Donna (Jaclyn Smith) é uma mulher solteira que vive no Colorado sendo apresentada a Dennis Yaklich (Brad Johnson), um ex-fisiculturista e atual “Narc” (Agente Federal da Narcóticos), que perdeu a irmã por reação a medicamentos e que cuida da filha adolescente desta, Patty (Hilary Swank). A atração do casal é imediata, assim como a amizade que surge entre Donna e Patty. Após um namoro de meses, o casal resolve morar junto e viver o que parece uma vida de sonhos.
Dennis decide voltar para a academia e começa a tomar remédios para ganho de massa muscular. Dos comprimidos, passa rapidamente às injeções, levantando pesos durante a madrugada em casa, com seu temperamento sofrendo uma mudança. Agora, o outrora tranquilo Dennis, se transforma em um homem constantemente irritado, nervoso, que agride a esposa lhe arremessando, por exemplo, uma lata de cerveja. Donna vai para a casa da irmã Susie (Carolyn McCormick) que lhe adverte que o comportamento violento de Dennis tenderá a piorar se não terminar o relacionamento, mas esta prefere acreditar que de alguma maneira a culpa é sua. Dennis surge aos prantos com a promessa de nunca mais voltar a fazer tal coisa e Donna acredita. Ela aceita se casar, com a crença de que o infeliz incidente parece ter sido enterrado no passado, mas imediatamente após a celebração do casamento, em meio a festa, Dennis volta a mostrar-se a mesma pessoa que a agredira. Durante a lua de mel ela percebe que se casou com "outro homem", não aquela pessoa que se apaixonara. Enquanto isso Dennis vai ficando mais forte, mais irascível e mais abusivo.
O filme mostra a tortuosa vida de Donna, entrecortada por momentos na qual
revela acontecimentos de sua vida ao filho do casal, já adulto, enquanto este
lhe faz perguntas para tentar entender como tudo chegou naquele ponto. Sabemos
que algo deu muito errado, nesse conturbado casamento de violência doméstica e
dependência química de anabolizantes. O filme centra na ideia que foram os esteroides
metabólicos os responsáveis pela mudança efetiva de Dennis, não que ele talvez possuísse problemas psicológicos passados que teriam sido atenuados pelas substâncias.
A obsessão de Dennis de levantar peso durante a madrugada, no momento que seria
de descanso do corpo, mostra ao espectador que ele pode ter apresentado esse
comportamento no passado ao também consumir essas substâncias, mas o filme deixa essa
informação fora do alcance do espectador e coloca como tema principal a violência
doméstica a que muitas mulheres são diariamente submetidas, presas a situações
da qual não conseguem se desvencilhar.
Produção da rede CBS americana,
baseado no caso real do assassinato de Dennis Yaklich, cuja mandante provou-se
ser Donna Yaklich. Poucas vezes o termo “baseado” mostrou-se tão controverso,
ao trazer às telas um caso de crime. Alguns acreditam que a utilização do termo
permitiu brechas, manobras, para mostrar apenas um lado dos fatos ou a deturpação deste. Essa
é uma história emblemática, na qual o filme expôs Donna como sendo vítima de um
monstro que lhe infligia violência física e psicológica ao ponto de levá-la a
contratar duas pessoas para eliminar o marido e salvar sua vida e de seu filho. O filme nos
revela que Donna foi julgada culpada em uma das acusações (conspiração para
assassinato) recebendo uma pena de 40 anos e que várias inconsistências
surgiram durante o processo, com o juiz proferindo uma sentença muito dura (Yaklich
cumpriu 18 anos e ganhou a liberdade condicional em 2005, assim como os
atiradores que também já cumpriram suas penas). Mas essa produção traz a história completa, apenas parte dela, ou há uma dose de ficção por cima de fatos que talvez não tenham ocorrido exatamente como mostrado? Há defensores
dos dois lados: os que entendem que Donna foi sim vítima de Dennis e aqueles que
dizem que há fatos que mostram outra Donna e outro Dennis e este sendo vítima de um
plano diabólico.
