"NÃO EXISTE GARBO. NÃO
EXISTE DIETRICH. EXISTE APENAS LOUISE BROOKS"
O
filme é dividido em atos, como numa peça. É mudo, alemão e com uma americana
como protagonista. Lulu vive como amante do Dr. Schön (Fritz Kortner), um
editor de jornal que certo dia resolve casar-se com a filha de um importante
político, abandonando Lulu. A Jovem logo consegue um trabalho como uma das
principais protagonistas em um peça patrocinada por Schön, mas ao ver a futura
esposa do editor, resolve não entrar no palco e atrapalhar a peça. Schön tenta
demover Lulu, mas cai em seus braços o que é presenciado por sua noiva. Com o
fim do casamento, Schön resolve casar-se com Lulu sob os olhares de Alwa, seu
filho, considerado por Lulu como seu único e verdadeiro amigo, mas que
secretamente a ama. Durante a festa de casamento sua melhor amiga, a
condessa Geschwitz (Alice Roberts), mostra-se apaixonada a ponto de dançar com
ela na festa. Ao receber ingenuamente seus amigos em seu quarto de
núpcias, colhe a primeira desgraça: seu marido tenta matá-la e acaba morto por um
tiro acidental nos braços de Lulu. Condenada, é salva pelos amigos, embarca em
um trem com uma recompensa por sua captura e passa a viver num barco
hotel-cassino ao lado de Alwa, de um trapezista (companheiro da peça no
teatro), de seu primeiro “patrono” e da condessa, além de um homem que a
conhece no trem e recebe dinheiro de Alwa para não entregá-la às autoridades.
Alwa passa o tempo todo no cassino perdendo seu dinheiro e quando este
escasseia, seus amigos, sustentados por ele, passam a pensar num modo de
sobreviverem e suas fidelidades a Lulu começam a desaparecer.
A
presença cênica de Louise é impressionante e, sem dúvida, “Pandora” não
surtiria o mesmo efeito nas mãos de outra atriz (Marlene Dietrich quase assinou
o contrato). Sua composição é perfeita, conseguindo transpor toda a carga de
interpretação necessária à personagem: medo, alegria, ingenuidade, decepção e,
acima de tudo, sedução. Louise interpreta Lulu e conta a lenda que há muito de
Lulu em Louise (a atriz enfeitiçava os homens). Lulu destrói os homens a sua
volta não por maldade, mas por sua beleza ingênua e a capacidade de
hipnotizá-los. Os que estão à sua volta abdicam de suas vidas para ir ao seu
lado. Isso não impede que, mesmo enfeitiçados, sejam capazes de se aproveitarem
dela. O filme aborda esse lado do ser humano que, diante da ganância, é capaz
de se transformar. Lulu é uma fugitiva com a cabeça a prêmio, seus amigos lhes
salvam para depois começarem a chantageá-la.
A
depressão econômica é fator determinante, mas a má índole está apenas inerte
nessas pessoas, esperando a hora certa para emergir. O espectador percebe que
aqueles que rodeiam Lulu são pessoas de caráter duvidoso, quer sejam por suas
atitudes ou por suas fraquezas. Lulu não entende essas atitudes. Para ela a vida
deveria ser simples: amar, ser amada e ficar perto dos amigos. Lulu é
amante de um editor de jornal, mas a derivação de garota de programa na época
do filme ainda não se aplicava. O editor quer casar. Seu caso é de conhecimento
público. Ele pede a Lulu que se afaste fisicamente, mas seu coração comanda sua
razão. Acaba casando com Lulu, mas o binômio ingenuidade e infantilidade da
protagonista fazem a sua primeira vítima na noite do casamento.
A Caixa de Pandora seria um artefato, na qual Zeus teria entregado à Pandora
para guardar o mal do mundo e esta abriu a caixa trazendo toda a tragédia à
humanidade. Lulu é comparada à caixa que traz o mal para os que estão a sua
volta. Uma premonição e uma constatação das tragédias que se seguirão. O filho
de seu marido é apaixonado por ela, assim como a condessa e seu colega
trapezista. Sua condenação se dá mais pela sua condição social e papel na
sociedade do que por meios de fatos e provas. Mesmo com o filho de seu falecido
marido ao seu lado, o tribunal dá o seu veredicto. A cereja no bolo acontece
com um personagem, incluído na trama, de forma muito bem pensada, que irá
influenciar diretamente no destino da personagem.
