John Singer (Alan Arkin) é surdo-mudo e tem como único
amigo o grego Antonapoulos (Chuck McCann), que sofre do mesmo problema e possui um
certo grau de infantilidade. Certo dia, depois de causar mais um tumulto na
vizinhança e o juiz advertir que não aceitará mais nenhuma desculpa, a família
resolve internar Antonapoulos em um sanatório. Para ficar mais próximo do amigo, Singer larga o emprego e se muda para outra cidade
onde consegue emprego e aluga o quarto de uma família, cujo patriarca, Kelly (Biff McGuire), encontra-se
temporariamente em uma cadeira de rodas sem poder obter renda para sustentar sua
família. O quarto da jovem Mick (Sondra Locke) é o escolhido pela família, o que gera certa revolta na jovem. Mick sonha estudar,
sonha aprender música, sonha ser alguém na vida, mas as condições de sua
família a levam em direção a evasão escolar e a busca de emprego. Singer
percebe a forte atração de Mick pela música clássica, em especial Mozart, e a
apresenta ao compositor através de discos. Ao mesmo tempo passa a influenciar positivamente
a vida do alcoólatra Blount (Stacy Keach) e ajuda o médico afro-americano Copeland (Percy
Rodriguez) a entender o que fez sua filha (Cicely Tyson) abandonar tudo pelo
qual ele planejou para sua vida, em prol
de um grande amor.
Traduzir e adaptar um livro nunca é uma tarefa fácil. Normalmente, pela riqueza de uma obra, muitas mudanças são feitas para caberem dentro da metragem que os Estúdios consideram como economicamente viável para lançar um filme e obter retorno. Quando o livro é famoso as críticas e comparações serão inevitáveis, pois teremos omissões, situações minimizadas e os personagens normalmente serão diferentes do modo como cada um vê. Por Que tem que ser Assim? não foge à regra, na verdade, apenas a valida. E quando, ainda assim, o filme consegue entregar um produto diferente, mas substancial, impactante e reflexivo? É o caso deste filme.
A direção de Robert Ellis Miller (1927–2017), que oscilava seus trabalhos entre cinema, telefilmes e seriados pegou o primeiro romance da jovem Carson McCullers e soube captar sua essência. Se faltam personagens, como o homem do bar, ou certas motivações dos personagens são reduzidas, há qualidade poética, profundidade e solidez por sobre a aura obsessiva que o livro demonstra. Logo no início, o primeiro personagem a surgir na tela nos traz uma sensação de que uma nota cômica percorrerá o filme. Mas, a partir do momento que Singer se percebe sozinho, várias facetas dos personagens que o rodeiam nos são reveladas, assim como as várias facetas da sociedade (aqui houve uma mudança de época do livro para o filme) que influenciam diretamente na vida dos personagens. E a aura de tragédia começa a permear o filme lentamente, neste conto cativante de amizade(s) em meio ao conflito da vida.
Transpor os anos da Depressão Americana e Primeira Guerra
Mundial para os anos 60 (época do filme em que, provavelmente, os envolvidos entendiam
como mais identificável ao público) podou um pouco a força do filme frente ao livro, mas a
ideia central de que o ser humano está sempre mais preocupado com seus próprios
problemas do que em perceber que seu semelhante também pode estar em aflição, funciona no filme, a partir do momento que vemos o solitário Singer ajudar as
pessoas a sua volta, mas poucos se preocupam em ajudá-lo, acreditando que ele
não tenha problemas. Singer quer companhia, quer alguém para jogar xadrez pelo menos. Sua vida
é de casa para o trabalho e suas noites solitárias. Ele se percebe colocado de lado, frente a uma sociedade que preconceituosamente, o classifica, a primeira vista, para depois conhecê-lo.
Ao conhecer Blount, ao invés de caçoar dele por seu alcoolismo como os demais, Singer percebe o ser humano discriminado (como ele, por sua incapacidade de se comunicar nos padrões que a sociedade adotou) por trás do vício, o que muda a vida do ébrio quando percebe que uma pessoa lhe esticou a mão quando mais precisava. Singer também se depara com Copeland, um médico que construiu uma carreira na América racista e segregadora dos anos 60. Que sofreu e sofre na pele por sua cor. Uma sociedade que não aceita sua posição social conquistada através de dedicação e esforço e que lhe deu uma visão bem ruim do ser humano, levando-o a tratar apenas seus pares, visto que poucos possuem condições de terem um tratamento digno. Copeland vive em conflito com a filha Portia, que abdicou da medicina, que ele tanto desejava que ela seguisse, para ser uma “trabalhadora comum”. Já Portia não aceita a indiferença com que seu pai trata seu marido, mas o que ambos não sabem é que suas vidas em breve estarão permeadas pela tragédia e Singer se sente na obrigação de dar um momento a ambos, antes que mais nada possa ser dito. Mas é com a jovem Miko que Singer estabelece um vínculo mais forte. Ele se compadece daquela jovem de 14 anos que começa a enxergar uma vida que pouco tem para oferecê-la em sua atual condição. Ele traz luz à vida melancólica de Mick, traz sentido, traz esperança. Os sentimentos da jovem a confundem. Um jovem da escola surge em sua vida, o primeiro namorado, seus problemas ... enquanto Singer mergulha em sua solidão, sem ninguém que lhe dê atenção, que realmente o escute. Todos desabafam quando estão com Singer, acreditam que ele é um ótimo ouvinte, nem percebem que ele lê lábios, que eles precisam sempre direcionar seus lábios para ele. Mas Singer não possui ninguém para desabafar. Seu melhor amigo está no sanatório, não está melhorando, na verdade, está piorando, e isso só amplia a desesperança que Singer tem da vida.
