sexta-feira, 16 de maio de 2025

CIDADE DAS ILUSÕES / FAT CITY (1972) - ESTADOS UNIDOS


VIDAS SEM RUMO

Em um dia qualquer, no início dos anos 70, Billy Tully (Stacy Keach), um ex-pugilista, agora com 29 anos, resolve ir a YMCA. Ele encontra Ernie (Jeff Bridges), um jovem de 18 anos. Ambos treinam juntos e Billy se surpreende com a habilidade do jovem que nunca lutou boxe. Ele o incentiva a procurar seu antigo empresário e tentar uma carreira de sucesso no boxe. O jovem conhece assim Ruben Luna (Nicholas Colusanto), que administra uma academia local, agencia lutadores e promove lutas quando a oportunidade surge.

Billy ainda sonha com dias melhores, um retorno triunfal aos ringues, retomando sua carreira. Desde que perdeu sua luta mais importante, da qual atribuiu uma falta de sorte, caiu no alcoolismo e foi abandonado pela esposa, vivendo seus dias quase como um errante, conseguindo trabalhos braçais por alguns trocados. Billy se envolve com a ébria Oma (Susan Tyrell) enquanto o companheiro desta, Earl (Curtis Cokes), encontra-se preso. Já Ernie, incentivado por Ruben, que o vê como um lutador capaz de se tornar um novo campeão, aceita uma luta, mas o resultado não é o esperado. Só que Ernie terá problemas ainda maiores: ele engravidou a namorada Faye (Candy Clark) e agora os dias de gloria do mundo do boxe começam a lhe parecer cada vez mais distantes. Inesperadamente, surge uma oportunidade para Billy voltar aos ringues e quem sabe retomar a carreira.


Cidade das Ilusões, título nacional, foi mais adequado a temática do filme “Fat City”, título derivado do livro homônimo do escritor Leonard Gardner. Fat City, um título cercado de ironia, era uma gíria usada por músicos de jazz que significava "a boa vida", ou seja, quando alguém dizia que queria ir para “Fat City”, significa que buscava uma vida boa.

O espectador desavisado sobre a proposta do filme poderá se surpreender ao descobrir que este traça um quadro nada lisonjeiro de uma América que as lentes de cinema costumam simular não existir, pois os espectadores preferem ver nas telas uma válvula de escape às arestas menos cruas da realidade, por isso filmes da saga Rocky fazem tanto sucesso. Aqui, o cineasta John Huston preferiu nos apresentar um amargo retrato da decadência humana, uma observação social, uma obra pungente, estrelada por perdedores, de um lado um veterano e decadente e do outro um jovem sem perspectivas e seus personagens que orbitam à sua volta. O diretor transmite o sentido do que significa ser perdedor, de sonhos e indivíduos irrealizados. Melancolia se transformando em angústia. Angústia se transformando em amargura. E, se no ringue as lutas terminam, na vida há outra que não cessa nunca: a luta desses espectadores de seus próprios destinos por não perderem definitivamente a dignidade. Por isso, Cidade das Ilusões faz tudo o que filmes de boxe supostamente evitam. O cinema sempre foi fascinado por vencedores. Perdedores não servem de inspiração.

Esse era um filme da qual não me lembrava mais o nome. Me lembrava de ter visto, há décadas atrás, uma cena que me impactara: um boxeador decadente (interpretado pelo boxeador da vida real Sixto Rodriguez), antes de entrar no ringue, urinava sangue, nos revelando obviamente sua incapacidade de ali estar. A curiosidade de ver um filme com Jeff Bridges e Stacy Keatch me levou ao filme e a grata surpresa de assistir a um filme denso, repleto de reflexões, e mais perto da realidade. Novamente, a cena e agora a percepção do contexto, vital para explicar que, às vezes, na vida, uma vitória pode não ser mérito de uma pessoa, mas a impossibilidade da outra de poder vencer, mesmo que ninguém nunca venha a saber.  A ilusão de uma vitória pode ocultar a verdade. Ainda que ilusões tragam mais felicidade. Mas, apesar de todos os personagens parecerem condenados ao fracasso, Huston nos transmite certa simpatia para com alguns deles para quem o Sonho Americano é um conceito essencialmente abstrato.

