Texas,
1868, três anos após a guerra de secessão, Ethan (John Wayne) um ex-combatente,
do lado perdedor, surge à porta de seu irmão Aaron (Walter Coy). Seu retorno é
comemorado pela família, agora composta da matriarca, Martha, seus três
filhos e o mestiço Martin Pawley (Jeffrey Hunter), criado pela família.
Ethan aparentemente voltou para ficar.
Com a chegada do Reverendo / Capitão
Johnston (Ward Bond) é solicitado a Aaron que acompanhe “voluntariamente” seus
patrulheiros para encontrarem ladrões de gados. Ethan se oferece para ir no
lugar do irmão e Martin o acompanha. Após uma longa busca, descobrem que foram
os Comanches que roubaram o gado e que tudo foi uma armadilha para afastá-los
de suas fazendas. Ao regressarem, Ethan e Martin se deparam com a fazenda
destruída e seu irmão e esposa estão mortos. Ethan percebe que suas sobrinhas
Debbie (Natalie Wood) e Lucy (Pippa Scott) foram levadas pelos Comanches. Junto
com os patrulheiros iniciam uma perseguição, mas com o tempo o grupo esmorece e
apenas Ethan e Martin resolvem levar a cabo as suas missões de busca e
vingança, ainda mais depois que descobrem que Lucy está morta.
O
que dizer a respeito de Rastros de Ódio? Na lista dos melhores filmes de todos
os tempos, reverenciado por vários cineastas como Spielberg, Orson Wells,
Martin Scorcese e Jean Luc Godard. O diretor John Ford se tornou uma espécie de
patriarca dos filmes de Velho Oeste. E foi protagonizado por uma lenda
dos filmes de Cowboys: John Wayne. Mas por que Rastros de Ódio (The Searchers)
é um filme tão reverenciado? São várias as qualidades e os detalhes a serem
observados nesta obra.
Para
começar, o herói Ethan é na verdade um anti-herói: racista (essa discussão dura
até hoje), em relação aos índios. Ele não vê com bons olhos Martin e o avisa
que pode ser confundido com um mestiço (na verdade Martin é metade Cherokee e
metade inglês). Atira nos olhos de um índio enterrado para que, conforme a
tradição dos comanches, passe a vagar eternamente sem encontrar o paraíso. Num
confronto em um rio, atira mesmo quando os inimigos estão batendo em retirada e
demonstra, através de palavras, todo o sentimento de antipatia por essa
civilização. O filme nunca explica realmente o porquê, mas sabemos que o
intuído de Ethan é resgatar Debbie, mas muitos anos se passaram e se a menina,
agora jovem, estiver adaptada a nova cultura ele a matará. Ou seja: prefere
vê-la morta do que como uma índia. Não hesita nem em usar Martin como isca para
pegar de surpresa malfeitores que querem lhe roubar. Não se sabe o que ocorreu
nesse hiato de três anos do fim da guerra, mas ele pode ser um homem procurado,
conforme lhe informa o reverendo, que aponta existirem relatos de uma pessoa
procurada com características similares. Mas eis que surge um antagonismo:
Ethan tem os traços do herói americano: bravo, honesto, destemido e
determinado. E isso confunde a percepção do espectador. Ethan pode ser tudo
isso, menos uma pessoa comum. E algumas perguntas sempre permanecerão: Houve
algo entre ele e a esposa de seu irmão? Há algo mais na história de Ethan ter
encontrado Martin quando bebê e a sua família o adotado? Seria um foragido da
Justiça? Porque usa o uniforme de uma guerra findada? O que busca afinal
em tão obstinada caçada?
Ethan
odeia Scar (Henry Brandon), o chefe Comanche que sequestrou Debbie. Odeia todos
os índios. Scar odeia todos os homens brancos e, quando fica frente a frente
com Ethan, também o odeia. Um seria o contraponto do outro. Ethan pode ser
exatamente igual aquilo que ele mais repuldia. Talvez nesse momento, quando
ambos se encaram sob o sol, tenham se percebido iguais, como se olhassem para
um reflexo deturpado em um espelho. Ethan fala comanche. Scar fala inglês.
Ethan perdeu a família para os índios. Scar perdeu filhos para os colonos.
Ethan conhece os costumes comanches, Scar, os costumes dos brancos. Ethan na
verdade é um personagem obscuro, amargo e assustador que trouxe seus demônios
da guerra ou já os havia levado consigo quando enfrentou seus compatriotas.
O
filme tem admirável construção cinematográfica e uma grandeza plástica poucas
vezes conseguida no cinema. É um Western épico, lírico e mitológico. Jean Luc
Godard comparou a cena final do filme ao encontro de Ulisses com seu filho
Telêmaco, no livro "A Odisseia". É uma das mais emocionantes buscas
da historia do cinema, com um personagem motivado por algo mais que a vingança.
