quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O HOMEM QUE NÃO VENDEU SUA ALMA / A MAN FOR ALL SEASONS (1966) - REINO UNIDO



PELO DIREITO E LIBERDADE DE PENSAR

Século XVI.  Henrique VIII é o rei da Inglaterra, casado com a rainha espanhola Catarina de Aragão, que desposara, após seu irmão mais velho vir a falecer. As pressões para obter um herdeiro masculino, evitando uma mudança na dinastia Tudor, aumentam com o rei desejando anular o casamento com a rainha e, assim, casar-se com a dama de companhia desta, Ana Bolena, de quem Henrique era amante. Com a recusa do Vaticano de lhe conceder tal benefício, os bispos ingleses rompem com Roma e Henrique VIII é declarado "Chefe Supremo da Igreja na Inglaterra". Thomas More, Lorde Chanceler da Inglaterra, católico devoto, decide seguir sua consciência e não servir a um rei que viola as leis de Deus. Quando Henrique VIII o chama para confirmar sua posição como líder da Igreja que havia fundado, abdica, de seu alto cargo e renda, mas mantém silêncio sobre o motivo de sua decisão, não a revelando nem à família como forma de proteção.  Seu silêncio reservado é interpretado como desaprovação, o que incomoda o rei e a cúpula vigente.  O cerco começa a se fechar e More sabe que não poderá ser julgado se não pronunciar algo que confronte a decisão de seu rei, enquanto seus opositores tentam levá-lo a julgamento como traidor provando que o silêncio é uma forma também de falar. 



Com o roteiro adaptado por Robert Bolt, a partir de sua própria peça de teatro, "O Homem que Não Vendeu Sua Alma" (título nacional bem melhor que o original) prova-se um filme inteligente, mostrando um homem cujo silêncio falava mais forte do que palavras. O filme nos revela More como um homem íntegro, conhecedor de aspectos jurídicos, pensador perspicaz e conhecedor do uso e colocação das palavras nos momentos cruciais. Tudo que More deseja agora é se afastar da vida pública e ter uma vida mais reservada junto à família e seus livros, mas sua atitude incomoda aqueles cuja crenças e valores são voláteis de acordo com o panorama político. More descobre seus amigos tentando persuadi-lo a aceitar o divórcio do rei e seu novo enlace, mas suas convicções o impedem. Alguns dizem que o que seu rei ordena deve ser obedecido, pois detém o poder supremo de um reinante, bem como o juramento de obediência, mas More as rejeita perguntando se a lei dos homens sobrepõem as de Deus. É uma pergunta que incomoda, numa época que, em quase sua totalidade as pessoas preferem não ter problemas com o Rei . O ex-chanceler sabe que suas convicções o levarão a um trágico fim, mas deve renunciar ao errado e abraçar o que seus pares consideram como certo, endossando publicamente assim o casamento real através da liderança de uma nova igreja? (aqui no caso a Igreja Anglicana ou o Anglicanismo). A Igreja da Inglaterra (ou Anglicana) teve sua origem entre os antigos celtas, e no século VI havia sido incorporada à Igreja Católica. Agora com a renuncia a autoridade papal, voltava a ser independente de Roma.



Vencedor de seis Oscar, tem no elenco sua força central. Paul Scofield, em seu primeiro papel importante no cinema, nos apresenta um More impetuoso e determinado em suas convicções, ciente de suas atitudes e aonde estas o levarão. A grande vantagem que o ator levou para as telas foi o fato de tê-lo interpretado também nos palcos.  Leo McKern interpretando seu opositor, Thomas Cromwell, criou um personagem cujos atos sempre se revelam em uma forma de colocar More em alguma contradição ou traição. O modo como maliciosamente manipula os eventos e envolvidos a sua volta o torna um vilão sombrio, pincelado de atitudes nefastas. John Hurt (bem jovem aqui) interpreta Richard Rich que solicita a More um bom emprego na corte, mas diante da constante negativa atua de forma subreptícia em prol de seus interesses, aliando-se a Cromwell, mostrando que desejos materiais, em muitas pessoas, tem aspectos mais relevantes do que integridade, honestade e lealdade. Sua atitude durante o julgamento será o contra-peso da balança que imprimirá o destino de Moore. Nigel Davenport, como o duque de Norfolk, faz um grande amigo de More, mas que muda de lealdade de acordo com a direção que os ventos dos acontecimentos lhe mostram mais favoráveis. Orson Welles, em cinco minutos de atuação, consegue imprimir uma força ao seu cardeal Wolsey que fica muito difícil esquecê-lo no restante do filme. Robert Shaw faz o Rei Henrique, que vê em More um grande amigo e um homem a ser respeitado, se decepcionando ao saber de sua conduta. A destacar Susannah York como a inocente filha de  More e Vanessa Redgrave, em rápida aparição, como Ana Bolen. 