Enquanto “Vítima da Fúria”
expôs sua versão dos fatos em 1994, de acontecimentos
ocorrido até 1985, o “Investigation Discovery” (ID,) em 2017, traria uma série chamada
"Evil Stepmothers" (“Madrastas Malignas”) e o caso, em particular, com o título “Nanny Nightmare”, temporada 2, episódio 3. Conforme informações,
há várias discrepâncias com relação ao filme: Na vida real, Donna e Dennis
moravam com o filho Denny, a filha de Dennis, Vanessa, de seu primeiro casamento,
e três enteados: Raymond, Chris e Kim, filhos de sua primeira esposa. A
personagem Patty (Hilary Swank) não existiu (liberdade do roteiro). O ID traçou
um comportamento bem diferente do apresentado no filme: segundo o site “lipstickalley.com” (não encontrei o vídeo do
I.D para assistir), Donna Yaklich despejou Vanessa, Raymond, Chris e Kim depois
que ela mandou matar seu pai. Vanessa teria dado uma entrevista a CBS na qual
disse que nunca presenciara nenhuma atitude de violência por parte do pai.
Donna teria falsificado cheques sem fundos durante o casamento. Ela também
teria roubado o talão de cheques dos pais de Dennis passando a preencher
cheques e forjando suas assinaturas. Ela teria sido julgada e condenada por
tais atos. Donna teria tido casos extraconjugais e Dennis teria confidenciado
ao irmão que queria pedir o divórcio tão logo suas férias terminassem. Donna
teria encomendado a morte do marido em 12 de dezembro de 1985, faltando menos
de duas semanas para o fim das férias, enquanto ela ainda estava legalmente
casada com ele e podia herdar sua casa e receber um lucrativo seguro de vida. No
filme, Donna é mostrada sentada em um restaurante com a irmã quando a
policia chega para prendê-la. Segundo o programa, ela estaria tomando sol nas praias da
Jamaica com um suposto caso. No filme, não há qualquer menção de Donna ter
recebido US$ 360.000 em dinheiro e benefícios do seguro de vida.
Mas há outras situações não esclarecidas: Donna Yaklich levantou a hipótese de Dennis ter matado a esposa, e conforme o site “the muderpedia.org” uma força-tarefa estadual reabrira a investigação sobre a morte (em 1977) da primeira esposa de Dennis Yaklich após a denúncia. A autópsia original concluiu que Barbara Yaklich teria desmaiado ao tomar pílulas dietéticas sofrendo sangramento no abdômen quando seu marido, tentou ressuscitá-la "energicamente". No entanto, um novo patologista da área de Denver, descobriu que as conclusões do primeiro legista eram "muito incomuns" e que o dano interno de Yaklich poderia ter sido “causado por um golpe contundente no abdômen, consistente com socos e joelhadas na parte superior do abdômen”. Mas tudo permanece inconclusivo pelo tempo ocorrido. Outro aspecto chama a atenção: não teriam sido encontrados vestígios de anabolizantes no corpo de Dennis, apesar da descrição por parte de Donna de uso constante. Já no julgamento, a defesa de Donna teria trazido informações que em 1982 ela teria ligado para o parceiro de Dennis dizendo a ele que Dennis estava fora de controle e que a teria jogado escada abaixo ameaçando matá-la. Que em novembro de 1983, ela fora a um psicólogo; que em fevereiro de 1984, teria fugido para um abrigo para mulheres espancadas em Denver e que no início de 1985, Donna começou a procurar várias pessoas dizendo que acreditava que Dennis a mataria e pedindo conselhos. Há diversos aspectos que ficaram de fora do telefilme (ou "docu-drama") como depoimentos de testemunhas de ambos os lados e especialistas. É um caso bem emblemático e saber qual a real verdade por trás das alegações de cada parte talvez nunca seja possível, até porque uma versão pode estar correta ou ambas apresentem verdades, mesmo tendo discrepâncias, o que leva cada um a um julgamento e conclusão particular do caso.
Jaclyn Smith, a "ex-pantera" do famoso seriado “As Panteras”, esteve muito bem como Donna. Brad Johnson ("Intruder A-6: Um Vôo Para O Inferno") esteve ótimo e seu personagem passou a real impressão de um homem transtornado, furioso e violento. O ator faleceu de COVID este ano, aos 62 anos. Hilary Swank (A Menina de Ouro) ainda não era uma atriz famosa e sua participação foi reduzida, mas não menos eficiente. Gary Hudson talvez seja um rosto reconhecido por aqui por participação em seriados e alguns filmes. O restante do elenco funcionou de acordo com o que lhes foi proposto.
