sexta-feira, 20 de outubro de 2017

A CHAVE DE SARAH / ELLE S'APPELAIT SARAH / SARAH'S KEY (2010) - FRANÇA



FERIDAS QUE NÃO SE APAGAM

Julho de 1942. A França está ocupada pelo exército alemão. Judeus franceses são retirados de suas casas e levados para o Velódromo de Inverno  sem as mínimas condições de higiene ou alimentação (durante o chamado "Regime de Vichy").  Sara Strazynski  (Mélusine Mayance), de 10 anos, consegue trancar seu irmão caçula em um armário secreto, ficando com a chave e acompanha seus pais.
2009. Julia Jarmond (Kristin Scott Thomas), uma jornalista americana morando em Paris, resolve escrever uma matéria para a revista que trabalha, abordando a ocupação alemã e o fatídico evento que parece esquecido nos tempos atuais. Ao pesquisar a casa onde o seu sogro viveu e onde será futuramente sua nova moradia, Julia descobre que pertenceu anteriormente aos Strazynski e passa a ficar obcecada em descobrir o que teria acontecido com aquela família e porque esse segredo nunca veio à tona.


A estória transita entre presente e passado. O presente com a Jornalista Julia (Kristin Scott Thomas), trazendo à tona um tema pouco conhecido: a omissão da França na extradição de seus cidadãos franceses de origem judaica e no passado, onde a polícia chega no prédio dos Strazynski, para levá-los e a jovem Sarah tem uma ideia rápida de esconder o irmãozinho dentro de um armário embutido, acreditando que a família estaria de volta em breve.


Nesse contexto, o filme do diretor Gilles Paquet-Brenner (Lugares Escuros) logra êxito ao extrair a obra homônima da escritora francesa Tatiana De Rosnay  condensando-o em uma produção de um pouco mais de uma hora e meia, onde passado e presente se unirão dentro da narrativa.



Com o título original "Elle S'Appelait Sarah" (literalmente "Ela se Chamava Sara"), teve um título internacional bem mais convidativo, onde aborda diversos aspectos. Obviamente o principal mote da trama gira em torno de Sarah e Julia cada uma com sua história de vida em épocas diferentes. Há os elementos centrais como o aceite da França na consecução do evento, a gravidez tardia de Julia em plena investigação dos fatos, com um marido pouco entusiasta de ter um novo filho em uma idade madura. Há a questão do aborto (que na França é permitido até 12 semanas de gestação com alguns requisitos); um casal de jovens iniciando a carreira na revista e que desconhecem completamente a história, uma crítica clara a uma terceira ou quarta geração que pouco tem interesse em  acontecimentos tão distantes (mas ainda tão recentes para quem está vivo). Esses aspectos se mesclam ao principal elemento do filme: a escolha de Sarah, uma criança de apenas 10 anos que num breve momento tomou uma decisão que mudaria tudo. A dor de um país simbolizado pela dor de Sarah.


Filmes sobre os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial e seu impacto sobre pessoas e famílias há vários. Quem viu "A Escolha de Sofia" sabe que a "escolha" da protagonista foi algo impossível de ser feita. “Uma Mulher em Berlin” aborda os cidadãos alemães, principalmente as mulheres, a mercê de um exército "libertador" com a guerra já perdida. “O Massacre de Nanquim” mostra o Japão  invadindo a China na Segunda Guerra e os horrores que os dois lados até hoje brigam por afirmar e negar a veracidade. Ou seja: Foi uma guerra que mudou tudo. Milhões morreram nos campos de guerra, outros em campos de concentração, outra parte viveu com os horrores que presenciaram, além dos que "morreram" por dentro (quem viu "O Homem do Prego" pode ter uma vaga ideia). As produções citadas são fortes. A Chave de Sarah é mais reflexivo. Nos leva a pensar nas decisões que tomamos e na irreversibilidade delas. Tudo é conduzido em um bom ritmo, sem atropelos. A estória se revela aos poucos, através dos olhos de Júlia que quer saber o que ocorreu na casa que seu marido quer morar. Os pais deles foram coniventes ou não sabiam de nada?. Julia vai encaixando as peças e os espectadores vão junto com direito a uma boa fotografia, bom elenco e uma direção de arte bem cuidadosa.




No elenco temos bons atores como Kristin Scott Thomas (O Paciente Inglês); Aidan Quinn (Enterrem Meu Coração na Curva do Rio); Niels Arestrup (do excelente O Profeta) e á ótima atriz mirim Mélusine Mayance  (de  Michael Kohlhaas - Justiça e Honra) que teve um interpretação excelente num papel bem difícil.


