terça-feira, 21 de janeiro de 2020

DOIS PAPAS / THE TWO POPES (2019) - ESTADOS UNIDOS



VISÕES CONTRAPOSTAS EM UM TOM QUASE HAGIOGRÁFICO E DICOTÔMICO ENTRE OS PERSONAGENS

Ano: 2005. Após a morte do Papa João Paulo II um conclave é realizado pelos cardeais da Igreja Católica Romana. A decisão dos votantes declara um novo Papa: Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) ou Bento XVI. Para a surpresa da maioria o segundo colocado é Jorge Mario Bergoglio (Jonathan Pryce), um cardeal argentino. 
Oito anos se passam e Bergoglio vai a Roma solicitar um encontro com o Papa onde requisitará sua aposentadoria, mas para a sua surpresa Bento XVI lhe convida para uma série de conversas aonde o assunto aposentadoria não se encaixa.


Mesmo que você não seja católico, ou mesmo religioso, "Dois Papas" poderá soar como atraente e isso muito se deve a três fatores: a inspirada direção do brasileiro Fernando Meirelles que levou "Cidade de Deus" (2002) a concorrer ao Oscar de Melhor filme Estrangeiro e uma indicação ao Globo de Ouro por "O Jardineiro Fiel" (2005); a ótima estória desenvolvida pelo Neozelandês Anthony McCarten ("A Teoria de Tudo", "O Destino de uma Nação" e "Bohemian Rhapsody") que concorre ao Oscar por seu trabalho e é inspirado em sua própria peça "The Pope" e em seu  livro "Dois Papas: Francisco e Bento e a Decisão que Abalou o Mundo" além das interpretações impecáveis de Jonathan Pryce (concorrendo ao Oscar de Melhor Ator) e Anthony Hopkins (concorrendo ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante). Pela categoria de disputas já sabemos que o filme é sobre o Papa Francisco, mas, na minha concepção Hopinks tem melhores chances até porque a categoria de Pryce tem ninguém menos que Joaquim Phoenix e seu "Coringa" cuja atuação vem sendo aclamada por público e crítica. Dois Papas disputou o Globo de Ouro 2020 com 4 indicações: Melhor Filme de Drama (perdeu para "1917"), Melhor Ator (perdeu para Joaquim Phoenix em "Coringa"), Melhor Ator Coadjuvante (perdeu para Brad Pitt em "Era Uma Vez em Hollywood") e Melhor Roteiro (perdeu para Quentin Tarantino em "Era Uma Vez em Hollywood")



Dois Papas (produção da Netflix) é uma daqueles filmes que exige um discernimento maduro. No mundo atual dividido pela polarização vem uma mensagem de união entre personagens diametralmente opostos, um embate intelectual entre o reformismo e conservadorismo (algo que sem dúvida possui consequências). E talvez a maior controvérsia do filme esteja na errônea percepção da plateia: o filme não deve ser interpretado como uma fidedigna cinebiografia dos pontífices, na verdade mostra a humanidade por trás de seus títulos: seus desafios, dúvidas, falhas, mudanças de pensamento e comportamento, mas, ainda assim, a visão do escritor e do diretor colhidas através de informações, entrevistas e uma boa dose de ficção para dar substância ao filme. Ao colocar "baseado em fatos reais" e preencher boa parte com diálogos e situações fictícias o filme gerou polêmica, a noção de que o representante da doutrina de Jesus aqui na Terra é uma pessoa imperfeita liderando um sistema imperfeito e a igreja um ente político pode soar herético e especulativo para alguns e aceitável para outros e Meirelles talvez tenha tentado "levar" a questão de uma forma mais leve e até engraçada.



Retratar Bento como um papa mal-humorado, sarcástico, reacionário, distante do mundo em que vive e o (até então) futuro Papa Francisco como um personagem carismático, atualizado, bem-humorado e redentor é a representação de personagens opostos: Francisco gosta de Beatles e assovia "Dancing Queen" do Abba, Bento é mais sisudo, tradicionalista, reservado, até faz suas refeições sozinho. Os Irmãos em Cristo, no início, não são amigos e nem se entendem como bem percebido na frase (fictícia?) de Bento "Eu discordo de tudo que você diz". Só que a antipatia mútua vai dando lugar, progressivamente, ao respeito relutante, ao perceberem e respeitarem o ponto de vista mútuo em diálogos inesperadamente divertidos repletos de questões permeadas de semântica e metáforas que acrescentam muito ao filme:  Bergoglio diz que quer derrubar muros; Bento responde que “uma casa precisa de paredes. Alguns podem se surpreender com estranhas colocações como a menção de que não havia anjos na igreja até o século V ou que "Deus muda" (???!!).


