“UM BARCO SEM RATOS? TAL COISA É CONTRA A NATUREZA!”
1897. A escuna russa Demeter
está prestes a zarpar de um porto em Varna, na Bulgária, rumo a Londres, com uma pequena tripulação, levando uma carga desconhecida
por um bom valor e um bônus caso chegue pontualmente em seu destino. O capitão Eliot (Liam Cunningham) tenta recrutar mais marujos,
porém coisas estranhas parecem surgir: nenhum dos aldeões responsáveis por
trazer a carga parecem tranquilos, na verdade, mostram-se afoitos em retornar o
mais rápido possível para os seus lares antes do pôr do sol. Ao uma das cargas se soltar dentro do
navio, um dos homens recrutados (o ator Noureddine Farihi (1957-2022)) mostra-se
assombrado pelo símbolo que vê na caixa e abandona rapidamente o barco, deixando uma
advertência de mal presságio.
Clemens (Corey Hawkins) é um médico formado em Cambridge e que foi “excluído” da medicina por causa de sua cor. A princípio, é recusado no navio com o motivo de não aparentar ser um homem capaz de aguentar o trabalho que uma escuna precisa, mas diante da desistência do marujo e por salvar o neto do capitão de um acidente, ele consegue convencer Eliot de que ter um médico a bordo pode ser de grande valia, ainda que diga ser capaz de lidar com outras tarefas. O navio parte com outros tripulantes: o primeiro imediato russo Wojchek (David Dastmalchian); o cozinheiro religioso Joseph (Jon Jon Briones); o garoto Toby (Woody Norman), neto do capitão; Olgaren (Stefan Kapicic); o russo Petrofsky (Nikolai Nikoleff); o jovem Abrams (Chris Walley) e Larsen (Martin Furulund).
Durante a viagem, uma das “caixas” se abre acidentalmente e a tripulação descobre conter uma aparente clandestina (Aisling Franciosi). Ao analisar o estado da Jovem, Clemens acredita estar diante de uma doença misteriosa, que necessitará de algumas transfusões de sangue. Os animais, levados no navio para alimentarem a tripulação, aparecem trucidados tornando a comida escassa. Quando a jovem recobra a consciência, ela confidencia a Clemens que algo diabólico e terrível se encontra dentro do barco, uma criatura horrenda e mortífera e que provavelmente todos no navio serão presas fáceis contra algo que eles nunca ouviram falar. Mas sua versão parece ser delirante e fantasiosa demais.
Levar às telas o
filme não foi uma tarefa simples. Foram quase 20 anos para finalmente “O Diário
do Capitão” sair do papel, pois vários diretores foram cogitados (Marcus
Nispel, Neil Marshall, Robert Schwentke...). Já o roteiro, sofreu diversas
mudanças e lapidações e o elenco, em detrimento disso, precisava ser
constantemente repensado. O nascimento do projeto aconteceu pelas mãos do
roteirista Bragi F. Schut quando trabalhava em uma loja e viu a miniatura de
Demeter usada em “Drácula de Bram Stoker” (1992). O roteiro original não tinha
a personagem Anna, em vez disso, apresentava uma tripulação totalmente
masculina. Noomi Rapace foi escalada como Anna e Ben Kinsley como o capitão do
navio (em 2010). Rapace acabou realizando Prometheus (em 2012). Viggo Mortensen
foi contratado para estrelar o filme, mas acabou saindo. Jude Law foi outro
ator cogitado. O ator David Dastmalchian também havia escrito um roteiro
abordando esse evento. Quando a produtora o informou que um projeto já estava
em desenvolvimento, ele fez um teste para conseguir um papel no filme, obtendo
o de Wojceck. De acordo com o maquiador Göran Lundström, o plano original era
representar cinco fases diferentes para Drácula, incluindo uma metamorfose
licantropa (lobisomem) que atacaria Petrofsky, mas a ideia não foi à frente
para não causar confusão na mente dos espectadores. Inclusive, no livro
"Drácula", este também pode assumir a forma de um lobo (Quem viu
"Drácula" com Frank Langela se lembrará da cena inicial – aliás este
filme emenda bem com o filme de 1979). Essa forma surge apenas em cenas
deletadas.
Os vampiros sempre foram uma espécie de pedra angular do cinema de terror e as melhores adaptações lograram êxito em apresentá-lo tanto como homem quanto como monstro, mas aqui os envolvidos resolveram revelá-lo de uma forma crua (e cruel), excluindo o lado sensual de um personagem que conquista suas vítimas. Nosso Drácula aqui é apenas uma criatura sedenta de sangue, um predador incansável, mas nunca isento de raciocínio (como Anna revela) e que precisa se alimentar até chegar ao seu destino. O interessante é saber que o público conhece, de antemão, a força sobrenatural da criatura e seu objetivo, mas para a tripulação (menos Anna) eles estão lidando com algo completamente desconhecido, sem prévias informações, que surge e parece desparecer na escuridão do mar à noite ceifando uma vida atrás da outra. E cabe aos que tentam manter-se vivos tentar obter alguma vantagem, uma mínima percepção do que possa salvá-los.