A Chave de Sarah é um drama forte que tem sua força na direção segura, no mistério investigativo e no ótimo elenco. A ideia de escalar uma atriz americana conhecida foi uma decisão muito acertada, pois além de ótima atriz Kristin trouxe as pessoas para assistam a uma produção francesa que, em muitos países, veio como "Sarah's Key", parecendo uma co-produção franco-americana, mas o filme é realmente francês. Indicado para quem gosta de bons dramas, para quem gosta de adaptações de livros e dos bons filmes franceses pouco divulgados em nosso país.


Trailer Legendado:




Curiosidades:

Título em Portugal : "Seu Nome Era Sara" 

Orçado em  €10.000.000 de euros

Kristin Scott Thomas foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por "O Paciente Inglês" (1996)


Filmografia Parcial:
Kristin Scott Thomas
 



 
Corações Covardes (1990); Lua de Fel (1992); Quatro Casamentos e um Funeral (1994); Mistérios e Pecados (1995); Richard III (1995); Missão: Impossível (1996); O Paciente Inglês (1996); O Encantador de Cavalos (1998); Assassinato em Gosford Park (2001); O Elo Perdido (2005); Chromophobia (2005); O Acompanhante (2007); A Outra (2008); O Invencível - Largo Winch (2008); O Garoto de Liverpool (2009); A Chave de Sarah (2010); Amor Impossível (2011); Estranha Obsessão (2011); Antes do Inverno (2013); Minha Querida Dama (2014); Suite Francesa (2014); A Festa (2017); O Destino de uma Nação (2017)

Aidan Quinn
 








  

Jovens sem Rumo (1984); Procura-se Susan Desesperadamente (1985); A Missão (1986); Tocaia (1987); Crusoé (1988); Avalon (1990); Brincando nos Campos do Senhor (1991); Blink - Num Piscar de Olhos (1993);  Frankenstein de Mary Shelley (1994); Lendas da Paixão (1994); Michael Collins: O Preço da Liberdade (1996); Caça ao Terrorista (1997); Da Magia à Sedução (1998); A Disputa (2002); A Sombra do Medo (2004); Na Linha da Morte (2004); Questão de Vida (2005); Enterrem Meu Coração na Curva do Rio (2007); O Olhar do Coração/O Brilho da Vida (2009); Jonah Hex - Caçador de Recompensas (2010); A Chave de Sarah (2010); Desconhecido (2011); Os Últimos Guardiões (2013); Elementar (seriado 2012-2017)

Niels Arestrup
 

 








O Escafandro e a Borboleta (2007); O Profeta (2009); A Chave de Sarah (2010); Cavalo de Guerra (2011); Perder a Razão (2012); À Beira Mar (2015).

3 comentários:

  1. Luís, td bem?
    Ao ler esta sua crítica fiquei muito impressionado com os eventos da ocupação nazista na França que culminaram com a perseguição dos judeus pelos seus próprios concidadãos, seus próprios vizinhos, em última análise.
    Desconhecia completamente esta passagem da história francesa, mas — embora tenha me causado surpresa — após refletir um pouco, não me causou estranhamento. É notório o antissemitismo de alguns povos e a França certamente foi/ainda é um exemplo.
    Percebo que mesmo no auge da capacidade informativa em que hoje a humanidade vive ainda há inúmeras verdades que se ignora. Este do Velódromo de Inverno tristemente é o caso. E — se a reação dos jovens colegas de redação da personagem Júlia for a regra — parece que inclusive em boa parte do mundo o mesmo ocorre.
    Aqui fica o elogio ás pessoas que decidiram produzir A Chave de Sarah: o filme lança luz nos fatos e nas sombras da alma de todos, não só da francesa. Sim, pois o esquecimento é o primeiro passo para se repetir um erro. E sim, pois ao tentar reparar um erro, ao tentar quitar uma dívida, reparamos a nós mesmos.
    O que nos remete ao personagem de Kristin Scott Thomas, que possivelmente começou a esmiuçar os fatos por curiosidade, por força de seu trabalho, mas e depois? Senso de justiça? Identificação com a restrita e sem opções Sarah?
    Ao ver o filme não tive essa resposta. De tão subjetiva que era aquela busca, quase uma obsessão, acho que faltariam palavras a quase todos nós. E busca essa que só alcançou um fim de fato naquele encontro com o personagem de Aidan Quinn ( muito bom, interpretação coerente ), quando coração e consciência se dão as mãos e dizem respectivamente “eu sinto que fiz certo o que podia, eu creio que fiz tudo que podia”. Foi uma catarse.
    Claro, foi um grande acerto do roteiro inserir a gravidez da personagem na estória, pois explicitou que são as nossas escolhas que escrevem o destino. E não só o nosso, como ficou evidente pela implícita separação de Júlia, mas principalmente pelo simbólico e poético nascimento da jovem Sarah, que veio ao mundo á despeito da vontade de seu próprio pai. Há maior símbolo de esperança na vida que uma criança sorrindo?

