O CREPÚSCULO DO CINEMA COMO RITUAL COLETIVO
Salvatore Di Vita (Jacques
Perrin) é um famoso cineasta vivendo em Roma. Há 30 anos partira de sua cidade
natal e nunca mais retornara, sequer para visitar a mãe. Certo dia, recebe a notícia que seu grande
amigo, o projecionista Alfredo (Philippe Noiret), falecera. A notícia o pega de
surpresa, deixando-o insone e a recordar seus tempos de infância (Salvatore
Cascio) e de adolescência (Mario Leonardi) na cabine ou na plateia do Cinema. Ele voltará para uma última homenagem a Alfredo
e para reencontrar o Paradiso.
Giuseppe Tornatore (em seu segundo longa-metragem) lançou Cinema Paradiso em seu país com a duração de 155 minutos (havia antes mostrado uma versão de 173 minutos no EuropaCinema Festival), ficando apenas uma semana em cartaz e sendo arrasado pela crítica. O diretor (na época com 33 anos) voltou à sala de montagem e cortou 22 minutos de sua obra e o inscreveu no Festival de Cannes. A nova versão, agora de 123 minutos, agradou e muito. Tornatore saiu com Prêmio Especial do Júri desbancando “Splendor” (de Ettore Scola) sua obra irmã. Ganhou um novo lançamento em sua terra natal, encantando a crítica, batendo recordes de bilheteria e fazendo sucesso mundo afora. Além disso, ganhou um Globo de Ouro de Melhor Lançamento Estrangeiro de 89. Posteriormente, ganharia o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de Língua Não Inglesa (a Itália não ganhava um Oscar desde Amacord -1973) e diversos prêmios. A Versátil lançou em 2005 a versão de 123 minutos e a de 174 minutos (Cinema Paradiso: The New Version) – uma versão do diretor (Director’s Cut), mas a versão comercial original que poucos viram foi a de 155 minutos.
Contado em flashbacks, o filme nos mostra a trajetória do Paradiso em seus anos de gloria com o pitoresco público do vilarejo (fictício) de Giancaldo na Sicília, sul da Itália, além do relacionamento entre o projecionista do Paradiso, Alfredo, e Totó, uma criança, órfã de um pai, que não voltou da Guerra, apaixonada por cinema e que apronta todas. Um pequenino cinéfilo que se transformará em cineasta depois de substituir seu velho amigo em seu métier.
Tornatore, em “Cinema Paradiso”, celebra o cinema como arte coletiva. Pelo título, o Cinema parece ser o protagonista, mas aqui é um coadjuvante de luxo. Também é uma homenagem ao projecionista, aquele que fica “escondido” sem que o espectador perceba, mas que se revela o principal responsável pelo se que passa na tela, somente lembrado quando o filme desfoca, quando a imagem congela ou perde o som; quando as luzes não se apagam no começo da projeção ou não se acendem no fim. Tudo que Alfredo faz em seu projetor à base de carvão é uma homenagem a todos os "Alfredos" do mundo que zelam pelo filme estar pronto para assistirmos quando entramos em uma sala de cinema.
A partir das memórias de infância e adolescência de Salvatore, vemos o reencontro de um cineasta com seu passado. Veremos também o padre do vilarejo, Dom Adelfio (Leopoldo Trieste), o cliente mais fiel do cinema local. Ele comparece toda semana como um relógio, a censurar os filmes e obrigar Alfredo a cortar todas as cenas (“obscenas”) de beijos dos filmes e joga-las em um canto. Tiras de celuloide agora sem vida. O balançar de sua sineta determina qual a cena que deve ser retirada (a bem da “moral e bons costumes”). Somente o padre, Alfredo e, vez por outra, Totó (escondido na cabine) sabem quais cenas são. Ali, Clark Gable nunca beijará Vivian Leigh em “E O Vento Levou”. Emoções contidas em tiras de celuloide censuradas se acumulam, mutiladas (uma crítica a não só à censura, mas uma interessante e inesperada analogia a sua própria obra da qual foi obrigado a mutilar – a vida imitando a arte).