Há abordagens muito interessantes no filme como: independência de pensamento; conduta religiosa, ética, moral e política; disputas no tribunal; lealdade; traições e conchavos. E pensamentos bem interessantes: "Quando os estadistas preferem sua própria consciência aos seus deveres públicos estão levando o país ao caos por um atalho"; ou a fala do rei: "uns me seguem por causa da coroa, outros são chacais de dentes afiados e a multidão me segue porque segue tudo que se move"; " respeito é água no deserto"; "o que importa é que acredite, ou melhor não que acredite, mas que eu acredito".


O Homem Que Não vendeu Sua Alma do diretor Fred Zinnemann ( Matar ou Morrer, A Um Passo da Eternidade, O Dia do Chacal) não é um filme para todos: tem um ritmo mais cadenciado e será melhor apreciado por quem gosta de entender um pouco da história (no caso, da Inglaterra). Mistura também religião com política, como era comum naquela época. Para o público brasileiro talvez um melhor esclarecimento dos fatos seria bem vindo, pois há aspectos da história que não são explorados e os diálogos entre os personagens tornam-se importantes neste ponto (os explico abaixo, antes de "curiosidades"). Ainda assim tem momentos bem reflexivos, devido More ter sido um pensador e possuir um ótimo poder de argumentação. Um drama de época que merece ser redescoberto pelas novas gerações.


Trailer:






O que faltou ao filme explicar em maiores detalhes:
A jovem Catarina de Aragão afirmou que o casamento com Artur Tudor (irmão mais velho de Henrique VIII), Príncipe de Gales,  não havia sido consumado devido a pouca idade de ambos, e uma dispensa papal foi requisitada, porque o direito canônico dizia que um homem não poderia casar com a mulher de seu irmão (Leviticus 18;16). O Papa Júlio II a concedeu em 1505. Catarina estava com 23 anos, e Henrique próximo dos 18. Casaram-se em 1509. Catarina esteve grávida sete vezes, sendo que apenas uma filha sobreviveu. Os demais morreram ao nascer ou algum tempo depois. 
Em 1527, o rei pediu ao papa Clemente VII, a efetivação do divórcio.  Catarina era tia de Carlos V que era protegido do Papa que, para não desagradá-lo, negou o pedido de divórcio. Em 1533, o casamento de Henrique e Ana Bolena (Henrique queria um herdeiro) é feito secretamente ignorando a autoridade papal . Nascia assim a Igreja Anglicana e o papa excomungaria Henrique VIII. Catarina de Aragão nunca renunciou ao título de Rainha Consorte sendo confinada no castelo de Kimbolton até o seu falecimento em 1536

Curiosidades:

Levítico 18:16 "Não descobrirás a nudez da mulher de teu irmão, pois é a própria nudez de teu irmão".

Orson Welles (cardeal Wolsey) usou uma duplicata exata do selo oficial de Wolsey, além de um autêntico pergaminho de pele de carneiro e uma caneta de pena.

O produtor e diretor Fred Zinnemann, como citado em sua autobiografia, chama esse filme de o mais fácil que ele já fez, graças ao extraordinário calibre da equipe, aos atores e atrizes, e à maneira como eles trabalharam juntos.

Charlton Heston fez um forte lobby pelo papel de Sir Thomas More, mas nunca foi considerado seriamente pelos produtores como candidato ao papel. Heston interpretou More em várias produções teatrais da peça e, finalmente, filmou uma produção televisiva dela em 1988.

As cenas de julgamento e execução são baseadas muito de perto em um relato de testemunha ocular, publicado anonimamente no Paris Newsletter de 4 de agosto de 1535.

Segundo Orson Welles, ele retirou Fred Zinnemann do set e dirigiu suas cenas. No entanto, em sua autobiografia, Zinnemann, enquanto discute o elenco e trabalha com Welles, não faz nenhuma menção a isso.

