QUEM COM FERRO FERE / QUIEN A HIERRO MATA (2019) - ESPANHA / FRANÇA

BOLA DE NEVE

Antonio Padín (Xan Cejudo) fora, outrora, um poderoso narcotraficante que passou alguns anos preso, mas ainda no comando da organização. Devido a idade avança e a uma saúde que está se debilitando rapidamente é concedido que ele seja libertado.  Antonio escolhe prefere ser internado em uma casa de repouso do que viver em sua casa ao lado de seus filhos Toño (Ismael Martinez), o mais velho, e Kiko (Enric Auquer), mais novo e de temperamento intempestivo. Enquanto os dois filhos tentam convencer Antonio que os deixem “tocar os negócios” este não vê em nenhum dos dois a capacidade de manter seu “império”, mas Kiko, principalmente, vê tudo de outra perspectiva crendo que Antonio deveria passar o cetro e viver seus tranquilos últimos dias na clínica.

Mario (Luis Tosar) é reconhecido como um dos melhores enfermeiros do local.  Considerado doce, amigável, ético, eficiente e muito paciente é querido por pacientes e amigos do trabalho. Quando descobre que Antonio virá para a clínica e que ficará sob seus cuidados, uma personalidade desconhecida até então começa a vir à tona: Mario trabalha com afinco para recuperar a capacidade motora de Antonio, porém, durante à noite começa a injeta-lhe drogas que irão aos poucos causar sofrimento e morte. Só que o então pacato enfermeiro não leva em consideração que se descoberto será preso e que sua esposa, grávida de seis meses, que desconhece as atitudes do marido, poderá estar em grande perigo. Mario será pego? Qual o motivo da vingança de Mário? Antonio escapará dessa cilada? E os filhos de Antonio, perceberão algo de estranho no pai?

O diretor Paco Plaza (da Trilogia Rec e Veronica) aborda conceitos bem interessantes como: causa e efeito; vida e morte; plantar e colher; algoz e vítima / vítima e algoz; justiça  e vingança juntando a isso ingredientes como suspense, reviravoltas, reflexão e um homem movido por uma sede de vingança que o torna juiz, júri e carrasco. Paco Plazo, sabiamente, a partir do roteiro de Juan Galiñanes e Jorge Guerricaechevarría (Cela 211), resolveu não tomar partido nas atitudes dos personagens, deixando que o espectador julgue por si só a conduta de cada um, mostrando que para algumas pessoas justiça é uma questão de perspectiva.

A força do filme está na dupla Luis Tosar (do interessantíssimo cela 211) e Xan Cejudo (falecido antes da estreia do filme). Tosar consegue passar ao espectador seu modo tranquilo de trabalhar e, depois, o que sempre habitou dentro de seu coração. O narcotraficante foi um gatilho inesperado para vir à tona aquilo que Mario sempre procurou ocultar: a extrema dor que carregava de um evento trágico de seu passado e como aquilo o consumia silenciosamente anos após anos. Agora o vulcão eclodiu em larva e consumirá o que puder a sua volta.  Xan Cejudo consegue passar várias emoções sem pronunciar palavras a partir de um ponto do filme: ele se torna refém do medo a partir do momento que toma ciência do porque sua saúde está declinado rapidamente e se vê sem saída por ter perdido as funções motoras, como pegar em lápis e falar. O único a escutar o seu grito de socorro é ele próprio.

O filme vai se entrelaçando paralelamente nas vidas dos demais protagonistas: todos estão ligados mesmos que não percebam isso. As atitudes de Antônio afetaram Mário. Agora as atitudes de Mário afetarão não só a Antonio como também a seus filhos que enfrentarão uma situação limite. E esses, se descobrirem as atitudes do enfermeiro, poderão afetar a vida de Mário e quem estiver ao seu redor. Um ciclo que poderá se tornar sem saída. Mário está cada vez mais perto de ser descoberto e essa tensão é passada para o espectador. Ao mesmo tempo que desaprova Mário em sua vingança contra um moribundo indefeso, mas que nunca foi uma pessoa boa, o espectador torce para que ele não seja pego pelos implacáveis filhos de Antônio que também possuem pessoas implacáveis em seus encalços por fracassarem em uma negociação. O tempo está correndo contra todos, até para a esposa de Mário, Julia (María Vázquez), que percebe a estranha mudança de seu esposo, outrora dedicado e ansioso pelo primeiro filho, agora a negligencia e parece obcecado com algo que ela sequer poder conjecturar.

Produção da Netflix, Quem com Ferro Fere é mais um belo filme da safra espanhola atual: tem bons personagens, ainda que os filhos de Antônio não tenham sido bem desenvolvidos, assim como o passado de Mario que deveria ter um desenvolvimento mais apurado. É uma produção com um ritmo mais cadenciado (não espere um filme aos padrões americanos), mas que prende até um final inevitável e, para muitos, inesperado. Nos mostra que nem sempre "a vingança não é um prato que se come frio", às vezes pode se tornar, no fim das contas, um prato muito indigesto a ser digerido. A bela fotografia de Pablo Rosso, colaborador habitual do diretor Paco Plaza, agrega ao filme.

Trailer:

Premiações:
Cinema Writers Circle Awards, Spain 2020
Gaudí Awards 2020
Goya Awards 2020
Mestre Mateo Awards 2020

Cartaz:



















Curiosidades:
A cena do parto foi uma situação real. O pai verdadeiro estava assistindo por trás das câmeras. A identidade do casal foi preservada

Filmografia Parcial:

Luis Tosar
Flores de otro mundo (1999); A Comunidade (2000); Lena (2001); Anjo da Morte (2002); Miami Vice (2006); Os Limites do Controle (2009); Cela 211 (2009); Conflito das Águas (2010); Enquanto Você Dorme (2011), O Que os Homens Falam (2012); Uma Noite no México (2013); El Niño (2014); Quien Com ferro Fere (2019); Intemperie (2019)