violência brutal. Eles não são mais crianças em espírito, apenas em aparências. São adultos em atitudes e crianças em discernimento”.


 
Aqueles que assistiram produções como “Diamante de Sangue”, “Tiros em Rhuanda”, “Hotel Rhuanda”, “Senhor das Armas” entre tantas produções podem ter uma certa familiarização quanto a questão das guerras brutas recheadas de ódio racial, numa nação que não consegue manter a paz por um longo tempo. Mas deixemos bem claro: Johnny Mad Dog joga na cara no espectador a realidade, sem enfeites: feia, suja, absurda e desesperançosa.



Referências sarcásticas não faltam: um dos garotos acha uma Uzzi (de fabricação israelense) e cita Chuck Norris no filme “Comando Delta”. Johnny usa colar que julga protegê-lo de balas e um cordão com um crucifixo, que provavelmente nem sabe o seu real significado. Pega uma bíblia e entende como um simples livro. Há uma criança do grupo de Johnny vestida de borboleta e outra com vestido de noiva (seria uma analogia à resquícios de inocência em meio ao caos ?). Johnny alega lutar há tanto tempo que não se lembra mais do nome verdadeiro A ONU, uma força mantenedora da paz, é retratada como apenas um exército que faz figuração, pois não impede os massacres.  Sua participação aqui é em defesa de um hospital (que seria uma zona neutra) e em seu desfile de tanques. A trupe juvenil chega a intimidá-los na frente do hospital, mas Johnny não é tão burro assim. Ele sabe o poderio daquela força estrangeira no país. E enfrentar soldados treinados é bem diferente de massacrar civis inocentes. Afinal essa neutralidade permite que ele siga em seu caminho de sangue.


 
O filme centra em "Johhny" (Christophe Minie); "Laokole" (Daisy Victoria Vandy), a jovem adolescente que tenta salvar o seu pai do ataque do grupo; “Mal Aviso”, um garoto extremamente violento; "Fatmata / Lovelita" (Careen Moore), uma Dogon cativa e "Nunca Morre" (Joseph Duo), o auto intitulado "coronel" que usa crianças em sua guerra. Sauvaire dirige magnificamente esses atores sem experiência, conseguindo colher atuações impressionantes, que tornaram o filme o que ele é.



Johnny Mad Dog não é um filme simples, não é um filme fácil de ser assistido, mas é programa obrigatório para cinéfilos. O tipo de filme que, para muitos, ficará guardado na memória por seu conteúdo impactante. Não é um filme fácil de ser encontrado, mas que vale o tempo gasto.

Trailer:


Curiosidades:
Baseado no Livro "Johnny Chien Méchant", de 2002, do autor Emmanuel Dongala.

Alguns dos atores do elenco foram soldados na guerra da Liberia.

Filmado em Monrovia, maior cidade da Libéria.

A guerra civil na Libéria ocorreu entre 1989 e 2003, onde se perderam em torno de 250.000 vidas.

O ator Prince Kotie reclamou que, ao final das filmagens, os atores receberam torno de 450 euros. Esse valor era dez vezes o salário mínimo na Libéria.

Premiações:
Cannes Film Festival
Hamburg Film Festival
Skip City International D-Cinema Festival
Stockholm Film Festival

Fontes:
The New York Times
The Guardian
The China Post
IMDB

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