Embora nunca seja mencionado neste filme, Lady Alice More não era a mãe de Margaret More. Antes de Alice, Sir Thomas More havia sido casado com uma mulher chamada Jane Colt, com quem ele teve quatro filhos. Depois de sua morte, More se casou quase imediatamente com Alice, que também era viúva. Eles não tiveram filhos, mas ela criou Margaret como sua.

Richard Burton recusou o papel de Sir Thomas More, que permitiu que a parte fosse para Paul Scofield, ganhando o Oscar de Melhor Ator.  Dirk Bogarde foi considerado para o papel de Sir Thomas More.

Peter O'Toole foi a primeira escolha para interpretar Henrique VIII.

Foi a única vez que Robert Shaw e Orson Welles trabalharam juntos, mas em 1970, quando Shaw estava alugando a casa de Welles em Madri, ele acidentalmente iniciou um incêndio, que destruiu muitos dos roteiros e filmes inacabados de Orson.

O produtor executivo William N. Graf originalmente queria Sir Laurence Olivier como Sir Thomas More e Sir Alec Guinness como cardeal Wolsey, mas o produtor e diretor Fred Zinnemann insistiu em Paul Scofield (que havia originado seu papel na peça teatral) e em Orson Welles no filme

Cinco das pessoas históricas representadas neste filme tinham o primeiro nome Thomas: Sir Thomas More, cardeal Thomas Wolsey, Thomas Cromwell, arcebispo Thomas Cranmer e Thomas Howard, Duque de Norfolk. Talvez para evitar confusão, na peça e no filme, o único personagem referido como Thomas seja Sir Thomas More.

Robert Shaw tornou-se o segundo ator indicado ao Oscar por interpretar Henrique VIII, depois de Charles Laughton. Mais tarde, Richard Burton também foi indicado por interpretar o monarca, tornando-o um dos poucos papéis a dar origem a três indicações distintas. 

Corin Redgrave (Roper) e Vanessa Redgrave (Anna Bolena) são irmãos na vida real.

O elenco inclui quatro vencedores do Oscar: Paul Scofield, Wendy Hiller, Orson Welles e Vanessa Redgrave; e três indicados ao Oscar: Robert Shaw, Susannah York e John Hurt.

Richard Harris foi considerado para a parte de Henrique VIII.

Foi oferecido a Frank Finlay e Bill Travers o papel de Thomas More. Finlay recusou em favor de Paul Scofield (que havia criado o papel no palco) e Travers declinou para se concentrar em A História de Elsa (1966).

Nigel Davenport recebeu seu papel quando John Huston recusou. 

Foi oferecido a Julie Christie o papel de Margaret More.

Incluído na lista dos quatrocentos filmes do American Film Institute, de 1998, nomeados para os 100 melhores filmes americanos.


Susannah York em Superman I (1978)















Filmografia Parcial:
Paul Scofield (1922–2008)
 

 










A Favorita de Felipe II (1955); O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); Rei Lear (1971); Anna Karenina (1985); Sótão: O Esconderijo de Anne Frank (1988); Salvem as Baleias (1989); Henrique V (1989); Hamlet (1990); Quiz Show: A Verdade dos Bastidores (1994); As Bruxas de Salém (1996);

Leo McKern (1920–2002)
 

 










O Estranho de um Mundo Perdido (1956); A Sombra da Forca (1957); À Beira do Cadafalso (1958); Algemas Quebradas (1959); O Rato que Ruge (1959); O Dia em Que a Terra se Incendiou (1961);O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); As Sandálias do Pescador (1968); A Filha de Ryan (1970); O Irmão mais Esperto de Sherlock Holmes (1975); A Profecia II (1978); A Lagoa Azul (1980); A Mulher do Tenente Francês (1981); Rei Lear (1983); A Maldição do Espelho (1985); Ladyhawk -O Feitiço de Áquila (1985); Damião: O Santo De Molokai (1999)

Robert Shaw (1927–1978)
 

 










O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (1966); As Novas Viagens de Sinbad (voz - 1973); Golpe de Mestre (1973); O Sequestro do Metrô (1974); Tubarão (1975); Robin e Marian (1976); O Fundo do Mar (1977); O Comando 10 de Navarone (1978).