A
crítica da época massacrou este marco do expressionimo alemão, adaptado da obra do
dramaturgo alemão Frank Wedekind (1864-1918). A criação de Wedekind inspirou
uma ópera de Alban Berg que assistiu uma de suas versões em 1905. A censura
alemã na época de Weimar (sistema de governo que durou de 1919 a 1933)
modificou o final do filme, trocou a relações entre os personagens, como a da
condessa com Lulu.
Louise Brooks (1906-1985) é uma história a parte. Considerada a “Venus
Americana”, fez 24 filmes em Hollywood sem muita expressão e não se dobrou aos
estúdios que obrigavam atores a se sujeitarem às suas regras, onde eram
explorados e mal pagos, sendo esmagada pelo punho dos obtusos produtores da
época. Resolveu seguir para a Alemanha para filmar "A Caixa de Pandora" e "Diário
de uma Garota Perdida", ambos de 1929, do diretor Pabst. Ao voltar aos Estados
Unidos trabalhou em: "God's Gift to Women" (1931) e "It Pays to Advertise" (1931).
Seus problemas começaram ao recusar a oferta de dublar sua voz em um filme mudo
não lançado: "Canary Murder Case" devido sua antiga mágoa com o sistema
Hollywoodiano. Como vingança, os produtores espalharam que sua voz era
terrível. O efeito foi devastador, pois era o início do cinema sonoro. As
ofertas desapareceram e o público começou a esquecê-la. Em 1932 declarou
falência e chegou a dançar em nightclubes para sobreviver. Casou-se em 1933 e separou-se
em 1934. Foi convidada para mais alguns filmes, inclusive com John Wayne em "Bandidos Encobertos" (Overland Stage Raiders 1938) e abandonou a carreira, limitando a raras
aparições. Chegou a trabalhar como vendedora da loja Sak's Fifth Avenue. Foi
considerada a mais moderna atriz do cinema mudo. Uma atriz que lia Proust e
Schopenhauer nas pausas das filmagens. Em 1948 escreveu sua biografia e
resolveu destruí-la. No início dos anos 50 foi redescoberta pelos franceses,
que a consideraram um ícone mais importante que Marlene Dietrich e Greta Garbo.
Em 1955, em Paris, na mostra de “60 anos de Cinema” no Museu de Arte Moderna, o
principal chamariz foi um pôster de Louise Brooks. O curador, ao ser perguntado
do motivo da imagem, cunhou a célebre frase: "Não existe Garbo. Não existe
Dietrich. Existe apenas Louise Brooks". Em 1982 a atriz escreveu o livro "Lulu in Hollywood". Um sucesso. Três anos depois viria a falecer de ataque
cardíaco.
Na década de 90 o grupo chamado OMD lançou uma música intitulada "Pandora's Box",
na qual inseriram cenas do filme com uma introdução sobre a atriz. Até Carlos
Drumond de Andrade a citou em seu "Poema Retrolâmpago de Amor Visual" derivado do
livro "Discursos da Primavera e Algumas Sombras". A personagem Valentina do
italiano Guido Crepax também teve influências do visual de Louise Brooks. No
filme "Totalmente Selvagem" a personagem de Melaine Griffith chama-se Lulu e o
visual é inspirado em Louise. De seus romances, o mais famoso foi com Chaplin.
Sua imagem até hoje chama atenção mesmo que numa foto isolada e a quantidade de
sites criados pelos fãs que assistiram apenas a Caixa de Pandora é espantosa.
Um justo reconhecimento e um belo filme
Filme Totalmente Selvagem |
Louise Brooks |
Trailer:
Clip da Música Pandora's Box - OMD
Filmografia Parcial:
Louise Brooks (1906-1985)
O Mendigo Elegante (1925); A Vênus Americana (1926); Amá-las e Deixá-las (1926); Desfrutando a Alta Sociedade (1926); Risos e Tristezas (1926); Entre a Loura e a Morena (1926); De Casaca e Luva Branca (1927); Dois Águias do Ar (1927); Uma Noiva em Cada Port (1928); O Drama de uma Noite (1929); A Caixa de Pandora (1929); Diário de uma Garota Perdida (1929); Miss Europa (1930); O Rancho das Feitiçarias (1936); Prelúdio de Amor (1937); Bandidos Encobertos (1938)
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