segunda-feira, 23 de abril de 2018

DESAFIO À CORRUPÇÃO / THE HUSTLER (1961) - ESTADOS UNIDOS



UMA ESTÓRIA VENCEDORA SOBRE UM PERSONAGEM PERDEDOR

Eddie "ligeiro" Felson (Paul Newman) acompanhado de seu sócio Charlie Burns (Myron McCormick) chegam a Nova York com a disposição de derrotarem Minnesota Fats (Jackie Gleason), o atual e melhor jogador de sinuca do país invicto a 15 anos.  As coisas não acontecem como esperado e o habilidoso e intempestivo jovem acaba perdendo a partida para o experiente jogador. A dupla se separa e Eddie acabando conhecendo uma mulher:  Sarah Packard (Piper Laurie) que lhe acolhe em sua casa e, aos poucos, em seu coração.  Também conhece Bert Gordon (George C. Scott), um homem rico e inescrupuloso que vive nos meios das sinucas e apostas e lhe confidencia o motivo de sua derrota: Eddie é um perdedor nato. Mesmo não aceitado os argumentos de Bert a frase fica em sua mente, até que, por força do destino, se vê obrigado a tê-lo como seu sócio para financiar suas partidas.


Desafio à  corrupção, com um título brasileiro muito infeliz, é um filme adorado por uma legião de amantes do cinema que o elevou ao status de filme cult. E motivos não faltam.  Com a descrição acima parece um filme sobre o submundo dos jogos, repleto de partidas bem feitas, mas não fica apenas nisso. Na verdade podemos dizer que nem é o mote central do filme. Há muitas camadas interessantes a serem observadas.



Eddie é um trapaceiro, golpista (daí o título para "Hustler") que finge ser um jogador sem habilidades apenas passando em um bilhar para se divertir. Sua tática é beber e fazer acreditar que estão diante um “pato” que lhe arrancarão dinheiro fácil. E Eddie acabando sempre saindo com o dinheiro de todos que lhe enfrentam, mas sua arrogância é um grande problema e sua falta de bom senso pior.  Sarah é uma mulher alcoólatra que alega frequentar a escola para passar o tempo. Se apaixonar por Eddie pode ser um problema para quem já teve diversas decepções na vida, mas ela consegue ler exatamente quem é Bert Gordon, pois é uma mulher de grande astúcia e nível cultural elevado, mas sua incapacidade de se manter sóbria pode ser sua ruína. Bert é o homem que viu em Eddie a oportunidade de explorá-lo, já que o talentoso jovem não possui dinheiro e ele possui contatos no meio. Minnesota Fats é um homem de poucas palavras. Se assustou com Eddie. Viu neste uma pessoa capaz de derrota-lo, mas seu autocontrole prevaleceram sobre a impetuosidade de seu jovem oponente. Mas por quanto tempo? Eddie sobreviverá neste mundo que pensa conhecer? Aceitará o amor de Sarah? Consegue perceber realmente quem é Bert? Vencerá Minnesota Fats? Essas questões serão respondidas, mas até chegarmos a este ponto, o cineasta Robert Rossen (1908–1966), vencedor do Oscar de filme por “A Grande Ilusão” (1949) nos presentearia com outros elementos no que foi considerado o melhor filme de sua carreira.



Interessante percebermos que Eddie é um anti-herói americano numa metáfora sobre a América da época, transformado em drama existencial, em uma reflexão do sonho americano. E a ideia central é como o país das oportunidades trata (ou tratava)  seus vencedores e perdedores e quais os preceitos morais que os personagens tinham que abrir mão para serem inseridos neste contexto. Perseguido durante o macarthismo (1909-1957) e delatando pra poder voltar a trabalhar, Robert Rossen, pegou o livro de Walter Tevis (1928–1984), que também escreveu “O Homem Que Caiu na Terra” e “A Cor do Dinheiro” e resolveu torná-lo menos irônico e um pouco mais cinza, numa primorosa fotografia em preto e branco (que levou o Oscar) de Eugen Schüfftan. Curiosamente perderia o Oscar de melhor filme para outra produção celebrada: “Amor, Sublime Amor”.



Momentos célebres há vários: O diálogo ácido entre Eddie e seu ex-sócio Charlie; a declaração de amor de Sarah à Eddie: sua resposta e a dimensão que este acontecimento toma na vida do jogador; as partidas de Eddie (na qual cada faceta deste vai sendo revelada); a fortíssima presença cênica de Jackie Gleason com seu Minnesota Fats; o amadurecimento de Eddie ao longo do filme; o destino de Sarah e assim vai. 



Analogias não faltam: Sarah possui uma deficiência que a atrapalha a caminhar, mas quem carrega uma bengala (emocional), na verdade, é Eddie. Sarah treme ao revelar seu amor, Eddie tem medo de que a confissão de seu amor lhe fragilize; quando Eddie tem um problema que lhe impede de jogar, Sarah começa a vencer seu problema contra o álcool; do talento sempre se espera a vitória. Não pensamos que talentos possam ser perdedores; na tragédia de um personagem surge o estopim para a glória do outro. No final é uma estória vencedora sobre um personagem perdedor.