Mas há mais: os momentos mais felizes dos moradores são entre amigos e familiares em frente à tela grande (assistir um filme era um evento social, quase um ritual coletivo); temos o louco (Nicola Di Pinto) que mora na praça e afirma que é "sua praça!”; o homem que sempre dorme nos filmes; o homem que recita os diálogos de cor.; a chuva interrompendo a projeção ao ar livre de “Ulisses”, com Kirk Douglas; quando Alfredo torce a tela de vidro projetando o filme no paredão de um cortiço; a reação da plateia a nudez de Brigite Bardot em “E Deus Criou a Mulher”; a reação dos moradores ao verem o primeiro beijo; o incêndio, a reconstrução e a demolição de Paradiso (a implosão dos seu sonhos de menino); o primeiro amor; o exército, a partida; o presente final de Alfredo; o presente do personagem Ciccio Spaccafico (Enzo Cannavale) para os moradores que se revela notavelmente generoso (e seu desalento quanto ao destino de Paradiso)... O fio de lã se desfazendo enquanto a mãe de Salvatore desce as escadas ao encontro do filho, uma forma de não a mostrar, mas de sabermos o momento que o encontrou.
ATENÇÃO SPOILERS: SE NÃO VIU O FILME, PULE ESTE PARÁGRAFO
Quanto a versão diretor, a
vejo como um complemento da estória, que elucida algumas questões, como o elemento
mais sacrificado do filme: o relacionamento de Salvatore e Elena, que nesta
versão (173 min ou 2h53min) terá uma continuidade e uma conclusão ainda que anticlímax.
Diálogos que foram cortados, como o da mãe de Salvatore com o filho, ainda que
sem prejuízo à narrativa (como a explicação da mãe à Salvatore sobre as noites em
que este passou à espera da janela aberta ou sobre as ligações que fazia
escutando uma mulher diferente a cada ligação, menos a mulher que um dia o
filho amou). As cenas do garoto que irrita a professora na sala de aula,
respondendo zombeteiramente, não são por acaso: ele ressurgirá nesta versão com
uma importante participação. Prefira a versão menor: a do cinema, e se tiver
curiosidade busque a versão do diretor (mais cansativa e que perde um pouco do
seu lirismo ao alongar situações), que para mim mudou um pouco a percepção que
tinha do personagem Alfredo, que terá uma interferência ainda maior na vida
futura de Salvatore.
FIM DOS SPOILERS
Quanto ao elenco, Totó crescerá em tamanho e ofício, aprendendo a encontrar a felicidade na sala de cinema. Coroinha da igreja local, dorme nas missas, por passar horas fascinado pela tela, pela cabine, pela máquina de projeção, na qual tem em Alfredo, o grande ídolo daquela criança, que surge como um “mágico” capaz de passar os filmes. Veremos Salvatore em três fases da vida: infância (Salvatoe Cascio), adolescência (Marco Leonardi de “Como Água Para Chocolate”) e maturidade (Jaques Perrin), duas delas, com a presença viva de Alfredo. Ele filma sua paixão, Elena, seu primeiro amor, mas a vida, às vezes, é inimiga do amor ... Philippe Noiret interpretou Alfredo que “substitui” o pai de Totó, ensinando todos os segredos da profissão, repreendendo-o e rindo de suas travessuras, até influenciando-o na direção a um futuro que aquele lugar teima em negar. Alfredo sairá do cargo, cego pelo fogo que seu amor à arte acabou lhe causando, mas não sairá de cena. Agnese Nano interpretou a jovem Elena (na versão “uncut”, a adulta Elena Mendola é interpreta por Brigitte Fossey). A Personagem Maria Di Vita, mãe de Totó, foi interpretada por Antonella Attili (jovem) e Pupella Maggio (idosa).
Cinema Paradiso é uma
nostálgica carta de amor à uma pequena sala de cinema italiana. Um conto
agridoce sobre amizade, uma das mais tocantes que o cinema contou. Sentimental
sem cair no sentimentalismo. O apogeu e o declínio do cinema como o maior
espetáculo de massa. A história de muitos projecionistas (o “homem da cabine de
projeção”) de cidades pequenas que se viram na pele de Alfredo. Qualquer um que
ame filmes provavelmente amará "Cinema Paradiso", um filme que envolverá
você em um terno abraço e se recusará a deixa-lo partir. Poucos filmes foram
capazes de apresentar tantas homenagens a filmes em cenas. Destaque para a trilha
sonora original de Ennio Morricone, na qual ele colaborou com seu filho Andrea.
Uma obra rica, emotiva e atemporal.
