O FUTURO COMEÇOU A 80 MIL ANOS ATRÁS
Há 80.000 anos atrás, em algum
lugar não identificado do planeta, nos primórdios da idade do gelo, uma tribo chamada
Ulam se refugia em cavernas na qual guarda o seu bem mais precioso: o fogo. Certo
dia, o pequeno grupo é atacado pelos Wagaboo. Ainda que sobrevivam ao ataque,
são obrigados a abandonarem o seu local e acabam por “perder” seu bem, que lhes
garantiria a sobrevivência nos tempos gelados que se seguiriam.
Naoh (Everett McGill), Amoukar (Ron Perlman) e Nam (Naseer El-Kadi) partem em uma odisseia em busca de recuperar o fogo, mesmo sem saberem como. No meio do caminho, encontrarão tribos hostis, feras pré-históricas, mas também descobrirão a amizade, o amor e o sentido de grupo.
A Guerra do Fogo não teve uma vida fácil. O filme levou 4 anos para chegar às telas (3 anos de pesquisas e 1 de filmagem) e quase não saiu do papel quando os estúdios Columbia desistiram do projeto indo parar com a Fox. E há três semanas de se iniciarem as filmagens, houve uma greve da Screen Actors Guide, com a Fox saindo do projeto, fazendo com que um financiamento independente fosse buscado. A Internacional Cinema Corporation (canadense) viabilizou o arriscado projeto no qual as frases para o filme eram inteligíveis ao espectador (os dialetos lacônicos e o uso da mímica foram de grande acerto). Um filme de imagens, sons e música. As filmagens seriam na Finlândia, mas a greve que atrasou o projeto, fez com que a Escócia fosse a escolhida enquanto as cenas africanas foram filmadas em Tsavo ao pé da Montanha do Kilimanjaro, além de outras sequências realizadas no Canadá. Orçado em 12 milhões, foi um valor modesto, para os padrões de uma época cujo o cinema já voltava-se a efeitos especiais e especulações sobre o futuro.
O diretor Jean-Jacques Annaud (“O Nome da Rosa”, “O Urso”, “Círculo de Fogo”) era conhecido por um filme que ganhara o Oscar de Filme Estrangeiro: “Preto e Branco em Cores” (1976). O roteiro ficou nas mãos de Gerard Brach (“O Inquilino”, “Repulsa ao Sexo” e “Tess”), um eventual colaborador, até então, do diretor Roman Polanski. A inspiração veio do livro “La Guerra Du Feu” do escritor belga J.H Rosny. Já a a linguagem dos gestos, coube a Desmond Morris, zoólogo e escritor de “The Naked Ape” (“O Macaco Nu”), um estudioso do comportamento de primatas.
O diretor preferiu deixar em segundo plano os confrontos tribais e centrou o eixo da história em três pontos: uma excelente reconstituição do homem pré-histórico em seus primórdios; o modo como os Homo Sapiens, liderados por Naoh, interagem entre si e aprendem; e a busca por algo que eles não sabiam ser capaz de ser criado (o fogo). Ao trazer estes aspectos, Annaud nos coloca frente a frente com a nossa origem e esse pequeno grupo que se mantém naquele habitat (a Europa paleolítica) e que simboliza as várias tribos desses vários seres que habitaram a terra nos arbores da humanidade, uma era tão misteriosa e desconhecida quanto a que ainda está por vir. As tribos se dividem em 4 tipos: Os Ulam (os Homo Sapiens), os saqueadores Wagaboo (os Neardenthais); Os Ivaka (uma tribo mais evoluída que já sabe como criar o fogo, produzir objetos e pinturas e, conforme o diretor, também Homo Sapiens) e os Kzamm (que se tornaram canibais). Como se daria um cruzamento entre os Ivaka e os Ulam?
O elenco era até então pouco conhecido, mas eram necessários aqueles com habilidades para comunicação não-verbal. Everett McGill (“Bala de Prata” e “A Força em Alerta 2”) interpretou o líder Naoh, que irá em busca do elemento sagrado, quase sobrenatural para sua tribo. Ele é um Homo Sapiens, ele vê e aprende. Será a raça dominante como a conhecemos. Ron Perlman (“O Nome da Rosa”, “Hellboy”, o seriado “A Bela e a Fera”), estreando no cinema, interpretou Amoukar que gosta de fazer travessuras e com seus gritos e gestos desafia os oponentes. O rosto do ator caiu muito bem no personagem. Naseer El-Kadi interpretou Nam que vai descobrir do que um urso é capaz. Rae Dawn Chong interpretou Ika, uma espécie de “Promethea”, pois após ser resgatada pelos Ulam, de uma tribo de canibais, ela os presenteará com o conhecimento de fazer o fogo. Sua tribo, Ivaka, é mais avançada. Parecem ser uma variação do Homo Sapiens que, em determinado momento, percebem que a sua tribo só sobrevirá se tiver guerreiros mais fortes. É também através de Ika que Naoh descobrirá a diferença de sexo e acasalamento. A atriz teve que fazer praticamente todas as cenas nua, apenas com uma pintura tribal.
Produção franco-canadense, rodada em três continentes e ambientado na aurora da humanidade, A Guerra do Fogo não deixa e ser uma ficção-especulativa da qual muitos dirão que precisarão da Suspenção Voluntária da Descrença para aceitar a história que deve ter levado gerações e gerações para se efetivar, mas o filme é menos uma pesquisa etnológica e mais uma fantasia sobre um evento que poderia ou não ter acontecido. Arnaud, 800 séculos depois, resolveu contar uma estória que nos mostra o surgimento do conceito de família, a descoberta do amor, a necessidade de dominar, de ser amado... pequenas descobertas, mas descobertas importantes, à sua maneira (e ainda atuais). Vale como fantasia e como ciência, regado de exuberante simplicidade, pitadas de humor e muita sensibilidade.