Mas possui momentos igualmente poderosos de drama e comédia. A passagem dos anos
se dá através de sutilezas como menções em cartas, diálogos ou mudanças
de clima. O início do filme, com a porta se abrindo, a câmera avançando,
revelando todo o esplendor das montanhas, contrasta com o final onde a câmera
retorna até a porta se fechar. São duas cenas, que abrem e fecham o filme, e o
grande público não percebeu. Por isso é um filme de várias leituras.
A
fotografia, de Winton C. Hoch, valorizado pelo cenário do Monument Valley
(Utah) é um dos destaques do filme. Percebe-se um apurado trabalho de
trazer a iluminação certa para o horário certo da cena. Temos sempre tomadas
belíssimas de fundo, valorizadas pelo uso do “Technicolor” (processo que
consistia na coloração dos filmes) e do recém-criado (1954) processo de
“VistaVision”, que consistia em uma maior resolução, dando ao filme um
resultado ainda mais grandiloquente. O resultado é que Winton C. Hoch tira uma
plasticidade perfeita do cenário desértico.
O
elenco é, sem dúvida, primoroso. Temos John Wayne em atuação antológica,
Jeffrey Hunter (do bíblico “O Reis dos Reis”), como um jovem inexperiente, mas
bravo e valoroso que acompanha Ethan pelos laços familiares e por não ter
certeza das reais motivações do herói. E Natalie Wood (1938–1981), aos 15 anos,
que ficaria famosa 5 anos mais tarde por "West Side Story"
(1961). O elenco de apoio está excelente e temos Vera Miles (Laurie) como a
jovem que ama Martin; Ward Bond (1903–1960); Henry Brandon (1912–1990); Ken
Curtis (1916–1991), o músico apaixonado por Laurie e Hank Worden (1901–1992), o
louco Mose, que deseja apenas um lugar para ficar e uma confortável cadeira de
balanço. Esses atores agregaram para que o filme funcionasse e alguns deles
eram atores que Ford costumava utilizar em seus filmes.
John
Ford é outro caso a parte. Tido como um dos maiores cineastas de todos os
tempos, considerado o patriarca dos filmes de Western. Aos 30 anos já havia
dirigido 50 filmes. Tido como uma pessoa mal humorada, irônica e que não
gostava de entrevistas, dando respostas vazias, Ford tem em seu currículo
grandes filmes como “Nos Tempos das Diligências” (tido como um dos maiores
filmes do gênero); “O Delator” (1935); “Vinhas da Ira” (1940); “Como Era
Verde o Meu Vale” (1941) ; Depois do Vendaval (1952). Esses quatro últimos
deram o Oscar de Melhor diretor a Ford. Sua influência é tão grande no cinema
que talvez tenha sido esse o motivo que levou o diretor Orson Wells a assistir
40 vezes o filme “Nos Tempos das Diligências” para, segundo o próprio,
"aprender a fazer cinema".
Mas
Rastros de Ódio tem aspectos não tão positivos? Sim. As situações cômicas,
podem não ser mais vistas como tal e algumas são até de mau gosto, como Martin
e sua esposa “índia”, na cena em que vão dormir. Pode ter sido engraçado na
década de 50. Atualmente não tem graça nenhuma, gera até reflexão. A briga de
Martin com seu rival no amor também não tem o menor realismo e soa fajuta. E
temos que falar do ator alemão Henry Brandon na pele de Scar. O ator não tem o
menor traço indígena e vemos, visivelmente, que não é um nativo americano. Seu
vilão foi ofuscado pela dualidade do personagem de Wayne. Outro aspecto a ser
levado em consideração é a caracterização dos comanches, como uma tribo
selvagem que atacava sem piedade. Quem leu o livro “Enterrem Meu coração na
Curva do Rio” terá um choque e tanto de realidade. Houve um filme homônimo, muito interessante,
mas que conta apenas a história sobre Touro Sentado, sem abordar o restante do
livro.
Rastros
de Ódio é um filme que nos revela sempre algo mais quando revisto de tempos em
tempos. Essa uma das partes mais interessantes dessa obra. Talvez porque esteja
divido em camadas e quando retiramos uma, revela-se outro aspecto até então
ignorado. Se olharmos aos 10, 20, 30, 40, 50, 60 ... anos de idade teremos
percepções diferentes da obra, seja da visão do personagem, da nossa visão do
mundo ou das personalidades dos envolvidos.