Orson Welles (1915–1985)
 

 










Cidadão Kane (1941); Jornada do Pavor (1943); O Estranho (1946); A Dama de Shanghai (1947); Macbeth - Reinado de Sangue (1948); Otelo (1951); O Vale da Esperança (1954); Napoleão (1955); Moby Dick (1956); O Mercador de Almas (1958); A Marca da Maldade (1958); Estranha Obsessão (1959); David e Golias (1960); Os Bravos Tártaros (1961); Marco Polo, O Magnífico (1965); O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); Casino Royale (1967); Édipo Rei: A Tragédia de um Rei (1968); O Último Romano I (1968); O Último Romano II (1969); Ardil 22 (1970); Waterloo (1970); O Homem de Duas Vidas (1972); A Viagem dos Condenados (1976); Where Is Parsifal? (1984)

Nigel Davenport (1928–2013)
 

 










Othello (1955); Cicatrizes D'Alma (1963); Verdade Oculta (1964); Leilão de Almas (1965); O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); Dial M Para Matar (1967); Vítimas da Corrupção (1968); O Homem que Nasceu de Novo (1970); O Último Refúgio (1971); Mary Stuart, Rainha da Escócia (1971); Vivendo Livremente (1972); O Atentado (1972); Drácula (1974); Fase IV: Destruição (1974); A Ilha do Dr. Moreau (1977); Alvorada Sangrenta (1979); Carruagens de Fogo (1981); Falcões da Noite (1981); Greystoke: A Lenda de Tarzan, o Rei da Selva (1984); Um Conto de Natal (1984); Sherlock & Eu (1988); David Copperfield, uma História de Charles Dickens (2000); Bater ou Correr em Londres (2003) 


John Hurt (1940–2017)
 










O Homem Que Não Vendeu Sua Alma (1966); A Lenda da Flauta Mágica (1972); O Carniçal (1975); O Expresso da Meia-Noite (1978); Alien, o Oitavo Passageiro (1979); O Homem Elefante (1980); A História do Mundo - Parte I (1981); O Casal Osterman (1983); 1984 (1984); Jake Speed (1986); S.O.S.: Tem um Louco Solto no Espaço (1987); Incontrolável Paixão (1987); Escândalo: A História que Seduziu o Mundo (1989); Terra da Discórdia (1990); Frankenstein, o Monstro das Trevas (1990); Rei Por Acaso (1991); Rob Roy, a Saga de uma Paixão (1995); Contato (1997); O Capitão Corelli (2001); Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001); Incrível Obsessão (2003); Hellboy (2004); A Chave Mestra (2005); Tiros em Ruanda (2005); V de Vingança (2005); Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008); Hellboy II: O Exército Dourado (2008); Outlander: Guerreiro vs Predador (2008); Nova York, Eu Te Amo (2008); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011); O Espião Que Sabia Demais (2011); Imortais (2011); Expresso do Amanhã (2013); Hércules (2014); That Good Night (2017); Damascus Cover (2017)


Susannah York (1939–2011)
 

 










Freud - Além da Alma (1962);  As Aventuras de Tom Jones (1963); Caleidoscópio (1966); O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); A Noite dos Desesperados (1969); Fortaleza Proibida (1976); Superman: O Filme (1978); Reencarnação (1980); Superman II: A Aventura Continua (1980); Um Conto de Natal (1984); Querida Assassina (1987); Uma História de Amor (1988);  Visitors - Nas Profundezas do Medo (2003); O Justiceiro Mascarado (2008)

Vanessa Redgrave
 

 









O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); Blow-Up - Depois Daquele Beijo (1966); Camelot (1967); A Carga da Brigada Ligeira (1968); Isadora (1968); Oh! Que Bela Guerra! (1969); Os Demônios (1971); Mary Stuart, Rainha da Escócia (1971); Visões de Sherlock Holmes (1976); O Mistério de Agatha (1979); Sombras do Passado (1985); O que Terá Acontecido a Baby Jane ?(1991); A Jovem Catarina (1991); Retorno a Howards End (1992); A Casa dos Espíritos (1993); Paixão Assassina (1993); Fuga para Odessa (1994); Missão: Impossível (1996); Wilde - O Primeiro Homem Moderno (1997); Déjà Vu (1997); Impacto Profundo (1998); Garota, Interrompida (1999); Quando os Anjos Falam (2000); A Condessa Branca (2005); O Senhor dos Ladrões (2006); Desejo e Reparação (2007); Aprisionados (2008); Cartas para Julieta (2010); A Informante (2010); Anônimo (2011); Canção para Marion (2012); O Mordomo da Casa Branca (2013); Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2014); Richard III (2016); Estrelas de Cinema Nunca Morrem (2017); Mrs Lowry & Son (2019)

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