O elenco é muito bom. Alan Arkin concorreu ao Oscar por
sua atuação, mas perdeu para Cliff Robertson por “Os Dois Mundos De Charly”. Uma
pena. Sua atuação é vigorosa, silenciosa e solidária transmitindo todas as
dimensões de seu caráter, especialmente a inteligência e sensibilidade de um
homem “invisível” em meio a multidão, como uma folha ao vento. Destaque para
os momentos em que se expressa por sinais, que não são traduzidos, mas
entendidos, para que o público tenha a real sensação de seu personagem. Sondra
Loke (estreando no cinema) estava com 24 anos na época fazendo um personagem de
14 com cara de 16 a 17. Logo, de cara, ganhou uma indicação ao Oscar de Melhor
atriz Coadjuvante perdendo para Ruth Gordon por "O Bebê de Rosemary". Sondra, conhecida
por seus filmes com Clint Eastwood, impressiona na pele da jovem perdida em
suas incertezas e expectativas (muitos reconhecem nessa personagem do livro a própria autora
McCullers). Outro ator que estreava no
cinema era Stacy Keach, que ficaria famoso pelo seriado "Mike Hammer" e poderá ser lembrado por sua participação em "A Outra História Americana". Sua participação aqui é
rápida, mas muito boa. Percy Rodrigues (1918–2007), na pele do médico, consegue transmitir a carga dramática
necessária e Cicely Tyson (1924–2021) ganharia o Oscar por "Lágrimas de
Esperança" (1972). Em 2019 receberia também um justo Oscar Honorário pelo conjunto de
sua obra. Sua última atuação foi no ótimo seriado “Como Defender um Assassino”,
como a mãe da personagem de Viola Davis. Cicely está ótima em cena, como a filha
incompreendida de Copeland que o culpa por seus problemas.
Por que tem de ser Assim? (título nacional nada interessante para “O Coração é um Caçador Solitário”), mesmo com as omissões do livro, consegue transmitir sua mensagem da solidão total do indivíduo e a luta para rompê-la através do amor, por mais imperfeito que esse pudesse ser. Tem um final forte, mas poético, que ficará um bom tempo na mente do espectador. Revela-se um drama mais direcionado aqueles que possuem certa maturidade frente à vida, pois suas percepções serão bem melhor aproveitadas. Filme que esteve em nossos cinemas e TV, desapareceu das exibições, ficou esquecido, mas que funciona, independente do livro, pois é muito bem dirigido. Um filme a ser redescoberto.
Trailer:
Curiosidades:
Filme disponível no YouTube, legendado, com o nome do livro: "O Coração é um Caçador Solitário"
Alan Arkin conquistou o Oscar por "Argo" (2012) e foi indicado três vezes por "Os Russos Estão Chegando! Os Russos Estão Chegando!"(1966); "Por que tem de ser Assim?" (1968) e "Pequena Miss Sunshine" (2006);
Cecily Tyson também recebeu três prêmios Emmy; um em 1994 e dois em 1974
Sondra Locke faleceu em 3 de novembro, aos 74 anos, em sua casa em Los Angeles, de parada cardíaca causada por câncer de mama e ossos.