Cidade das Ilusões é o tipo de cinema onde a interpretação dos atores é fator crucial para o filme funcionar. E Huston sabia, como poucos, tirar o melhor de seus atores. Stacy Keach entregou uma ótima interpretação de um pugilista decadente, alcoólatra, abandonado pela esposa e desempregado, vivendo às custas de "biscates". Ele vive em um mundo de fantasia repleto do que "poderia ter sido". Jeff Bridges, vindo de uma indicação ao Oscar por "A Última Sessão de Cinema" (1971), fez Ernie, um jovem sem perspectivas que se enche de esperanças ao encontrar o fracassado treinador, mas perde o rumo ao saber da gravidez da namorada. O que podemos perceber é que Ernie terá uma vida vazia pela frente, Billy  uma vida vazia já para trás. Eles são reflexos um do outro: Billy vê no jovem quem ele era, Ernie, vê no ex-pugilista quem ele está fadado a ser. Dois homens resignados com um destino sem saída que ambos buscam evitar. Ruben (Nicholas Colasanto) está velho, chegou perto, nunca revelou um campeão, mas quando Ernie entra na academia, ele acredita ter um novo Rocky Marciano. Ele sonha, acredita, mesmo quando a realidade insiste em o confrontar com a amarga verdade, nunca deixando de incentivar seus jovens futuros perdedores. O filme não nos revela se algum dia teve realmente talento em sua profissão ou se sempre desejou que a sorte lhe sorrisse. Quando Billy fala em voltar, Ruben volta a sonhar, volta a pensar que ainda há fogo sobre as cinzas, que no final irá zombar do que o destino teima em lhe reservar. Candy Clark (Faye), estreando em longa-metragem, fez a jovem vulnerável e esperançosa que engravida de Ernie, o força a um casamento, sem conseguir perceber o futuro sombrio que terminou construindo para si própria. Susan Tyrrell realmente impressionou no papel de Oma, o que lhe garantiu uma merecida indicação ao Oscar. Sua personagem, bêbada em tempo integral, carente de afeto e de frases interessantes, nos revela o quanto esse elenco foi bem escalado. Tyrell perdeu o Oscar para Eileen Heckart por ”Liberdade para as Borboletas” (1972). 

Único filme dirigido por John Huston sobre boxe, Cidade das ilusões começa e termina com a música "Help Me Make It Through the Night" de Kris Kristofferson. Possui uma bela fotografia a cargo de Conrad Hall (percebam a cena em que o lutador derrotado faz sua caminhada solitária até a saída com as luzes sendo apagadas sequencialmente) Se tudo isso faz Fat City parecer uma experiência deprimente, provavelmente, porque realmente o é. E isso é que torna o filme tão interessante, nos mostrar que nem todos estão vencendo, existem sempre aqueles que raramente se propõem a alcançar o que almejam ficando para trás na corrida da vida, mas que ainda se apegam às suas ilusões de sucesso. Huston sempre teve apreço pelos que não lograram sucesso ao fim de sua jornada, basta vermos filmes como “Tesouro de Sierra Madre”, “Moby Dick” e ”O Segredo das Joias” sobre indivíduos que não puderam vencer por causa de suas limitações. Personagens que tentaram modificar suas vidas e tentaram vencer as adversidades, mas que se chocaram com uma série de obstáculos.

Trailer: 




Curiosidades:

De acordo com Stacy Keach, Sixto Rodriguez o nocauteou durante a cena de luta e essa cena aparece no filme

John Huston inicialmente queria que Marlon Brando interpretasse Tully. Quando Brando insistiu com Huston que precisava de mais tempo para pensar, Huston finalmente chegou à conclusão de que o astro não estava realmente interessado e procurou outro ator até finalmente escalar a então relativamente desconhecida Stacy Keach

John Huston originalmente queria que Beau Bridges interpretasse Ernie, mas o ator achou que ele era velho demais. Ele recomendou seu próprio irmão, Jeff Bridges, para o papel.