Trailer:
Curiosidades:
Philippe Noiret disse todas as
suas falas em francês, sua língua nativa. Mais tarde, ele foi dublado em
italiano por Vittorio Di Prima. Na versão francesa, Noiret dublou a si mesmo.
O filme foi filmado em
Bagheria, Sicília, cidade natal de Giuseppe Tornatore. O diretor se baseou
amplamente em suas experiências de infância como inspiração para o filme.
O tema de amor do filme foi
composto por Andrea Morricone , embora seu pai, Ennio Morricone , que compôs a
trilha sonora do resto do filme, tenha arranjado a orquestração do tema.
Quando Salvatore retorna para
casa e olha para o quarto que sua mãe preparou para ele, o quadro na parede é
de “Abismo de um Sonho” (1952), filme de Federico Fellini estrelado por
Leopoldo Trieste.
O serviço militar de
Salvatore, por problemas burocráticos, dura mais de um ano.
Giuseppe Tornatore reconheceu
nos recursos especiais do DVD, que o velho Salvatore não se parecia em nada com
o jovem Salvatore.
SPOILERS:
SE NÃO VIU, O FILME PULE ESSES PARÁGRAFOS
A montagem do beijo final é
uma forma de Alfredo manter uma promessa feita a Salvatore no início do filme:
Alfredo promete que todas as cenas de beijo pertencem a Salvatore se ele não entrar
mais na sala do projetor. Mesmo que ele não cumpra o pedido de Alfredo, ele
ainda prepara o rolo para Salvatore.
O diretor Tornatore faz uma
aparição como o homem que trabalha na máquina de projeção enquanto Salvatore
assiste uma compilação de cenas que Alfredo fez para ele.
Enquanto o Cinema Paradiso
está sendo destruído, um painel publicitário de uma motocicleta pode ser visto
dizendo: "O paraíso pode esperar"
Na versão oficial levada às telas, todo
o segmento com Salvatore e Elena como adultos foi eliminado - incluindo todas
as cenas interpretadas por Brigitte Fossey - bem como algumas sequências da
primeira parte do filme
Depois do incêndio é reconstruído agora como nome Nuovo Cinema Paradiso, título do filme
FIM
DOS SPOILERS
Após a comunicação da morte do
pai de Salvatore, ele e sua mãe estão caminhando por ruínas. Salvatore vê um
pôster de “...E o Vento Levou” (1939) e sorri olhando para ele. Mais cedo no
filme, Alfredo diz a Salvatore que seu pai o lembra Clark Gable
O pequeno Salvatore, chamado
por todos de Totò, vive em Giancaldo junto com sua mãe Maria e sua irmã Lia (Roberta
Lena), esperando que seu pai, um soldado desaparecido na Rússia, retorne.
Giuseppe Tornatore fotografou
mais de 300 jovens sicilianos antes de escalar Salvatore Cascio para o papel.
Em algumas versões mais curtas
do filme, uma cena de uma Elena muito mais velha aparece nos créditos finais
(talvez intencionalmente)
Ao final do período de doze
meses de 1924, toda a produção cinematográfica da Itália não havia excedido 20
títulos. Como 220 títulos foram lançados durante 1920, em 1924, o cinema
italiano estava morrendo lentamente.
Antes de desse filme, Tornatore
era mais conhecido por diversos documentários italianos.
O filme que Alfredo passa na
faixada do cortiço é Messalina e o Bombeiro / I pompieri di Viggiù (1949)
O filme mostra a necessidade econômica dos habitantes do sul de migrarem para o norte ou para fora do país
O sucesso do filme, na época,
levantou a possibilidade do renascimento do cinema italiano que vinha
definhando após os anos 50 e 60
Tornatore voltou a receber
nova indicação ao Oscar por Homem das Estrelas (1995)
O personagem Alfredo é
inspirado no fotógrafo e projecionista da cidade de Bagheria, Mimmo Pintacuda,
amigo e professor do próprio Tornatore
Entre os atores considerados
para o papel de Alfredo estavam Marcello Mastroianni e Gian Maria Volonté
Gian Maria Volonté também foi
considerado para o papel do adulto de Totò,
Salvatore Cascio tinha 9 anos
na época da escolha para o papel
Tornatore, também o incluiu
Cascio, no elenco de “Estamos Todos Bem” (1990), filme que dirigiu dois anos
depois.