Do elenco podemos apenas dizer que é soberbo. Não por acaso Paul Newman foi indicado a melhor ator, Piper Laurie indicada a melhor atriz e Jackie Gleason e George C. Scott, juntos, na categoria  melhor ator coadjuvante (algo muito raro). Ainda temos um ótimo elenco de apoio e a aparição do controverso pugilista Jake LaMotta, como o bartender, que inspiraria o diretor Martin Scorsese a filmar “Touro Indomável”. Numa dessas viradas do destino Paul Newman daria continuidade ao seu personagem em “A Cor do Dinheiro”, também de Scorsese, que lhe renderia o Oscar de Melhor Ator que não conseguira conquistar nesta produção.



Desafio à Corrupção é um filme imperdível para quem gostar de cinema. É um grande filme em todos os sentidos, com uma trilha sonora de ótimo gosto, atuações impecáveis, diálogos inspirados e uma direção precisa. Um filme que a indústria de Hollywood perdeu a forma de sua criação.


Trailer:



 Trailer: " A Cor do Dinheiro" (1986)



 
Curiosidades:
Praticamente todas as cenas das tacadas foram feitas por Paul Newman  e Jackie Gleason. Apenas uma, das duas bolas na caçapa, foi feita por Willie Mosconi, consultor do filme e famoso jogador.

Em Portugal recebeu o título de "A Vida é um Jogo"

Piper Laurie se afastou dos cinemas por  15 anos. Ela voltaria em "Carrie, a Estranha" (1976), ganhando sua segunda indicação ao Oscar.

Paul Newman nunca teve um taco de sinuca antes de conseguir o papel de  Eddie Felson. Ele tirou a mesa da sala de jantar de sua casa e instalou uma  de sinuca para que pudesse passar horas praticando e aperfeiçoando suas habilidades.

Segundo o editor Dede Allen, uma cena inteira foi omitida após muita conversa entre ele e Robert Rossen. Embora ambos concordassem que a cena, um discurso apaixonado de Paul Newman na sala de bilhar, era possivelmente a melhor parte de toda a sua performance, eles tiveram que descartá-la porque "... ela não moveu a história". Newman, apesar de indicado ao Oscar, afirmou mais tarde que a cena deletada provavelmente lhe custou o Oscar. 

Jackie Gleason era, na verdade, um bom jogador de bilhar e fez muitas de suas próprias tomadas no filme.

George C. Scott recusou sua indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator Coadjuvante porque ele não acreditava em atores competindo entre si. Por achar que decisões políticas influenciavam as escolhas dos vencedores ele acabou rejeitando também o Oscar que ele ganhou em 1970 por sua atuação em Patton - Rebelde ou Herói? (1970). 

O papel de Fast Eddie foi oferecido a Tony Curtis e Jack Lemmon, mas ele recusaram

Mais tarde, as pessoas perguntavam a Piper Laurie o que George C. Scott havia sussurrado para ela em uma cena, mas ela não sabia - o que quer que ele sussurrou era fraco demais para ela ouvir. Então ela perguntou a Scott que disse: "Você sabe, eu nunca disse nada de verdade. Imaginei que qualquer coisa que eu dissesse não seria tão poderosa quanto a sua imaginação poderia trazer".

Kim Novak disse a Larry King, em seu programa de televisão, que ela recusou o papel de Sarah Packard.

Robert Rossen ficou doente durante a produção e só viveu o suficiente para completar mais um filme, Lilith (1964). 

Último filme de  Myron McCormick (Charlie). Ele faleceria de câncer menos de um ano após o lançamento do filme. 

Incluído no livro "1001 filmes que você deve ver antes de morrer" 

Conquistou 2 Oscars: melhor direção de arte em preto e branco e melhor fotografia em preto e branco 

Título em Portugal: "A Vida é um Jogo" 

O Livro:


















Filmografia Parcial:

Paul Newman  (1925–2008) 
















O Cálice Sagrado (1954); Marcado pela Sarjeta (1956); O Mercador de Almas (1958); Gata em Teto de Zinco Quente (1958); Paixões Desenfreadas (1960); Exodus (1960); Desafio à Corrupção (1961); O Indomado (1963); Caçador de Aventuras (1966); Hombre (1967); Rebeldia Indomável (1967); Butch Cassidy (1969); Meu Nome é Jim Kane (1972); Golpe de Mestre (1973); Inferno na Torre (1974); Quinteto (1979); 41ª DP - Inferno no Bronx (1981); Ausência de Malícia (1981); O Veredicto (1982); Meu Pai, Eterno Amigo (1984); A Cor do Dinheiro (1986); O Início do Fim (1989); Blaze - O Escândalo (1989); Na Roda da Fortuna (1994); O Indomável - Assim É Minha Vida (1994); Estrada Para Perdição (2002)




Jackie Gleason (1916–1987)

 












Minha Secretária Brasileira (1942); O Gavião do Deserto (1950); Desafio à Corrupção (1961); Réquiem Para um Lutador (1962); Agarra-me se Puderes (1977);  Desta Vez Te Agarro (1980); O Brinquedo (1982); Golpe de Mestre II (1983); Agora Você Não Escapa (1983); Nada em Comum (1986)  


George C. Scott (1927–1999) 

 












A Árvore dos Enforcado (1959); Dr. Fantástico (1964); A Bíblia (1966); Patton - Rebelde ou Herói? (1970); Os Novos Centuriões (1972); O Dirigível Hindenburg (1975); Hardcore - No Submundo do Sexo (1979); Toque de Recolher (1981); Chamas da Vingança (1984); Os Assassinos da Rua Morgue (1986); O Exorcista III (1990); Tyson (1995); 12 Homens e uma Sentença (1997); Rocky Marciano  (1999); O Vento Será Sua Herança (1999).

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