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  2. Me chamou atenção quando Júlia orbitava no universo dos franceses, que eram mais lacônicos, sucintos — mesmo nas amenidades — e quando na América, onde todos eram mais emocionais. Acho bem isso mesmo, de tantas produções que já vi retratando a França. Detalhe que acho um grande mérito do diretor Gilles Paquet-Brenner.
    A menina que faz a pequena Sarah é desses fenômenos das artes cênicas que acho jamais serão explicados, quanta profundidade em uma alminha tão jovem.
    Um ponto do filme que não me agradou foi o suicídio de Sarah, não vi sentido, só encontraria justificativa se causada por uma daquelas depressões hormonais bravas. Depois de uma vida fortalecida pelas superações, ora, não teria ela entendido que a culpa da morte do irmão jamais foi dela mas de todos, dos vizinhos ao Estado conivente com aquela barbárie? Como o filme poderia ser contado sem essa solução? Haveria a pequena Sarah? Pois é.
    Por fim, me atraiu a assistir o filme a presença de Kristin Scott Thomas.
    Desde que a vi em O Paciente Inglês passei a querer vê-la mais. Álias, desde dezembro passado devo ter visto umas 2 dúzias de dramas intensos e ainda nada me tocou mais que OPI.
    Luís, tenho assistido coisas interessantes, vou tentar dividir o que puder contigo. E muito devido a motivação do Ricardo, da Eject Video, aqui em SP. Ele me mostra coisas que saem da minha zona de conforto. E é bom sair da caixinha, não é?
    E é isso. Luís, gostei muito das suas últimas críticas, vou ver Laura brevemente.
    Um abraço!

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  3. Olá Mario. Tudo bem ?
    Desculpe só responder agora, mas o dia de ontem e de hoje foram corridos.
    A Chave de Sarah me surpreendeu, de forma positiva, pois o título não me atraiu muito a princípio. Por ser um filme francês, com atriz americana, tive curiosidade de assistir. Gosto de produções europeias, devido a sua reflexão e a falta de necessidade de "mastigar as ideias" para o publico entender. Normalmente, os temas são mais maduros, fugindo da carência de roteiros fracos que Hollywood vem apresentando ultimamente. Ainda assisto os filmes americanos, mas está difícil de encontrar um filme que se destaque , a maioria fica entre fraco e regular. Saudade de um tempo que tinha tantos filmes bons para se assistir que não havia tempo para assistir a todos.
    Tenho acompanhado o Ricardo pelo Face, ele sempre publica na página da Eject ótimos filmes, inclusive vi uma reportagem dele falando da Locadora. O acervo dele é muito bom e ele está sempre ampliando. Tem realmente muita coisa boa, muitos eu assisti , outros eu acabo descobrindo através de suas publicações. Acho muito legal ainda haver locadora de filmes raros. Acredito que o Ricardo esteja te dando ótimas opções. E já que a safra é ruim , devido a migração de atores e roteiristas para os streamings , a volta e meia greve feita pelos profissionais que atrasam produções ..., vale a pena nos voltarmos para produções que já existiam por aí e descobrirmos muitas muito boas.
    As críticas estão lentas, talvez a próxima venha somente semana que vem, pela falta de tempo para escrever. Infelizmente vejo que as pessoas pedem para as IA fazerem suas análises nos blogs e na publicação de artigos em plataformas . Se assim o fizesse, publicaria 2 análises diárias, mas não seria eu, não é ? E tampouco, aprenderia , com as pesquisas que faço. Sei que as IA, em termos de estrutura e escrita, ganham fácil de mim, mas elas não tem acesso aos jornais e as diversas revistas de cinema que possuo e, nesse ponto, acredito levar vantagem, ainda que duvido que ela leve em conta minha publicações em suas pesquisas (IA adora Wikipedia).
    Laura foi um filme noir (descobri muitos filmes interessantes) que se tornou cult. Hoje poucos conhecem, mas sua concepção, apesar de simples, me prendeu. O filme que me surpreendeu veio depois: Audazes e Malditos. Nunca tinha visto e me surpreendi com sua temática e execução. Um filme repleto de analogias e que tive eu mesmo que desenvolvê-las (espero que certas) já que não encontrei em outros lugares como fonte de pesquisa. No face, eu tenho publicado os cartazes de filmes raros, esquecidos e telefilmes que muita gente acaba se lembrando de ter visto, mas não mais lembravam do nome.
    Mario, um grande abraço, obrigado por mais este comentário, e volte sempre. Até uma próxima análise.

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