terça-feira, 19 de junho de 2018

NUNCA SEM A MINHA FILHA / NOT WITHOUT MY DAUGHTER (1991) - ESTADOS UNIDOS





CHOQUE DE CULTURAS

Betty (Sally Field) e Moody (Alfred Molina) são um casal que tem uma filha, Mahtob (Sheila Rosenthal), e moram no Estado de Michigan. Moddy é iraniano trabalhando como médico na cidade. A vida do casal parece tranquila, mas Moddy sofre o preconceito no trabalho por sua nacionalidade. Já sofrera antes, o que levara o casal a se mudar para onde vivem atualmente. Quando  Moody pede a esposa para visitar seus pais, desejando levá-la com a filha, esta fica relutante. Um país desconhecido e com uma cultura bem diferente. Ela ouvira algumas coisas, mas para o marido poder ver a família novamente e tendo uma irmã doente o casal resolve fazer a  viagem.


Ao chegar ao Irã, Moddy percebe que houve uma grande mudança política e social. Beth se percebe sendo vista pelos familiares do marido de uma maneira diferente. Os dias passam e Betty descobre que a intenção do marido é não voltar aos Estados Unidos e mais: ela se percebe também prisioneira: não pode sair sozinha, é permanentemente vigiada pela família do marido, seus modos incomodam e seu passaporte encontra-se com o marido. E o pior: as leis não favorecem mulheres. Ela não tem a quem recorrer e descobre que Moddy se mostra agora um homem violento e que sua vontade tem que ser aceita.


Quando assisto filmes "baseado em fatos reais" ou "inspirados em fatos reais" sempre tenho o sentimento de que algumas coisas do filme foram omitidas ou acrescentadas para que a história ganhasse uma dramaticidade maior e assim criasse um apelo junto ao público. E aqui não é diferente, mas mesmo com algumas mudanças o filme funciona e nos mostra uma história muito interessante e comovente.


Com o filme passando em 1984 e Moddy não voltando ao seu país há dez anos, podemos concluir que estivera pela última vez em seu país em 1974. E aí vai um entendimento para o leitor dessa resenha compreender o filme. Em 11 de fevereiro de 1979, o Aiatolá Khomeini assume poder fundando a  República Islâmica do Irã ficando no poder até a sua morte, em 1989. Khomeini sucedera, após um Golpe de Estado, o antigo Xá: Mohamed Reza Pahlevi, Xá da Pérsia, de 1941 a 1979 (por isso no início do filme Moddy fala para a filha que nascera na Pérsia, atual Irã). Pahlevi não tinha o apoio da população que sentia-se reprimida e, sua modernização, aproximando-se cada vez mais dos EUA, causava forte descontentamento a um grande segmento da sociedade. Pahlevi fugiu de um povo que pedia por sua cabeça. Khomeini trazia a volta aos antigos costumes, um governo teocrático, uma ruptura com o Ocidente, em especial os EUA, que  Khomeini citava como "O Grande Satã" e a ausência de tolerância a qualquer outra religião que não a islâmica. 


Quando saíra de seu país, Moddy desejava estudar e formar-se nos EUA. O país que era aliado da Pérsia, agora é inimigo do Irã. O preconceito americano aumentara, de modo explícito ou velado. Não o desejavam ali. Ao retornar ao seu país, percebe que se encaixa no novo regime, mas casara-se com uma americana de costumes e religião oposta a sua e de seu país. Mas ali quem determina a regra é o homem e Beth terá que aceitar sua nova vida ou voltar sem a filha (divórcios, nesses casos, eram aceitos e incentivados). Beth percebe-se em um país que a rejeita (como os EUA rejeitavam o seu marido), mas de uma forma bem pior: ela passa a sofrer violência por parte de um marido que achava que conhecia, que amava. Agora o vê como a um monstro  e sem ter a quem recorrer.



Baseado no livro de  William Hoffer, "Nunca Sem Minha Filha" é o relato de Beth e sua incrível fuga para os EUA. O filme dirigido pelo inglês Brian Gilbert (de poucos filmes e quase que desconhecidos do grande público) tem um eficiente roteiro e uma direção inspirada. O modo como a história é contada ajuda substancialmente a quem não conhece muito dessa cultura, centrando-se mais em um filme que gera uma expectativa junto ao público em como a fuga de Beth será impetrada diante de tantos obstáculos. O fato de ser sido filmado, em sua grande parte, em Israel trouxe uma ótima ambientação ao filme, assim como explica, um pouco, dos motivos que levam Moddy a desistir do "país das oportunidades" e nos leva a perceber o filme como um choque de culturas: assim como nos EUA, Moody não mais se encaixava. No Irã Beth não se encaixa também, mas ela encontra-se em desvantagem: está sozinha num país tido como extremista e não tem o apreço da família de seu marido, além de poder ser presa na rua por qualquer deslize. O filme mostra que várias mulheres americanas estariam em situação semelhante: prisioneiras de maridos e obrigadas a se converterem a religião dominante.