Trailer:
Curiosidades:
Jeffrey
Hunter foi o primeiro Capitão da Enterprise, no seriado Jornada nas Estrelas (1966-1969),
no episódio piloto "The Cage" (lançado em VHS como: "Jornada nas
Estrelas - Como Tudo Começou"), considerado muito intelectual para o
público da época. Seu personagem chamava-se Christopher Pike e o personagem
Spock (Leonard Nimoy) estava em cena. O episódio foi rejeitado, sendo feito um
segundo episódio com o ator William Shatner. "The Cage" foi
incorporado à série em um novo episódio (somente em 1986) e com acréscimos no
roteiro.
Jeffrey Hunter foi Jesus em Reis dos Reis e faleceu aos 42 após uma cirurgia para remover um coágulo no cérebro, devido a um traumatismo que sofrera de uma queda em casa. O ator havia sofrido meses antes um acidente, após a explosão de um carro, no set de filmagem do filme Cry Chicago (¡Viva América!).
Patrick Wayne, protagonista de Simbad e o Olho do Tigre, contracena com o pai, John Wayne. Ele é o jovem tenente que aparece perto do fim.
John
Wayne (1907–1979) se chamava Marion Michael Morrison. Seu apelido era Duke.
Ganhou seu único Oscar, em 1970, de melhor ator, pelo filme "Bravura Indômita" (1969). A
grande oportunidade de Wayne foi quando John Ford o chamou para fazer o tímido
Ringo Kid em "No Tempo das Diligências". Wayne já havia estado em
aproximadamente 72 produções. O ator foi muito criticado por assumir
politicamente uma posição de republicano de extrema direita, o que fez com que
perdesse vários amigos. Faleceu aos 72 de câncer.
Natalie
Wood foi encontrada afogada, aos 43 anos. No barco encontravam-se seu
marido, Robert Wagner (da famosa série Casal 20) e o ator Christopher Walken ("Caminhos Violentos"). A morte foi
tida como acidental.
O
site Rotten Tomatos lista como o 4º melhor filme de faroeste de todos os tempos
O site da BBC coloca o filme como 5º melhor filme americano de todos os tempos
O Jornal The Guardian lista o filme como o 3º melhor faroeste de todos os tempos
Em Portugal recebeu o título de "A Desaparecida"
Cartazes:
Filmografia Parcial:
John Wayne (1907–1979)
No
Tempo das Diligências (1939); Indomável (1942); Sangue de Heróis (1948); Legião
Invencível (1949); Rio Bravo (1950); Sangue de Bárbaros (1956); O Bárbaro e a
Geisha (1958); Onde Começa o Inferno (1959); O Álamo (1960); Os Comancheros
(1961); O Homem que Matou o Facínora (1962); A Conquista do Oeste (1962);
Quando um Homem é Homem (1963); A Maior História de Todos os Tempos (1965); Os Filhos de Katie Elder (1965);
El Dorado (1966); Os Boinas Verdes (1968); Jamais
Foram Vencidos (1969); Bravura Indômita (1969); Rio Lobo
(1970); McQ - Um Detetive Acima da Lei (1974); Justiceiro Implacável (1975); O
Último Pistoleiro (1976).
Jeffrey Hunter (1926–1969)
Horas Intermináveis (1951); Montanhas Ardentes (1952); Um Grito no Pântano (1952); Roleta Fatal (1954); A Princesa do Nilo (1954); 7 Homens Enfurecidos (1955); Sete Cidades de Ouro (1955); Rastros de Ódio (1956); Têmpera de Bravos (1956); Arma para um Covarde (1956); Quem Foi Jesse James (1957); A Mulher do Próximo (1957); Três Encontros com o Destino (1958); Audazes e Malditos (1960); O Rei dos Reis (1961); À Beira do Inferno (1962); O Mais Longo dos Dias (1962); Ouro para os Imperadores (1963); O Homem de Galveston (1963); A Morte de Um Pistoleiro (1965); Dimensão 5 (1966); A Witch Without a Broom (1967); Os Bravos Não se Rendem (1967); Face a Face com o Diabo (1968); Super Colt 38 (1969); O Poderoso Frank Mannata (1969); Jornada nas Estrelas (primeiro episódio piloto - The Cage).
