Em um vilarejo, no interior do Japão, no sopé do Monte Narayama, há uma
comunidade sobrevivendo sob as leis da natureza. Quando alguém completa 70
anos, o costume, oriundo de tempos passados, impõe que esses idosos abandonem
suas famílias e sejam guiados até um ponto da “montanha sagrada” para lá não
mais retornarem, morrerem sozinhos, tudo em benefício da comunidade. Orin (Sumiko
Sakamoto), com 69 anos, resignada, sabe que seu tempo está próximo. Ela começa
a se preparar para a partida, ao contrário de seu vizinho Mata (Seiji
Miyaguchi), já doente, e que protesta acintosamente contra o senicídio que seu
filho lhe prepara ao lhe cortar sua comida, obrigando-o a vagar em busca de
alimento. Orin vive com o filho viúvo e 4 netos. Ela deseja, antes de dar lugar
aos mais jovens, num mundo desolado pela pobreza, ajeitar algumas coisas, como
conseguir uma esposa para o seu filho Tatsuhei (Ken Ogata) e que esta possa
tomar conta da casa. Surge Tama (Yuko Mochizuki), uma viúva de 40 anos.
A Balada de Narayama é baseado no romance “Narayama Bushikô” (1956) do autor japonês Shichirô Fukazawa (1914-1987). O filme conquistou a Palma de Ouro em Cannes de Melhor Filme diante de elogios e críticas, estes últimos acreditavam que “Furyo – Em Nome da Honra” era merecedor do prêmio. Foi a segunda versão do romance de Fukazawa, o primeiro data de 1958. O diretor Shôhei Imamura (1926-2006) tinha uma filmografia de respeito com filmes como “Black Rain: A Coragem de uma Raça” (1989), “Minha Vingança” (1979), “Desejo roubado” (1958), “Todos Porcos” (1961) e resolveu apresentar algo um pouco diferente: um filme singular em seu estilo. Sobre a vida, a morte, o bestial e o sagrado; delicado e um tanto teatral, quase uma poesia bucólica, uma fábula que oscila entre o bárbaro e lírico. Isso quer dizer que apesar de muitos críticos elogiarem a obra por seus atributos artísticos, uma boa parte do público pode não respaldar essa opinião, alguns até sentiram-se chocados com algumas partes. Imamura fez um filme de arte que suscita várias sensações e desconforto é uma delas. A verdade é que o grande momento do filme acontece em sua meia hora final quando a peregrinação de Orin se inicia ao lado do filho Tatsuhei. Não há como ficar indiferente ou isento de reflexão quanto ao seu clímax.
A época provavelmente é século 19. O nome do vilarejo é Moko-Mura. O arroz é artigo de luxo. A maior parte do solo é estéril. Alimentar uma boca improdutiva é desconsiderado, por isso idosos devem partir e recém-nascidos podem ser mortos ou vendidos em troca de alimento. Ali imperam as superstições (eles acreditam que na montanha habita um deus que cuidará dos idosos em sua “transição”) e costumes arraigados. Uma espécie de microcosmos da miséria humana. Neste local é vergonhoso um idoso (a) ter todos os dentes e Orin ainda os tem. Alguns cantarolam uma música sugerindo que ela manteve seus dentes por causa de um acordo com demônios. Nem todos sabem suas idades, mas há alguém que pela dentição pode definir. Orin se autoflagela e retira quatro dentes. Ela está pronta para ir de encontro ao seu destino e morrer em benefício da comunidade. É o chamado Ubasute (ritual na qual os mais jovens levam seus parentes idosos para um local isolado e os abandonam para perecerem em épocas de escassez extrema). Tatsuhe torce para que, na montanha, caia neve o que findará a vida de sua mãe de forma mais rápida e feliz. Uma comunidade que assassina de forma bárbara uma família inteira que desviava alimentos e os escondiam em casa. Seus alimentos serão confiscados e divididos pelos demais. Não há arrependimentos nestas atitudes. Em alguns momentos revelam-se mais ferozes que alguns animais que ali habitam.
Talvez pelo diretor ter dado mais tons de fábula do que narrativa, tenha
tornado o filme mais suportável para o público, e talvez por isso o filme
funcione. Imamura nos mostra uma natureza de forma onipresente em tela. Vemos as
mudanças de estação: primavera, verão, as folhas vermelhas do outono e depois a
neve nas encostas de Narayama. Se há uma forte conotação sobre morte, há também
sobre a vida: os falcões em suas caças, insetos se reproduzindo e fecundando a
terra, serpentes se entrelaçado em meio aos humanos. Não por acaso, essas cenas
sobre a natureza, em alguns momentos, se mesclam com algumas cenas de sexo que a
história apresenta.
Sumiko Sakamoto estava com 47 anos quando interpretou a septuagenária Orin. A atriz perdeu 15 quilos para a cenas de subida de montanha e arrancou os 4 dentes frontais para dar veracidade a cena em que perde os dentes. Ken Ogata (1937-2008) interpretou Tatsuhei, um filho angustiado em levar a mãe à montanha, principalmente pelo fato de ela ser inflexível quanto a decisão. Ele a carrega nas costas e segue os ditos que regem esses costumes que lhe são passados, mas ele não está preparado para o que encontrará ao chegar no local. Algo que ele não falará para os demais, mais que ficará para sempre em sua memória. Ele sabe que em poucas décadas terá o mesmo destino. A cena do ator quebrando a unha foi real e acabou sendo incorporada ao filme.
A Balada de Narayama é um filme de arte, por isso estreou a parte dos
grandes circuitos, principalmente porque os distribuidores sempre preferiram
filmes de grande apelo. Imamura nos faz refletir sobre o abandono, sobre
desalentos, sobre pessoas que perdem suas dignidades e muitas vezes nem
percebem, em prol da sobrevivência. O filme nos mostra de uma forma ora crua e
ora poética que algumas pessoas se importam, ainda que se sintam impotentes por
costumes medievais, enquanto outras desejam apenas “se livrar do problema”.
Ainda que seja um filme dos anos 80 e sua ambientação seja de quase dois
séculos atrás, é muito atual.
Trailer:
Curiosidades:
"Narayama" pode ser traduzido literalmente como "montanha de carvalho".
Cartazes:
Filmografias Parciais:
Sumiko Sakamoto (1936-2021)
O Silêncio não Tem Asas (1966), Introdução à Antropologia (1966), Às Vezes... Como uma Prostituta (1978), A Balada de Narayama (1983), Água Quente Sob uma Ponte Vermelha (2001)
Ken Ogata (1937-2008)
Os Últimos Samurais (1974), Castelo de Areia (1974), Minha Vingança (1979), Virus (1980), Aconteceu no Fim da Era Tokugawa (1981), Portal do Inferno (1981), A Balada de Narayama (1983), Gueixa (1983), Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos (1985), O Rufião (1987), Estrelas do Mar (1988), Zatoichi: A Escuridão é sua Aliada (1989), Minha Alma Foi Golpeada (1991), O Livro de Cabeceira (1995), A Vingança de Yakuza 2 (1996), A Neve que Cai (2001), 11 de Setembro (2002), Tempo Limite (2003), A Última Lua Minguante (2004), A Espada Oculta (2004), Uma Longa Caminhada (2006), Honra de Samurai (2006), O Confidente de Confiança (2007), A Maldição do Milênio (2008)
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