Mas o filme não seria a bela produção que nos apresenta se seus interpretes tivessem uma atuação apenas mediana. Se as personagens Bento e Francisco se duelam em gostos, posturas e crenças do que é o melhor para a igreja, há outro duelo: entre os atores. Com certeza a preferência será dividida. Se Hopkins interpreta um perfeito Papa cansado, doente, à espera de um sucessor, Pryce traz aquela simpatia que o verdadeiro Francisco gera. Os dois atores estão tão bem que em determinado momento nos esquecemos que estamos diante de dois atores interpretando seus papéis. O talento da dupla cativa e busca no braço o espectador para dentro do filme que se surpreende com as "verdades" que são reveladas. Ainda que o filme dissesse que tudo é um exercício de imaginação (há os defensores da opinião de que nada em cena representa a verdade) seria ótimo assisti-lo. O grande diferencial destes atores foi colocar sentimento nos diálogos: eles não repetem os textos, os interpretam de maneira que voz e corpo entram em perfeita sintonia e quando isso acontece estamos diante de um raro momento.



Dois Papas é um filme divertido, reflexivo e alterna entre o coerente e o difícil de acreditar. Se esse molde esquemático não agradar a uma parcela do público, a outra parte pode considerar bastante interessante. Ainda que não aprofunde nos escândalos recentes da igreja, também não passa ao largo. Estão lá os assuntos mais delicados (apesar de não ser a abordagem do filme), a vida de Francisco (mas pouco se fala da juventude de  Ratzinger). Os flashbacks para alguns soarão como uma incômoda quebra de ritmo, mas para um filme que se baseia em diálogos e contrapontos (nesse sentido me lembrou de passagem o interessante filme "Entrevista com Deus") Dois Papas apresenta um produto de inegável qualidade.

Trailer:



Curiosidades:

Jonathan Pryce comentou sua semelhança física com o Papa Francisco no Festival Internacional de Cinema de Toronto: "No dia em que o Papa Francisco foi declarado Papa, a Internet estava cheia de imagens de mim e dele, e 'Jonathan Pryce é o Papa?' Até meu filho me mandou uma mensagem: 'Papai, você é o Papa?

O diretor Fernando Meirelles só descobriu Jonathan Pryce enquanto procurava fotos do Papa Francisco online. Fotos de comparação lado a lado de Jonathan Pryce e Pope Francis apareciam com frequência nos resultados da pesquisa. Isso levou Fernando a procurar a filmografia e as entrevistas de Jonathan.

O roteiro foi originalmente intitulado "O Papa". Depois que Anthony Hopkins foi escalado, o título foi alterado para "Os Dois Papas", a pedido do agente de Anthony.

Anthony Hopkins realmente toca piano neste filme.

O filme é baseado em eventos históricos, incluindo discursos públicos e debates religiosos publicados, mas as conversas privadas entre Bergoglio e Ratzinger são baseadas principalmente em conjecturas. O escritor Anthony McCarten comentou: "O que você sempre faz é especular. Espero que a especulação seja baseada em fatos e na verdade, e espero que seja inspirada".

A Netflix recriou a obra-prima da Capela Sistina de Michelangelo em menos de 10 semanas depois que o Vaticano lhes negou acesso ao filme Os Dois Papas.

Anthony Hopkins e Jonathan Pryce são galeses.

Os livros com os quais Bergoglio aparece durante seus "dois anos de introspecção" como sacerdote entre os pobres de Córdoba são: Nova Evangelização da Perspectiva dos Excluídos pelo teólogo da libertação brasileiro Leonardo Boff, Pedagogia dos Oprimidos pelo educador brasileiro Paulo Freire, e Trigo Gaúcho e Pueblerina do dramaturgo e roteirista argentino Pedro E. Pico.

A música ouvida quando o helicóptero do papa pousa no Vaticano (e também quando o cardeal Bergoglio adormece, como uma versão em cappella) é chamada "Bella Ciao". Originou-se como uma canção folclórica de protesto com trabalhadores de campo italianos no final do século XIX e início do século XX, e mais tarde foi adotado como um hino da resistência partidária antifascista italiana de 1943-45, composta principalmente por comunistas. "Bella Ciao" manteve uma medida dessa popularidade desde depois da guerra até o presente como um hino antifascista da esquerda política italiana e, especialmente, com os comunistas italianos.

Jonathan Pryce assistiu a muitas cenas do Papa Francisco no YouTube para se preparar para o papel.

Uma das pizzas encomendadas para o papa e o cardeal é uma "diavola" que significa "o diabo" em italiano.