Para filmar o Cinema Paradiso
a produção escolheu a Igreja de Maria Santissima del Carmelo
ALGUNS
FILMES CITADOS NA OBRA:
...E Deus Criou a Mulher (Et
Dieu... Créa la Femme); ...E o Vento Levou (Gone With the Wind); A Felicidade não se Compra (It's a Wonderful Life) ; A Terra Treme (La terra trema); Abismo
de um Sonho (Lo Sceicco Bianco); Adeus às Armas (A Farewell to Arms); Anna
(Anna); Arroz Amargo (Riso Amaro); As Aventuras de Robin Hood (The Adventures
of Robin Hood); Asas (Wings); Belíssima (Bellissima); Branca de Neve e os Sete
Anões (Snow White and the Seven Dwarfs); Casablanca (Casablanca); Contrastes
Humanos (Sullivan's Travels); Dois Heróis (The Knockout) ; Em Busca do Ouro
(The Gold Rush); Em Nome da Lei (In nome della legge); Era uma Vez... Dois
Valentes (Babes in Toyland); Fúria (Fury) ; Gilda (Gilda); Jejum de Amor (His
Girl Friday); Luzes da Cidade (City Lights); Mambo (Mambo ); Messalina e o Bombeiro (I pompieri
di Viggiù); Mulher Tentada (Catene) - também citado nominalmente; No Tempo das
Diligências (Stagecoach) ; Noites Brancas (Le Notti Bianche) ; O Anjo Azul (Der
Blaue Engel); O Caminho da Esperança (Il Cammino della Speranza); O Grito (Il
Grido) ;O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde); O Morro dos Maus
Espíritos (The Shepherd of the Hills); O Ouro de Nápoles (L'Oro di Napoli); O
Proscrito (The Outlaw); O Submundo (Les bas-fonds); Os Boas Vidas (I vitelloni); Rio Vermelho (Red River); Sedução da Carne (Senso);
Sete Noivas Para Sete Irmãos (Seven Brides for Seven Brothers); Tempos
Modernos (Modern Times) também citado nominalmente; Ulysses (Ulisse); Umberto D. (Umberto D.); Verso la vita (Verso la vita)
O diretor Giuseppe Tornatore em uma participação
Cartazes:
Filmografias
Parciais:
Salvatore Cascio
Marco Leonardi
Jaques Perrin (1941-2022)
Portas da Noite (1946), Os Trapaceiros (1958), A Verdade (1960), As Ninfas (1961), A Moça com a Valise (1961), Dois Destinos (1962), A Corrupção (1963), Vidas Ardentes (1964), A Chance e o Amor (1964), Crime no Carro Dormitório (1965), A Fronteira (1966), Um Homem Pela Metade (1966), Duas Garotas Românticas (1967), Tropa de Choque: Um Homem a Mais (1967), Sempre Tua... Mas Infiel (1968), A Flor da Vida (1968), Viver à Noite (1968), Z (1969), O Estrangulador (1970), Pele de Asno (1970), Goya, historia de una Soledad (1971), Estado de Sítio (1972), Sessão Especial de Justiça (1975), O Deserto dos Tártaros (1976), Operação Leopardo (1980), O Ano das Medusas (1984), Desobediência (1981), Letra e Música (1984), Olhos de Tigre (1985), Cinema Paradiso (1988), Estamos Todos Bem (1990), Fuga dal Paradiso (1990), As Mãos da Morte (1992), O Vôo do Inocente (1992), Cenas de Crimes (2000), O Pacto dos Lobos (2001), A Voz do Coração (2004), Inferno (2005), Golias (2022)
Philippe Noiret (1930-2006)
Agnese Nano
Cinema Paradiso (1988), Pronto Soccorso (1990), Barocco (1991), Adelaide (1992), Fate Come Noi (2002), Milagre em Sta. Anna (2008), Aria (2009)
Antonella Attili
Pupella Maggio (1910-1999)
Fora da Lei (1947), Perdidos na Escuridão (1947), O Médico dos Loucos (1954), Mulheres Perigosas (1958), Anônimas Cocottes (1960), Maridos em Perigo (1960), Duas Mulheres (1960), 4 Dias de Rebelião (1962), A Bíblia... No Início (1966), O Médico do Instituto (1968), A Fabulosa Clínica do Dr. Tersilli (1969), O Segredo da Cosa Nostra (1972), Amarcord (1973), Cinema Paradiso (1988), Sábado, Domingo e Segunda (1990)
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