Sally Filed e Alfred Molita (Homem Aranha 2) são ponto fundamental para o sucesso do filme. Ambos estão excelentes trazendo toda a carga dramática e atuações sob medida que a história necessitava. A menina Sheila Rosenthal (na pele de Mahtob) fez apenas esse filme e posterior participação em três séries, parando de atuar em 1993. O restante do elenco é pouco conhecido por aqui, mas todos estiveram muito bem.


Nunca Sem a Minha Filha é um daqueles ótimos filmes que desapareceram das programações ao longo dos anos. É uma produção caprichada, bem dirigida e com ótimo elenco. Ainda que sua conclusão seja bem diferente do livro (ver em curiosidades), e haja um sentimento anti-Irã, o filme vale pelo conjunto e por uma boa reflexão acerca do preconceito, da xenofobia e da intolerância (de ambos os lados, ainda que em doses bem diferentes). Um filme a ser redescoberto.

Trailer:



Curiosidades:

O verdadeiro Seyyed Bozorg Mahmoody morreu em 2009.

O pai de Mahtob, Seyyed Bozorg Mahmoody, contou mais tarde a sua opinião sobre os acontecimentos do documentário Ilman tytärtäni (2002), também conhecido como "Without My Daughter". 

No livro, Betty Mahmoody e Mahtob escaparam do Irã pelas regiões montanhosas do norte, no auge do inverno, com gelo e neve severos. Os produtores planejavam filmar a cena de fuga na Montanha Eilat, no sul de Israel. No entanto, não havia neve naquele inverno e a cena de fuga seria desfeita. Muitos protestos surgiram porque sentiram que a cena era essencial. Sally Field até ameaçou abandonar o projeto. Os produtores procuravam outros locais, mas ou eram muito caros ou inseguros para os atores e a equipe. Finalmente, a cena foi reescrita para que Betty Mahmoodey e Mahtob viajassem pelo deserto em um calor escaldante.

O filme omitiu o primeiro casamento de Betty e seus dois filhos desse casamento.

Entrevista (em espanhol) com a verdeira Mahtob :

http://www.elmundo.es/cronica/2016/02/09/56b4eeab46163f7f668b4630.html


Filmografia Parcial: 

Sally Field
Desbravando o Oeste (1967); A Noviça Voadora (seriado 1967-1970);  Férias Mortais (1972); Agarra-me se Puderes (1977); Se Não Me Mato, Morro! (1978); Hooper - O Homem das Mil Façanhas (1978); Norma Rae (1979); Dramático Reencontro no Poseidon (1979); Desta Vez Te Agarro (1980); Ausência de Malícia (1981); O Romance de Murphy (1985); Ensina-me a Querer (1987); Palco de Ilusões (1988); Flores de Aço (1989); Nunca sem Minha Filha (1991); Segredos de uma Novela (1991); Uma Babá Quase Perfeita (1993); Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994); Olho Por Olho (1996);  Legalmente Loira 2 (2003); O Espetacular Homem-Aranha (2012);  Lincoln (2012); O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro (2014); Doris, Redescobrindo o Amor (2015) 

Alfred Molina
Os Caçadores da Arca Perdida (1981); Ladyhawke - O Feitiço de Áquila (1985);  O Amor Não Tem Sexo (1987); Nunca sem Minha Filha (1991);Um Sonho de Primavera (1991); Caninos Brancos 2: A Lenda do Lobo Branco (1994); Maverick (1994); O Esconderijo (1995); A Experiência (1995); O Senhor das Drogas (1995); Mojave - Sob o Luar do Deserto (1996); Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997); O Homem Que Sabia de Menos (1997); Magnólia (1999); Assassinato no Expresso Oriente (2001); Frida (2002); Identidade (2003); Lutero (2003); Homem-Aranha 2 (2004); O Código Da Vinci (2006); A Pantera Cor de Rosa 2 (2009); Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (2010); O Aprendiz de Feiticeiro (2010); O Falsificador (2012); Nós Nunca Teremos Paris (2014);  Olhos da Justiça (2015);King: Uma História de Vingança (2016); Breakable You (2017)

2 comentários:

  1. Boa noite!
    Descobri 'Nunca sem a minha filha', devido ao filme 'Vice Versa', que não via há muito tempo, e até tinha esquecido de ter assistido e achei essa pérola no youtube. Fui procurar a obra do diretor Brian Gilbert e uma coisa levou a outra. Parabéns pela resenha!
    Abraço!
    Fabiana.

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  2. Olá Fabiana.
    Vice Versa (1998) é bem legal (e está nos planos uma análise por aqui), bons tempos da Sessão da Tarde, quando não cortavam os filmes para encaixar novelas. Esse filme ganhou muita visibilidade quando passou na tevê aberta e a cabo. Um filme muito bem realizado com ótimos atores. Um grande abraço e obrigado por mais este comentário dentre os vários que sempre agregam às postagens.

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