sábado, 7 de novembro de 2015

RELATOS SELVAGENS - RELATOS SALVAGES (2014) - ARGENTINA / ESPANHA




O SER HUMANO NO LIMITE DA INSANIDADE

Relato Selvagens é uma coprodução Argentina / Espanha selecionada para  concorrer ao Oscar de 2015 (perdeu para “Ida” da Polônia). O filme divide-se em seis histórias de um humor sofisticado e inteligente. Do cotidiano ao insólito.
Na primeira história uma modelo chamada Isabel  (María Marull) e um crítico musical, Salgado (Darío Grandinetti), ao conversarem em um avião, descobrem conhecer uma pessoa em comum chamada Pasternak. Logo outra pessoa no avião escuta a conversa e percebe que também conhece essa pessoa mencionada. Surge uma quarta e quinta pessoa. Imediatamente começam a perceber que todos que ali estão estiveram, em algum momento, na vida de Pasternak de um modo negativo.


Na segunda história um homem (o ator César Bordón)  extremamente rude e mal-educado entra em uma lanchonete vazia à beira da estrada. Moza (Julieta Zylberberg), a garçonete, o reconhece como sendo um temível mafioso que tentava seduzir sua mãe e que levou sua família à ruína. Ao comentar o incidente com a chefe de cozinha (a atriz Rita Cortese), a mesma lhe sugere colocar veneno na comida do gangster. Enquanto a garçonete reluta em vingar-se, a cozinheira parece já ter decidido como resolver a situação. Só que um novo acontecimento poderá trazer consequências imprevisíveis.


Na terceira história temos Diego (Leonardo Sbaraglia) dirigindo calmamente por uma estrada semideserta. Logo surge à sua frente um carro na qual o motorista (o ator Walter Donado) lhe nega a ultrapassagem. Quando o motorista cessa a “brincadeira”, Diego lhe dirige insultos raciais e sociais. Alguns quilômetros depois o seu pneu fura. Tendo dificuldades em trocá-lo, percebe a chegada do homem que ele insultara.


Na quarta história, Simón (Ricardo Darin) é um engenheiro responsável por implosões de edificações. Ao parar para comprar um bolo para a festa de aniversário da filha, tem seu carro rebocado em uma área que não havia sinalização para ação. Ao dirigir-se ao “Detran argentino” percebe que estar certo ou errado não interessa, tem apenas o direito de pagar e não reclamar. Quando sofre o segundo reboque fica indignado com a forma como é tratado e destrói o local, sendo preso. Simón perde o emprego (pois sua empresa é parceira do governo e a imagem fica manchada ao ter a foto de seu funcionário nas manchetes locais) e suas tentativas de relocar-se tornam-se inúteis. Ele passa a planejar uma vingança contra o sistema.


Na quinta história temos um caso de atropelamento de uma mulher grávida pelo filho de um rico empresário (o ator Oscar Martinez). Ao descobrirem que a jovem morrera no hospital junto com seu o bebê, resolvem chamar o advogado da família que traça um plano: a culpa recairá sobre empregado da casa e este receberá a vultosa quantia de 500.000 dólares que lhe permitirá, ao sair da prisão, viver uma vida de luxo ao lado de sua família. Com a chegada do promotor local e uma breve investigação, este conclui que o pretenso acusado não poderia ser o responsável pelo delito. Conversando com o promotor, o advogado diz que ele aceitará participar da farsa por 100.000.000 de dólares. Quando tudo parece estar certo, o empresário, diante de uma nova informação, resolve que não pagará mais ninguém.


No sexto e último episódio, um casal apaixonado celebra a sua festa de casamento em um hotel ao lado de seus familiares e amigos. Um determinado evento levantará suspeitas da noiva Romina (Erica Rivas) sobre uma mulher que pode ser a amante de seu futuro marido. Romina entra num processo de loucura temporária e começa uma confusão sem precedentes que afetará a todos. 
 

Relatos Selvagens pode ser classificado como "episódios de humor negro". As histórias não possuem relação entre si, sendo que cada uma tem uma conclusão diferente. O diretor Damián Szifron dirigiu um filme que fala sobre os aspectos humanos e que, em determinadas histórias, faz com que o público sinta uma identificação quase imediata. Os episódios, como já citado, beiram o insólito e também um cotidiano que pode realmente acontecer. O insólito fica por conta do primeiro e último episódios.               
No primeiro episódio “Pasternak” vemos que uma conjunção de planetas é mais plausível de ser vista do que uma pessoa reunir todos os desafetos em um único avião para vingar-se. Acreditar que todos interromperam suas vidas para estar ali juntos, pode fazer com que o espectador desista logo nesta história. A ideia foi realizar uma história no estilo “Além da Imaginação”, onde não há fatos que contradigam que a história não seja de cunho sobrenatural. Aqui a intenção é criar curiosidade pelo que virá. E inspirações não faltaram ao diretor como veremos a seguir.