Trailer:
Curiosidades:
Tanto Ron Perlman quanto Everett McGill sofreram queimaduras de frio; felizmente eles conseguiram se curar completamente. Apesar das condições de trabalho, os dois gostaram de fazer o filme.
Dois ursos diferentes foram usados para a sequência com o urso em uma caverna.
O cenógrafo pegou antraz ao manusear peles de animais não tratadas.
A maioria das cenas foi filmada em uma única tomada.
Ganhou o Caesar (Oscar francês) de melhor filme e diretor.
Premio de melhor filme internacional da Academia de Filmes de Fiçção-científica e Hollywood
Ganhador do Oscar de Melhor Maquiagem (Sarah Monzani e Michèle Burke)
Os mamutes peludos eram interpretados por 20 elefantes de circo. Os elefantes se estranharam com a "maquiagem", entraram em pânico e destruíram parte do material das filmagens
A cena de abertura pretendia ser apenas um teste e acabou sendo mantida porque ficou melhor do que o esperado.
Ron Perlman esperava que o filme não fosse melhor do que filmes pré-históricos como Mil Séculos Antes de Cristo (1966). Em suas memórias, ele confessou que isso o levou a ser desnecessariamente rude com Jean-Jacques Annaud durante o primeiro encontro. Em vez de se ofender, Annaud ficou fascinado pela franqueza de Perlman e (depois de se odiarem inicialmente no início das filmagens) os dois se tornariam amigos íntimos.
A língua da tribo Ivaka é derivada dos Inuit e Cree do norte do Canadá. O diálogo deles é realmente ininteligível em termos do enredo deste filme.
Rae Dawn Chong foi escalada como Ika principalmente porque ela se sentia completamente confortável em estar nua. Entre as cenas, ela permaneceu nua no set a maior parte do tempo, com maquiagem de corpo inteiro, para se manter no personagem.
A linguagem utilizada pelos homens das cavernas, que compreende todo o diálogo falado, foi criada por Anthony Burgess. Burgess é mais conhecido como autor do romance e filme Laranja Mecânica (1971), e criador da linguagem Nadsat, nele utilizada.
A tribo Kzamm foi interpretada por lutadores.
Os atores passavam por sessões de maquiagem de cinco horas todas as manhãs
O elenco foi originalmente adaptado para usar calçados, mas essa ideia foi rejeitada no início da produção.
Tudo no filme foi filmado ao vivo; Não houve efeitos ópticos feitos na pós-produção.
Este filme foi lançado nos cinemas sem legendas, mas a tecnologia de DVD e o uso comum de legendagem de filmes em DVD agora disponibilizam este filme com legendas (o que não acontecia com seu lançamento em videocassete doméstico). As legendas do DVD são títulos um tanto simplificados do diálogo pré-histórico.
Teve tanto sucesso na época de seu lançamento, tanto crítica quanto comercialmente, que o estúdio queria que Jean-Jacques Annaud retornasse para duas sequências, provisoriamente intituladas "Quest for Water" e "Quest for Iron". Ele recusou a oferta.
Iron Maiden, a banda inglesa de heavy metal, escreveu uma música sobre este filme usando o mesmo título em seu álbum "Piece of Mind" de 1983.
Everett McGill em A Força em Alerta 2
Ron Perlman em Alien, A Ressureição
Rae Dawn Chong em Um Escola Muito Louca
Cartazes:
Filmografias Parciais:
Everett McGill
Ron Perlman
Rae Dawn Chong
A Guerra do Fogo (1981); Cidade do Medo (1984); Os irmãos Corsos (1984); Beat Street - Na Onda do Break (1984); Comando Para Matar (1985); A Cor Púrpura (1985); Uma Escola Muito Louca (1986); Os Trapaceiros da Loto (1987); Um Diretor Contra Todos (1987); Contos da Escuridão (1990); O Esconderijo (1995); Cyrus (2010); Pegasus Vs. Chimera (2012); Renascida das Trevas (2018); American Crime Story (seriado 2016); We Are Gathered Here Today (2022); A entrevista de Anne Rice com o vampiro (série 2022)
A Guerra do Fogo é um daqueles muitos filmes que entendia como cult.
ResponderExcluirPois a crítica falava muito bem dele, me lembro. Mas…
Quase ninguém que conhecia o tinha visto, não havia um expectador sequer na face da Terra que o tinha feito.
Ficava pegando pó nas prateleiras da locadora. Nem o dono de lá tinha visto.
Creio que por conta da verbalização não-convencional, por não haver nenhum ator/atriz conhecido, idem para o diretor e por conta que uma estória sobre neanderthais não ter o apelo que hoje tem ( Os Croods que o digam ).
Dito isso, não me lembro de ter lido uma crítica sobre A Guerra do Fogo informativa como esta sua.
Me refiro não só sobre a estória em si, mas principalmente sobre a gênese dos sentimentos humanos mais diferenciados que ali foram sendo delineados, o que você salientou muito bem. Me lembrei de uma teoria evolucionista ( talvez Dawkins ) que dizia que o Homo Sapiens prosperou — em relação ás outras subespécies — justamente porque ele conseguiu cultivar a compaixão e o senso de justiça, que em essência foi a cola que manteve aqueles primeiros grupos sociais unidos, eficientes e fortes.
Luís, tenho estado ocupado e por isso pouco participo aqui. Mas sei que lhe devo retorno sobre quase todas as suas últimas postagens.
Esse dia chegará, ok?
Um abraço!