Curtis Cokes, que interpretou Earl, foi na vida real um campeão mundial de boxe peso médio, mas não interpretou um boxeador no filme.

Alguns antigos companheiros de boxe do diretor John Huston, de seus velhos tempos de boxe, foram escalados por ele para o filme em papéis pequenos e coadjuvantes

O filme contou com vários boxeadores e/ou campeões de boxe da vida real no elenco, incluindo: Art Aragon, Curtis Cokes , Álvaro López , Wayne Mahan e Ruben Navarro.

Na cena perto do final, que parece um congelamento de cena , na verdade os atores foram instruídos pelo diretor a ficarem imóveis retomando o movimento, assim simulando o congelamento da imagem.

O ator Al Silvani , que apareceu sem créditos no filme como o árbitro da luta Tully-Lucero, mais tarde apareceu em três primeiros filmes de Rocky. Silvani também apareceu mais tarde na comédia de Clint Eastwood, Doido para Brigar... Louco para Amar (1978), e em filmes de boxe como Dempsey (1983), Goldie e o Pugilista (1979), The All-American Boy (1973) e Goldie e o Pugilista vão a Hollywood (1981).

O próprio diretor John Huston foi, durante sua juventude, por um curto período, campeão amador semiprofissional de boxe em Los Angeles, Califórnia.

Stacy Keach por este filme em 1972 foi premiado, empatado com Marlon Brando por O Poderoso Chefão (1972), com o prêmio de Melhor Ator do Kansas City Film Critics Circle Awards.

O primeiro de dois filmes cult de boxe estrelados por Nicholas Colasanto (que mais tarde ganharia fama como treinador no seriado “Cheers” (1982). O próximo seria “Touro Indomável” (1980). Ambos mostram como um boxeador peso-médio pode ser seu pior inimigo

Estreia no cinema dos campeões de boxe da vida real Curtis Cokes e Ruben Navarro, que interpretaram Earl e Fuentes, respectivamente.

Primeiro longa-metragem cinematográfico que o diretor John Huston dirigiu inteiramente nos Estados Unidos desde Os Desajustados (1961), um intervalo de cerca de onze anos.

As atrizes Margot Kidder e Jennifer Salt fizeram o teste para este filme.

Susan Tyrrell faleceu aos 67 anos de ataque cardíaco

Nicholas Colasanto  faleceu aos 61 anos de ataque cardíaco


Trilha Sonora:

Help Me Make It Through the Night - Kris Kristofferson

The Look of Love - Dusty Springfield with featured saxophone soloist Duncan Lamont

If - Bread


 

Cartazes:

 


 

Filmografias Parciais:

Stacy Keach






Por que tem de serAssim? (1968); O Fim de um Carrasco (1970); Os Novos Centuriões (1972); A Honra do Regimento (1975); A Cruz dos Executores (1976): S.O.S. - Submarino Nuclear (1978);  Cavalgada dos Proscritos (1980); O Campeão da Temporada (1982); Mike Hammer (seriado 1984-1987); Mike Hammer: Murder Takes All (1989); A Guerra dos Donos do Amanhã (1990); Falsa Identidade (1990); Milena, A Amante de Franz Kafka (1991); Estrada da Morte (1992); Trilogia do Terror  (1993); Desejo Fatal (1994); Ivanhoé - A Primeira Batalha (1995); Fuga de Los Angeles (1996); Mike Hammer, Private Eye  (seriado 1997-1998); A Outra História Americana (1998); Colheita Maldita 666: Isaac Está de Volta (1999); A Irmandade (2000); Segredo de uma Fortuna (2001); Meus Amigos do Peito (2003); O Padrinho (2004); O Poder da Traição (2005); Encontros ao Acaso (2006); Prison Break (seriado 2005 -2007); Lone Rider (2008); The Portal (2010); O Legado Bourne (2012); Nebraska (2013); Sin City: A Dama Fatal (2014); Celular (2016); Dia da Namorada (2017); Gotti: O Chefe da Máfia (2018); NCIS: Nova Orleans (seriado 2015-2019); Blue Bloods (seriado 2016-2020); O Chefe da Casa (seriado 2017-2020).