Para esconder sua idade, Sondra Locke falsificou seu ano de nascimento mais vezes do que Joan Crawford, Mae West ou Zsa Zsa Gabor. Quando o filme estava sendo feito em 1967, a falecida atriz (nascida Sandra Smith em maio de 1944) tinha 23 anos, mas um comunicado à imprensa internacional dizia que ela tinha 17 anos. Mas levou décadas para que os meios de comunicação de massa percebessem. Na época da estreia do filme em 1968, Locke alegou ter 21 anos, mas na verdade tinha 24. Enquanto promovia Josey Wales, o Fora da Lei (1976), oito anos depois, a então jovem de 32 anos disse que tinha 20 anos. os meios de comunicação relataram erroneamente que Locke tinha 29 anos em 1978 (quando ela tinha 34); 26 em 1979 (35 então); e 30 em 1980 (na verdade 36). Sua verdadeira idade foi finalmente confirmada por seu meio-irmão materno, Donald Locke, em uma entrevista exclusiva com o The Tennessean em 1989. Sondra Locke tinha 45 anos em 1989, mas seu assessor afirmou que tinha 42. Locke nunca confessou sua idade, nem mesmo mentiu sobre em sua autobiografia. Em uma entrevista em podcast de 2015, a ex-estrela de 71 anos disse que "estava se formando no colégio" quando começou a trabalhar neste filme. Locke se formou no colégio em maio de 1962 aos 18 anos - mais de cinco anos antes de ser escalada para The Heart Is a Lonely Hunter.
Percy Rodrigues interpreta o pai de Cicely Tyson, mas era apenas seis anos mais velho que Cicely.
Aparecendo no sopé da rua principal da nova cidade de Singer (na verdade Broad Street em Selma, Alabama, EUA), está a Ponte Edmund Pettus, que ficou famosa por uma série de marchas pelo direito de voto em 1965 nas quais manifestantes tentaram atravessar a ponte em o caminho de Selma para Montgomery. A violenta reação na ponte para a marcha pacífica ganhou as manchetes nacionais. O filme foi filmado aqui apenas cerca de dois anos após este evento.
A atriz Bonnie Bedelia confidenciou ao Los Angeles Times de 8 de outubro de 1967 que "eles decidiram que eu era muito velha" quando ela fez o teste para o mesmo papel de Sondra Locke. No final das contas, Bedelia era quatro anos mais nova que Locke, que mentiu sobre sua idade.
Laurinda Barrett, que interpretou a mãe de Sondra Locke, é na realidade apenas 12 anos e meio mais velha.
George Peppard recebeu o roteiro da Warner Bros., mas seu agente o dissuadiu, dizendo que o papel de Singer, um surdo-mudo, era muito fraco
Sondra Locke casou-se com o ator Gordon Anderson durante a produção deste filme.
Montgomery Clift foi convidado para interpretar Singer (personagem de Alan Arkin) em uma versão do início dos anos 1960 que nunca saiu do papel.
O ex-contratado da Warner, Andrew Duggan, narra o trailer e Sondra Locke lê algumas passagens do romance original não encontradas no filme.
O comediante Jackie Vernon foi inicialmente escalado para o papel interpretado por Chuck McCann.
No filme, Mick (Sondra Locke) é dois anos mais novo que Harry (Wayne Smith). Na realidade, Locke era cinco anos mais velho que Smith.
Joseph Strick abandonou o filme como diretor no início da produção e foi substituído por Robert Ellis Miller.
Outras duas obras da escritora foram adaptadas para o cinema: "Cruel Desengano" (Member on the Wedding) 1953 e "Os Pecados de Todos Nós" (1967) que passaram na Tv brasileira.
Cicely Tyson faleceu aos 96 anos. A Causa não foi revelada
Percy Rodrigez faleceu aos 89 anos de Insuficiência Renal.
Sondra Locke faleceu, aos 74 anos, de parada cardíaca decorrente de Câncer de Mama e Ossos.
Chuck McCann faleceu em 2018 aos 83 anos de Insuficiência Cardíaca Congestiva
Alan Arkin em Pequena Miss Sunshine
Sondra Locke em Rota Suicida
Percy Rodriguez no seriado Jornada nas Estrelas
Cicely Tyson em Como Defender um Assassino
Stacy Keach em A Outra História Americana
Cartazes:
O Livro
Filmografia Parcial:
Alan Arkin (1934-2023)
Os russos Estão
Chegando! Os Russos Estão Chegando! (1966); Por que tem de ser Assim?
(1968); Ardil 22 (1970); Visões de Sherlock Holmes (1976); O Jovem
Lobisomem (1981); O
Quarto Sábio (1985); Fuga de Sobibor (1987); Edward Mãos de Tesoura
(1990); Havana (1990); O Sucesso a Qualquer Preço (1992); O Anjo da Guarda
(1994); O Que É Isso, Companheiro? (1997); Gattaca - Experiência Genética
(1997); Anjo de Vidro (2004); Pequena Miss Sunshine (2006); Firewall -
Segurança em Risco (2006); O Suspeito (2007); Agente 86 (2008); Marley & Eu
(2008); Argo (2012); Ajuste
de Contas (2013); Despedida em Grande Estilo (2017); Dumbo
(2019); O Método Kominsky (seriado 2018-2019); Troco em Dobro (2020)
Sondra Locke (1944–2018)
Por que tem de
ser Assim? (1968); Calafrio (1971);
Josey Wales - O Fora da Lei (1976); Rota
Suicida (1977); Doido
para Brigar... Louco para Amar (1978); Bronco Billy (1980); Punhos
de Aço - Um Lutador de Rua (1980); Impacto Fulminante (1983); Ratboy
(1986); O Jogo do Profeta (2000).