Sir Anthony Hopkins foi originalmente escalado como Elliot Carver em "007 - O Amanhã Nunca Morre" (1997), mas saiu pouco depois devido à produção caótica. Ele foi substituído por Jonathan Pryce.  

O Papa Bento tem , atualmente , 92 anos.

Papa emérito é o título adotado pelo papa quando este decide abdicar.

Bento XVI se tornou o primeiro pontífice a renunciar em quase 600 anos, ele reside em um antigo convento dentro dos jardins do Vaticano.

Entrevista Com o Diretor






Efeitos da Computação Gráfica Para o Filme






 Trilha sonora:
- Ariwacumbé - Frente Cumbiero and Neil Fraser (como "Mad Professor")
- Clair de Lune - Claude Debussy
- Café Domínguez - Ángel D'Agostino
- Dancing Queen -  Royal Philharmonic Orchestra
- Amplius Lava Me from Allegri's Miserere   - The Tallis Scholars
- La fiesta terminó piñata -  Los Pibes del Penal
- Tecleando -  Carlos Figari
- Tango Italiano -  Cocky Mazzetti
- Epistrophy - Thelonious Monk
- Antiphone Blues - Arne Domnérus and Gustaf Sjökvist
- Nobody Knows the Trouble I've Seen -  Grant Green
- Bella Ciao - The Swingle Singers
- Cuando tenga la tierra  -  Mercedes Sosa
- Ronda de niños en la montaña  -  Dino Saluzzi
- Minguito -  Dino Saluzzi
- Tango a mi padre -  Dino Saluzzi
- Por el sol y por la lluvia  - Dino Saluzzi 
- "Prelude to Concerto for Piano and Orchestra No. 20 in D Minor, K.466 (Vocal) - Bobby McFerrin, Chick Corea and The Saint Paul Chamber Orchestra
- Prelude to Concerto for Piano and Orchestra No. 20 in D Minor, K. 486 (Vocal) - Bobby McFerrin, Chick Corea and The Saint Paul Chamber Orchestra
- Piano Concerto No. 23 in A Major, K. 433 (Vocal)  - Bobby McFerrin, Chick Corea e The Saint Paul Chamber Orchestra - Blackbird  - The Swingle Singers
- Piano Concerto No. 23 in A Major, K.488 (Vocal) -  Bobby McFerrin, Chick Corea and The Saint Paul Chamber Orchestra
- Bésame Mucho -  Ray Conniff & His Orchestra & Chorus
- Siete de Abril - Andres Avelino Chazarreta
- Sastanàqqàm - Tinariwen
- Zion Hört Die Wächter Singen, BWV 140 - Johann Sebastian Bach 



Poster:























Filmografia Parcial:
Anthony Hopkins











Hamlet (1969); Juggernaut: Inferno em Alto-Mar (1974); As Duas Vidas de Audrey Rose (1977); O Homem Elefante (1980); O Corcunda de Notre Dame (1982); Rebelião em Alto Mar (1984); Nunca Te Vi, Sempre Te Amei (1987); Horas de Desespero (1990); O Silêncio dos Inocentes (1991); Freejack: Os Imortais (1992); Retorno a Howards End (1992); Drácula de Bram Stoker (1992); Chaplin (1992); Vestígios do Dia (1993); Terra das Sombras (1993); Lendas da Paixão (1994); Nixon (1995); No Limite (1997); Amistad (1997); A Máscara do Zorro (1998); Instinto (1999); Hannibal (2001); Dragão Vermelho (2002); Alexandre (2004); Desafiando os Limites (2005); A Lenda de Beowulf (2007); O Lobisomem (2010); O Ritual (2011); Thor (2011); Hitchcock (2012); RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos (2013); Thor: O Mundo Sombrio (2013); Noé (2014); Má Conduta (2016); Transformers: O Último Cavaleiro (2017); Thor 3: Ragnarok (2017); Dois Papas (2019); Meu Pai (2020)


Jonathan Pryce 











A Viagem dos Condenados (1976); Golpe Perigoso (1981); Brazil: O Filme (1985); Salve-me Quem Puder (1986); As Aventuras do Barão de Münchausen (1988); Namoros Eletrônicos (1989); O Sucesso a Qualquer Preço (1992); A Época da Inocência (1993); Carrington - Dias de Paixão (1995); Evita (1996); 007 - O Amanhã Nunca Morre (1997); Ronin (1998); Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra (2003); Os Irmãos Grimm (2005); Piratas do Caribe: O Baú da Morte (2006); Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007); G.I. Joe: A Origem de Cobra (2009); G.I. Joe: Retaliação (2013); A Salvação (2014); Game of Thrones  (seriado 2015 -2016); The Man Who Killed Don Quixote (2018) ; Dois Papas (2019).

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