Øvredal citou “Alien”, mas esse, quando lançado, era um personagem completamente desconhecido para o público e para os personagens, mas aqui não. E no Brasil, ainda foi introduzida a palavra “Drácula” (para atrair o público, visto que o nome é citado no filme) no título, um artifício que destrói qualquer surpresa a quem não leu a sinopse.
Quanto a criatura, a visualização intentada aqui é uma variação particularmente grotesca, altamente violenta e demoníaca e que funciona para a proposta do filme. Muitos perceberão que parecemos estar diante de um Gárgula Medieval (um artifício interessante que remete o público ao inconsciente de criaturas semelhantes no topo de igrejas europeias – muito comum em filmes de terror). Já a atmosfera revela-se sombria e assombrada - mesmo nas cenas ambientadas durante o dia. E o diretor soube muito bem trabalhar a crescente sensação de desespero e desesperança (“A Autópsia” é um bom exemplo do trabalho do diretor nesse sentido) que vai se amplificando, principalmente, no terço final.
O elenco funciona muito bem. O ator Javier Botet (“It”, “Histórias Assustadoras para Contar no Escuro”, “Mama”), por trás de pesada maquiagem, próteses e efeitos, interpreta o “mal em sua essência” dando expressões necessárias ao personagem. Liam Cunningham (Games of Thrones), como capitão, entregou um personagem que o roteiro precisava: um capitão que resolvera se aposentar nesta última viagem e que se apresenta quase inerte diante do horror que surge diante de seus olhos. Corey Hawkins (“Straight Outta Compton: A História do N.W.A”. (2015), “Kong: A Ilha da Caveira” (2017) e “Infiltrado na Klan” (2018)) faz o médico que deseja aproveitar a ida da escuna para Londres e começar uma nova vida. Ele acaba sendo o fio condutor dessa narrativa (e como ele faz a transfusão de sangue sem identificar o tipo sanguíneo de sua paciente, para mim é um mistério, pelo menos na versão em que assisti). A atriz irlandesa Aisling Franciosi (do seriado “The Fall” e do filme “Imperdoável”), cujo personagem é visto como “mau-agouro”, por ser uma mulher no navio, consegue se destacar frente a um elenco predominantemente masculino. O restante do elenco complementa muito bem o filme.
Drácula – A Última Viagem do
Demeter é um filme que provavelmente agradará parte do público que curte filmes
de Drácula, mas poderá desagradar aqueles que se apresentam mais conhecedores
do personagem (dotado de uma poderosa imagem metafórica), que são mais exigentes,
e que assistiram diversas produções do personagem, aptos em elaborar
comparações. Se o filme se tornará uma produção clássica, só o tempo dirá
(muitos filmes lançados sofrem revisões posteriores que os reclassificam como obras
de gosto amplo), mas apresenta um ar de novidade, de revitalização, ainda que
em um momento ou outro pareça um filme B. Ambientar o filme no navio,
respeitando à época, foi um acerto, mas o seu clímax final nos remete, ao infeliz,
cansativo e repetitivo artifício de Hollywood em preparar um gancho para futuras
continuações na expectativa do filme apresentar um bom desempenho de bilheteria (o que não aconteceu) ou arregimentar fãs no streaming. Um filme muito interessante e que complementa
uma mitologia largamente explorada pelo cinema.
Trailer:
Orçado em US$ 45.000.000 (estimativa). Faturamento Bruto Mundial: US$ 21.786.275
O visual do Drácula é baseado
no Conde Orlok da adaptação não autorizada Nosferatu (1922). Esse também foi o
modelo para o visual do vampiro Barlow no original Os Vampiros de Salem (1979)
Drácula tem uma bengala com
cabeça de lobo. No livro, Drácula se transforma em lobo, além de morcego e
névoa.
No romance original, "O
Diário de Deméter" tem apenas cinco páginas.
Antes de aprender sobre
Drácula, a tripulação suspeita que a morte dos animais se deva à raiva, mas
rapidamente descarta a ideia por não se adequar à situação. O vampirismo,
especialmente descrito por Bram Stoker, é fortemente baseado na progressão do
vírus da raiva em humanos e influencia a associação dos vampiros com morcegos e
lobos, dois animais que comumente transmitem raiva.
Na antiga religião e mitologia
grega, Demeter é a deusa olímpica da colheita e da agricultura. Embora ela seja
mais conhecida como uma deusa dos grãos, ela também apareceu como uma deusa da
saúde, do nascimento e do casamento, e tinha conexões com o submundo.
A viagem da Transilvânia para
a Inglaterra teria sido realmente árdua na época. A Transilvânia fica no
interior do porto romeno de Constanta, no Mar Negro, então primeiro a carga
teria viajado por estrada e depois por rio até o navio na Bulgária. Em seguida, teriam descido o
mar através do Estreito de Bósforo, atravessariam o Mar de Mármara e entrariam no Mar Mediterrâneo. De lá, sairiam pelo Estreito de Gibraltar e subiriam em direção à
Inglaterra. À vela, a viagem teria durado muitas semanas, com escalas feitas em
outros portos de carga ao longo do caminho.