Jeff Bridges






Muralhas de Ódio (1970); A Última Sessão de Cinema (1971); Cidade das Ilusões (1972); Quando o Ódio Explode (1973); O Importante é Vencer (1973); O Homem de Gelo (1973); O Último Golpe (1974); O Guarda-Costas (1976); King Kong (1976); Morte no Inverno (1979); O Portal do Paraíso (1980); Tron - Uma Odisséia Eletrônica (1982); Paixões Violentas (1984); Starman - O Homem das Estrelas (1984); O Fio da Suspeita (1985); Morrer Mil Vezes (1986); A Manhã Seguinte (1986); Nadine - Um Amor à Prova de Bala (1987); Tucker - Um Homem E Seu Sonho (1988); Susie e os Baker Boys (1989); O Pescador de Ilusões (1991); Nada a Perder (1992); O Silêncio do Lago (1993); Sem Medo de Viver (1993); Contagem Regressiva (1994); O Espelho tem Duas Faces (1996); O Grande Lebowski (1998); O Suspeito da Rua Arlington (1999); A Musa (1999); Cenas do Crime (2001); K-Pax - O Caminho da Luz (2001); Homem de Ferro (2008); Coração Louco (2009); Um Caminho para Recomeçar (2009);  Os Homens que Encaravam Cabras (2009); Tron: O Legado (2010); Bravura Indômita (2010); O Doador de Memórias (2014); O Sétimo Filho (2014); A Qualquer Custo (2016); Kingsman: O Círculo Dourado (2017); Homens de Coragem (2017); Maus Momentos no Hotel Royale (2018)


Susan Tyrrell (1945-2012)






O Parceiro do Diabo (1971), Cidade das Ilusões (1972), Catch My Soul (1974), Hannah, A Esposa Comprada (1974), Instinto Homicida (1976), A Ilha do Adeus (1977), O Espírito de James Dean (1977), Outro Homem, Outra Mulher (1977), A Noite dos Amantes (1981), Alerta Noturno (1981), Crônica de um Amor Louco (1981), Fogo e Gelo (narração 1983), Anjo - Inocência e Pecado (1984), O Outro Lado do Amor (1984), Anjo Vingador (1985), Conquista Sangrenta (1985), A Última Fuga (1986), A Estrela de Natal (1986), A Rainha do Poquer (1987), Do Sussurro ao Grito (1987), Tapeheads: Uma Dupla Muito Louca (1988), Pee-Wee: Meu Filme Circense (1988), Bem Longe de Casa (1989), A Demolidora (1995), Energia Pura (1995), A Máscara do Anonimato (2003)


Candy Clark






Cidade das Ilusões (1972); A História de James Dean (1976); O Homem Que Caiu na Terra (1976); American Graffiti – Loucuras de Verão (1979); Trovão Azul (1983); Amityville - A Casa do Medo (1983); Olhos de Gato (1985); Caminhos Violentos (1986); Buffy - A Caça-Vampiros (1992); Zodíaco (2007); Cold Moon (2016); 5 Weddings (2018) 

 

Nicholas Colasanto (1924-1985)






Jogo Perigoso (1966), Ironside (1967), O Salário do Crime (1968), Cidade das Ilusões (1972), Trama Macabra (1976), Touro Indomável (1980), Cheers (seriado 1982–1985) e participação em seriados

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá Cinéfilos.
Obrigado por visitarem minha página.
Estejam à vontade para comentarem, tirarem dúvidas ou sugerirem análises.
Os comentários sofrem análises prévias para evitar spans. Tão logo sejam identificados, publicarei. Quaisquer dúvidas, verifiquem a Política de Conduta do blog.
Sua opinião e comentários são o termômetro do meu trabalho. Não esqueça de informar o seu nome para que possa responder.
Visitem a minha página homônima no Facebook onde coloco muitas curiosidades sobre cinema , séries e quadrinhos (se puderem curtir ajudaria). Comentários que tragam e-mails e telefones não serão postados
Bem-vindos.
Cinéfilos Para Sempre