Analisando apenas o filme, podemos dizer que é bem eficiente. Tendo o diretor Armand Mastroianni (A Primeira Filha) e o roteirista Christopher Canaan, um dos roteiristas fixos da série “Walker, Texas Ranger” também conhecida como "Chuck Norris: O Homem da Lei", tirando o lado das versões conflitantes dessa história, é um filme bem estruturado. Passou no “Supercine” em 1996 e muitos nem se lembram mais de seu nome, esquecido pelas emissoras, até porque produções antigas, feitas para a tevê, não possuem mais espaço nas grades televisivas. Particularmente, a produção me chamou a atenção quando exibido e ficou ali na memória até eu conseguir descobrir o seu título quase 30 anos depois graças a intensa procura e postagens do filme no You Tube (com opção de legendas traduzidas para o nosso idioma – com algumas falhas mas que permitem entender o filme principalmente se você tem um pouco conhecimento do idioma americano). Produção esquecida, mas que aborda dois temas bem atuais e que sempre geram muitas análises e reflexões: violência doméstica e uso de anabolizantes.
Trailer:
Curiosidades:
Embora a sentença de Donna tenha sido de 40 anos, ela recebeu liberdade condicional após 18 anos e agora vive livre e se mudou para outro estado. Na verdade, todos os perpetradores cumpriram suas sentenças e foram libertados.
O filme estreou na Globo, no Supercine, em 09 de março de 1996
Para obter reações genuínas durante confrontos violentos com o marido, Jaclyn Smith frequentemente pedia a Brad Johnson que fosse realmente agressivo e violento com ela nessas cenas, mesmo levando alguns golpes.
Edward Greenwell tinha 25 anos e foi condenado a 30 anos de reclusão, Charles Greenwell tinha 16 anos e foi condenado a 20 anos. Tanto Edward quanto Charles fizeram um acordo em troca de seu testemunho contra Donna. Eddie Greenwell faleceu em 9 de julho de 2017 em Avondale Colorado.
Depois de um julgamento nulo e um segundo julgamento exaustivo, Donna Yaklich foi absolvida de assassinato em primeiro grau. Mas foi condenada sob a acusação de conspiração. Ela foi condenada a quarenta anos de prisão. Ela está atualmente em liberdade condicional, após 18 anos de reclusão.
O site muderpedia.org mostra a decisão do júri e pontos apresentados pela defesa, assim como o motivo da decisão do juiz do porquê não aceitar enquadrar Donna na "síndrome da mulher espancada" ("battered woman syndrome")
Cartazes:
Filmografia Parcial:
Jaclyn Smith
O Mundo dos Aventureiros (1970); Degraus para o Poder (1972); Escape from Bogen County (1977); Assassinato na Noite (1980); As Panteras (seriado 1976-1981); Jacqueline Bouvier Kennedy (1981); A Ira dos Anjos (1983); Papai Noel Existe (1984); A Ira dos Anjos 2 (1985); The Rape of Doctor Willis (1991); Nos Braços de um Assassino (1992); Pesadelo do Passado (1992); Vítima da Fúria (1994); Uma Amiga de Morte (1996); O Segredo da Viúva Negra (1998); As Panteras: Detonando (2003); The District (seriado 2002-2004); As Panteras (2019); Um Gesto Simples de Natal (2019)
Brad Johnson (1959–2022)
Além da Eternidade (1989); Intruder A-6: Um Vôo Para O Inferno (1991); Projeto Filadélfia II (1993); Vítima da Fúria (1994); Os Pássaros 2 (1994); Marcas do Destino (1994); Melrose (seriado 1996); Deixados para Trás (2000); Rastros de Vingança (2001); Deixados para Trás II: Comando Tribulação (2002); The Robinsons: Lost in Space (2004); Garotas Selvagens 3 (2005); Deixados para Trás III: Mundo em Guerra (2005); Hora de Recomeçar (2007); Veneno Mortal (2008); Nail 32 (2015).