Drácula precisava da sujeira
de sua terra natal (a terra) para regenerar sua saúde e garantir que
descansasse bem enquanto vivia em terras estrangeiras.
O filme quase apresentou duas
outras mulheres, embora como cadáveres, que foram descobertas por Clemens e
Anna como tendo sido guardadas por Drácula para alimentação. As cenas podem ser
vistas entre as cenas deletadas.
O filme se passa na década de
1890 e Clemens faz questão de observar que ele se formou na faculdade de
medicina de Cambridge. Cambridge só admitiu estudantes afrodescendentes em sua
faculdade de medicina cerca de vinte anos depois, e o primeiro estudante afrodescendente
a se formar em medicina só se formou em 1918.
O produtor Bradley J. Fischer
revelou que o final quase incluiu uma participação especial do professor
Abraham Van Helsing. Ele afirmou: "Passamos por muitas abordagens
diferentes para a história, mas nada que fosse muito diferente do filme que
terminamos, na verdade tivemos um final por um bom tempo. A cena na taverna seria
com um sobrevivente sendo abordado por um homem estranho e sombrio, que inicia
uma conversa e parece ter algum conhecimento das experiências pelas quais ele
passou, se apresentando como Van Helsing”
Embora os créditos sejam
"Baseado no capítulo “Diário do Capitão” de “Drácula de Bram
Stoker", isso não é totalmente preciso. O Capítulo 7 de "Drácula" é na
verdade intitulado “Recorte do The Dailygraph”, 8 de agosto (colado no Diário
de Mina Murray) e dentro desse capítulo há uma seção “Diário de Demeter”. Esta
seção, e as partes antes e depois da seção do Capítulo 7, é onde este filme se situa
mais precisamente.
O segundo de dois filmes da
Universal de 2023 com o Conde Drácula; o outro é Renfield – Dando o Sangue Pelo
Chefe (2023).
Thomas Newman foi originalmente
escalado para fazer a trilha sonora do filme, mas desistiu devido a conflitos de
agenda sendo substituído por Bear McCreary.
A bengala com cabeça de lobo
que Drácula carrega é uma referência à bengala usada por Lawrence Talbot em "' Lobisomem" / The Wolf Man (1941).
Quando o diretor David Slade
foi escolhido para dirigir, ele queria que Jude Law fizesse o papel principal.
O filme foi lançado em 11 de
agosto, três dias após a data indicada para a queda do Demeter no romance
original do Drácula.
As sequências no porto búlgaro,
do início do filme, foram filmadas em Malta, compartilhando locações com “Gladiador”
(2000).
Último filme do ator Noureddine
Farihi, que faleceu em 2022, aos 65 anos, em decorrência de um câncer
Cartazes:
Filmografias
Parciais:
Corey Hawkins
Liam Cunningham
Aisling Franciosi
Jimmy's Hall (2014), Legends: Identidade Perdida (série 2015), The Fall (seriado - 2013–2016), Game of Thrones (seriado 2016–2017 - 2 episódios), Nightingale (2018), Home (2020), Narciso Negro (Minissérie 2020), Imperdoável (2021), Criaturas do Senhor (2022), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023), Stopmotion (2023)
Javier Botet
Mistério no Lago (2005), [Rec] (2007), Quando a Porca Torce o Rabo (2007), Sexykiller, Morirás por Ella (2008), [REC] Possuídos (2009), Balada do Amor e do Ódio (2010), Diamond Flash (2011), La chispa de la vida (2011), Sin cobertura (2011), [Rec]³: Genesis (2012), Desafío final 5 (2012), Mama (2013), As Bruxas de Zugarramurdi (2013), El día del padre (2013), A Garota de Fogo (2014), [Rec] 4: Apocalipsis (2014), Dark Moor: Project X (2015), A Colina Escarlate (2015), O Regresso (2015), Do Outro Lado da Porta (2016), Invocação do Mal 2 (2016), O Guardião Invisível (2017), Os Portões Do Inferno (2017), Alien: Covenant (2017), A Múmia (2017), Exorcismos e Demônios (2017), Depois do Apocalipse (2017), It: A Coisa (2017), Sobrenatural: A Última Chave (2018), Slender Man: Pesadelo Sem Rosto (2018), Mara: o Demônio do Sono (2018), Morte Instantânea (2019), Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019), It: Capítulo Dois (2019), Amigo (2019), La Reina de los Lagartos (2019), O 3º Andar: Terror na Rua Malasaña (2020), O Que Ficou Para Trás (2020), Diários da Quarentena (2020), Vozes (2020), Camera Café, la película (2022), El Fantástico Caso del Golem (2023), Drácula - A Última Viagem do Demeter (2023)
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