Percy Rodriguez
Respondendo à Bala (1966); Por que tem de ser Assim? (1968); A Caldeira do Diabo (seriado 1968-1969); The Forgotten Man (1971); Deixem a Cidade Se Vingar (1972); The Legend of Hillbilly John (1972); Genesis II (1973); Os Últimos Sobreviventes (1975); The Lives of Jenny Dolan (1975); Dr. Laurence Mallen (1975); Enigma (1977); O Estrangulador Invisível (1978); Ring of Passion (1978); O Cavaleiro da Noite (1979); O Caso do Espírito Sinistro (1987)
Cicely Tyson (1924–2021)
Homens em Fúria (1959); Um Homem Chamado Adam (1966); Os Farsantes (1967); Por que tem de ser Assim? (1968); Lágrimas de Esperança (1972); O Pássaro Azul (1976); Aeroporto 79: O Concorde (1979); Rompendo Correntes (1981); Samaritan: The Mitch Snyder Story (1986); Tomates Verdes Fritos (1991); Veias do Ódio (1997); Espíritos de Natal (1997); Diário de uma Louca (2005); Histórias Cruzadas (2011); Evocando Espíritos 2 (2013); O Regresso para Bountiful (2014); O Limite da Traição (2020); Como Defender um Assassino (seriado 2015-2020)
Quando vi este filme eu era muito novo, numa dessas madrugadas em que você perde o sono e liga a televisão (não sei se escondido ou não !!!) e eis que está passando um maravilhoso filme, o título e a história me emocionam ainda hoje (agosto de 2022)
ResponderExcluirBoa noite
ResponderExcluirSim, é um daqueles que passavam nas madrugadas, pena que as emissoras e streaming não se interessam por passar esses filmes. E o filme realmente, ainda hoje, tem força para emocionar. Obrigado por comentar, seja bem-vindo e um grande abraço.
Grato pela rapidez e atenção em responder e me incluir neste blog, ontem eu vi a primeira parte hoje verei a segunda pois é preciso sentar-se e ler as legendas, estou em momento muito delicado e sensível da minha vida então estou bastante choroso. Outro filme que vi quando criança por volta de 1983 foi Pesadelo do Acaso, um filme horrível pois mostra o sofrimento de duas jovens, senso uma negra que são presas por policiais estadunidenses, eu deveria ter no máximo oito anos, mas algumas cenas me marcaram muito, vi quando fui visitar minha avó em Florianópolis-SC, eu estava de férias, você acredita que faz quase 40 anos, só vi uma vez e me lembro de algumas cenas, já procurei na Internet vi que existem alguns trechos e até mesmo o filme por completo, porém sem coragem de ver. Um filme que tenho em dvd é A Cor Púrpura, ele ficou no plástico por anos e quando o retirei só assisti ao filme uma vez, eu choro demasiado . Um abraço e vida longa e saudável a você e ao blog maravilhoso
ExcluirBom dia Atalaia.
ExcluirPesadelo ao Acaso foi um dos telefilmes de maior audiência em 1976 quando exibido nos EUA e estreou por aqui em 01 fevereiro de 1986 no Supercine pela TV Globo. O filme pode ser encontrado no Youtube pelo título original "Nightmare in Badham County", permitindo acionar as legendas automaticas traduzidas para o português (o serviço ainda não é muito bom, por isso algumas palavras são traduzidas erradas). O interessante é que foi exibido nos EUA com cortes, sendo exibido em alguns cinemas no exterior na íntegra. Fez tanto sucesso na China que a atriz Deborah Raffin tornou-se "embaixadora não oficial de Hollywood" naquele país. A Cor Púrpura é outro grande filme, sem dúvida, também com temática forte e com vários prêmios. Pode ser que futuramente ambos os filmes apareçam por aqui. Espero que Deus lhe dê forças para superar este momento pela qual você atravessa e que sua vida possa seguir com bençãos. Muito obrigado por comentar. Um grande abraço e volte sempre.
Assisti no Cine Vitória em Tubarão, quando foi lançado no Brasil. Sondra encantadora. Arkin maravilhoso. Final chocante. Inesquecível. Trilha sonora linda.
ResponderExcluirBoa tarde Edson.
ExcluirSem dúvida, é um grande filme com grandes atuações e um final que quem assiste dificilmente esquece. Muito legal você ter assistido no cinema. É um filme que, na tela grande, deve trazer uma percepção melhor que na tela pequena. Muito obrigado por visitar o blog e tecer comentários. Seja bem-vindo e um grande abraço.