Natalie Wood (1938–1981)
O Amanhã é Eterno (1946); Duelo Romântico (1946); De Ilusão Também se Vive (1947); Torrentes de Ódio (1948); A Grande Promessa (1949); Destino Amargo (1950); Vida de Minha Vida; Ainda Há Sol em Minha Vida (1951); A História de Rose Bowl (1952); Filhos Esquecidos (1952); O Cálice Sagrado (1954); Seu Único Desejo (1955); Juventude Transviada (1955); Rastros de Ódio (1956) ; Um Grito na Escuridão (1956); Montanhas em Fogo (1956); Até o Último Alento (1958); Apaixonados Impetuosos (1960); Amor, Sublime Amor (1961); A Corrida do Século (1965); À Procura do Destino (1965); Bob, Carol, Ted E Alice (1969); O Candidato (1972); Ensina-me a Esquecer (1973); O Golpe de Sorte (1975); Meteoro (1979); O Último Casal Casado (1980); Willie e Phil - Uma Cama para Três (1980); Projeto Brainstorm (1983)
Patrick Wayne
Rio Bravo (1950); Depois do Vendaval (1952); A Paixão de uma Vida (1955); Sangue de Bárbaros (1956); Rastros de Ódio (1956); O Último Hurra (1958); Ódio Destruidor (1959); O Álamo (1960); Os Comancheros (1961); O Aventureiro do Pacífico (1963); Quando um Homem É Homem (1963); Crepúsculo de Uma Raça (1964); Shenandoah (1965); Matarei um por um... na Hora Certa (1966); Os Boinas Verdes (1968); O Único Sobrevivente (1970); A Crista do Diabo (1970); Jake Grandão (1971); Continente Perdido (1973); O Urso e Eu (1974); O Mustang Selvagem (1976); Voo ao Holocausto (1977); Simbad e o Olho do Tigre (1977); Criaturas que o Tempo Esqueceu (1977); Namoro no Havaí (1978); Perseguição Assassina (1978); O Culto do Demônio (1986); Os Jovens Pistoleiros (1988); Adorável Sedutora (1989); Fúria Mortal (1997)
Ward Bond (1903–1960)
Letra e Música (1929); Galanteador Audaz (1930); A Grande Jornada (1930); Virtude (1932); O Vale da Morte (1933); O Código de um Herói (1933); O Último Favor (1934); Um Grito na Noite (1934); Fuzileiros do Ar (1935); Inferno Negro (1935); Sangue na Neve (1935); Os Últimos Dias de Pompéia (1935); O Homem que Viveu Duas Vezes (1936); Campeão de Luvas Brancas (1937); Beco sem Saída (1937); Do Mundo Nada se Leva (1938); A Lei do Mais Forte (1939); A Volta de Cisco Kid (1939); ...E o Vento Levou (1939); As Vinhas da Ira (1940); A Longa Viagem de Volta (1940); A Estrada de Santa Fé (1940); Sargento York (1941); Relíquia Macabra (1941); Terra Selvagem (1942); Dakota (1945); Paixão dos Fortes (1946); A Felicidade Não se Compra (1946); Sangue de Heróis (1948); Joana D'Arc (1948); O Céu Mandou Alguém (1948); Caravana de Bravos (1950); A Vinganca de Jesse James (1951); Depois do Vendaval (1952); Sangue da Terra (1953); Johnny Guitar (1954); A Paixão de uma Vida (1955); Rastros de Ódio (1956); Asas de Águia (1957); Onde Começa o Inferno (1959); Caravana (seriado 1957 a 1961)
Vera Miles
A História de Rose Bowl (1952); Investida de Bárbaros (1953); Tarzan e os Selvagens (1955); Rastros de Ódio (1956); O Homem Errado (1956); Algemas Quebradas (1959); A História do FBI (1959); Quase um Criminoso (1960); Psicose (1960); Esquina do Pecado (1961); O Homem que Matou o Facínora (1962); Um Tigre Caminha pela Noite (1964); Somente os Fracos Se Rendem (1965); Nunca é Tarde para Amar (1966); Heróis do Inferno (1968); A Vida é um Desafio (1970); Uivos no Silêncio da Noite (1971); A Great American Tragedy (1972); O Pequeno Índio (1973); O Trem Desgovernado (1973); Live Again, Die Again (1974); Corrida Para a Vitória (1977); Psicose 2 (1983); Helen Keller, o Milagre Continua (1984); Um Romance Muito Perigoso (1985); Dupla Personalidade (1995)
Fontes:
1001
Filmes Para se Assistir Antes de Morrer
99
Filmes que Você Precisa Ver Agora
Reportagens
dos Jornais o Globo e Jornal do Brasil
Guia
de Vídeo Nova Cultura 1993
Revista
Cinemin nº 3
Set
– Cinema e Vídeo Ed 29
Wikipedia
Boa noite, Luis. Filmes como esse não necessitam muitas palavras, ainda mais quando nos deparamos com essa excelente resenha que contempla pontualmente as passagens dessa grandiosa obra. Por isso serei sucinto em sugerir o seguinte: assista e aprecie sem medo de errar a um dos maiores e melhores filmes de faroeste de todos os tempo. Grande abraço.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirBom dia Janerson. Agora vejo que houve uma exclusão da plataforma do blog ao meu comentário e não consegui identificar o porquê. Tem ocorrido algumas instabilidades como comentários que não consigo visualizar imediatamente... Por isso vou postar um novo comentário visto não possuir registrado o antigo. Sem dúvidas é um grande filme, um dos melhores do gênero. Obrigado pelos comentários de sempre e um grande abraço.
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