No segundo episódio “Las Ratas” talvez o principal mote seja: a vingança é um prato que se come frio? Qual o limite moral de utilizá-la como um meio de punir aqueles que nos causaram sérios danos? Aqui há uma dualidade de personalidades. A jovem garçonete sente ódio pelo homem que está à sua frente. Sua civilidade e preceitos morais a impedem de fazer mal aquela pessoa que destruiu sua vida. A cozinheira já não possui as mesmas características de sua amiga. Seu mundo é mais cinza e já esteve do outro lado da lei, o que pode ter lhe dado outra visão do mundo. Um mundo onde uns pagam e outros não. Sua motivação é completamente diferente e as consequências parecem não lhe importar. Essa guerra do bem contra o mal torna essa história bem reflexiva.


No terceiro episódio “El Más Fuerte” temos dois homens que chegam à margem da bestialidade e fúria para se destruírem. Um homem expõe seus preconceitos de modo enfático, mas não conta com uma “trapaça” (ou justiça) do destino que o coloca frente à frente com o furioso homem da estrada que não gostou de sua atitude. Esse homem é violento ao extremo e desperta no outro a mesma fúria incontrolável. Em alguns momentos chega ser engraçado, outros, repugnante. A ideia é mostrar o quão violento pode ser o ser humano quando ultrapassa a fronteira da razão.


No quarto episódio “Bombita”, temos o ator Ricardo Darin, como o grande chamariz da produção, em seu “Um Dia de Fúria”, uma alusão ao filme de Joel Schumacher protagonizado por Michael Douglas. Não que o filme copie a ideia, mas passa a sensação de uma livre inspiração do tema. Simón é um homem que descobre a burocracia de um departamento de trânsito que não é voltado à atender as necessidades dos clientes, apenas os punem. Em suas palavras: “toma o dinheiro do contribuinte”. Não há como o espectador brasileiro não se espantar que no país ali ao lado exista o mesmo tipo de problema e ter uma identificação imediata com o tema. O episódio é muito bem realizado e o ator nos presenteia novamente com um ar de incredulidade e desesperança que torna esta sátira social talvez a melhor das seis histórias apresentadas. Sua criativa vingança e seu destino são o ponto alto desta parte do roteiro.


O quinto episódio “La Propuesta” me lembrou o filme turco “Os Três Macacos”, pois coloca um empregado para assumir uma morte no trânsito em troca de uma quantia que o tornará rico e resolverá seus problemas familiares. Mas as semelhanças param por aí. Neste que talvez seja o mais engraçado, o que parecia um plano genial transforma-se em uma disputa por quem consegue tirar mais dinheiro do rico empresário, até que sua paciência se esgota e a ideia é abortada. Aqueles que trabalham com negociação perceberão algumas partes que podem ser um bom motivo de discussão. O humor negro impera neste episódio que também é muito interessante.


No sexto episódio “Hasta que la Muerte nos Separe” temos de tudo um pouco: amor, traição, ódio, loucura, confusão, vingança e novamente aquele ar de insólito que surge já no final. As situações são divertidas e a transformação da noiva boazinha e amorosa em uma mulher que perde seus limites, briga, discute e ameaça o marido de traí-lo com todos fecha com chave de ouro este filme que, não por acaso, levou quase três milhões de espectadores aos cinemas argentinos, abrindo a Mostra de São Paulo e sendo bem recebido no Festival de Cannes.


Relatos Selvagens é uma boa mostra de como um bom filme pode ser feito, sem necessidade de nudez apelativa ou humor escrachado. Aqui a sofisticação faz a diferença. Um ótimo roteiro conduzido por um bom diretor com um elenco de performance ímpar. Esses ingredientes tornam a produção uma ótima reflexão do ser humano na sociedade cotidiana.



Trailer:



Curiosidades:

Em Londres, as salas que exibiram o filme colocaram um alerta no relativo ao  primeiro episódio, pois de acordo com os informes o Airbus A230 teria se  chocado contra os alpes franceses por motivos de o piloto estar em tratamento psiquiátrico. Como essa história tem certa semelhança, as pessoas poderiam sentir-se incomodadas.




Cartaz:






Breve Filmografia:

Ricardo Darín:









Nove Rainhas (2000); O Segredo dos Seus Olhos (2009); Um Conto Chinês (2011); Elefante Branco (2012); Tese Sobre um Homicídio (2013); Sétimo (2013);  Relatos Selvagens (2014); Truman (2015)

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