Hilary Swank
Buffy, a Caça-Vampiros (1992); Vítima da Fúria (1994); Karatê Kid 4: A Nova Aventura (1994); Terror Em Família (1996); Às Vezes Eles Voltam 2 (1996); Um Golpe Arriscado (1996); Em Busca da Verdade (1997); Anjos da Violência (1997); Barrados no Baile (seriado 1997-1998); Meninos Não Choram (1999); O Dom da Premonição (2000); O Enigma do Colar (2001); Insônia (2002); O Núcleo: Missão ao Centro da Terra (2003); Anjos Rebeldes (2004); Sombras Do Passado (2004); Menina de Ouro (2004); Dália Negra (2006); A Colheita do Mal (2007); P.S. Eu te Amo (2007); Amelia (2009); A Condenação (2010); Dívida de Honra (2014); Logan Lucky: Roubo em Família (2017); Tudo o Que Tivemos (2018); I Am Mother (2019); A Caçada (2020); Away (seriado 2020); Fatale (2020)
Gary Hudson
O Rei da Montanha (1981); Empresários por Acaso (1987); O Armário do Diabo (1988); Matador de Aluguel (1989); Anjo da Noite (1990); Armadilha Fatal (1993); Brincando com o Perigo (1993); Vítima da Fúria (1994); Scanner Cop - O Destruidor de Mentes (1994); Perseguido pela Vingança (1995); Desejo Assassino (1995); The Dukes of Hazzard: Reunion! (1997); Black Thunder - O Resgate (1988); Passagem para o Inferno (1999); Operação Delta Force 4: Engano Fatal (1999); Visões Perigosas (2000); A Filha da Luz (2000); Perigo Abaixo De Zero (2001); Tudo por Dinheiro (2005); Resident Evil 3: A Extinção (2007); Desaparecida aos 17 (2013); Os X-Mercenários (2014); Cinquenta Tons de Liberdade (2018); Atividades Extracurriculares (2019)
Fontes:
Inquisitr
The Denver Post
lipstickalley.com
Jornal O Globo
muderpedia.org
Luís, td bem?
ResponderExcluirEssa não foi uma crítica, mas também um dossiê sobre o caso. Deu trabalho, heim?
Bem, não o vi, a temática talvez seja única— quanto á associação dos temas —e creio que não o verei, apesar de achar Jaclyn Smith linda e que valeria dar uma espiada. Aliás, vendo sua cinegrafia, fica aquela impressão que beleza e carisma só não bastam, as outras panteras são também exemplo disso.
Quanto a Hilary Swank, me causa um pouco de desconforto vê-la nas telas. Nada me chama a atenção nela, estranho como tenha feito algum sucesso. Acha o mesmo?
Luís, um abraço, tudo de bom!
Olá Mario.
ResponderExcluirVítima da Fúria foi um daqueles filmes que na época me chamou a atenção. Não que o filme seja algo de extraordinário, mas a dupla temática poderia valer uma análise que acho que em nosso país ninguém a fez. O filme, até hoje, lá fora, sucinta calorosos debates. O interessante foi começar a análise em cima do filme e, no meio do caminho, descobrir que a história tinha sido abordada de um modo incompleto (para outros parcial) e que omitiu aspectos relevantes (talvez uma minissérie fosse mais apropriada para um caso tão complexo e longo). Volta e meia comento em meus posts esse uso de "baseado em fatos reais" por parte das emissoras e estúdios de cinema, na qual muita coisa é inventada e / ou modificada em prol da dramatização e sucesso financeiro da produção. E este foi um dos melhores casos. A minha experiência em análises me mostrou que filmes "baseados em fatos reais" raramente trazem grande parte dos fatos, vide o caso do filme "Expresso Para a Meia-Noite" de Alan Parker que comoveu tanta gente e décadas depois a verdadeira história veio a tona através da própria pessoa abordada no filme. Quase nada no filme corresponde (um dia analiso o filme). Até documentários que, quando adolescente, acreditava ser algo bem mais fiel aos fatos, hoje percebo que pode ser abordado apenas um lado da história. Ou pior: até mesmo manipulado. E descobrir a verdade por trás da história de um filme demanda uma boa pesquisa (e, infelizmente, não há como colocar todas as informações aqui).
Quanto as atrizes do seriado “As Panteras”, tirando a falecida Tanya Roberts (1955-2021) que chegou a fazer "Sheena" e "007 Marcado Para a Morte" ... e depois foi desaparecendo em produções pouco atrativas, a maioria das atrizes do seriado solidificou a carreira em telefilmes (alguns interessantes, outros bem fracos) na qual muitos não passaram no Brasil (os telefilmes que passaram foram via “Supercine” e outros similares tipo “Intercine” que passaram também na Band e SBT na época). Antigamente a separação TV / Cinema era muito forte nos Estados Unidos e atores de cinema dificilmente faziam filmes televisivos e séries como hoje. E atores da TV tinham muita dificuldade em migrar para o cinema. Depois que conseguiam, não voltavam. Hoje o mercado está mais aberto e esse preconceito vem caindo ano após ano.
Hilary Swank já conquistou dois Oscars e Globo de Ouro: "Meninos Não Choram” (2000) e “Menina de Ouro” (2004) e prêmios como atriz por outras produções. A atriz parece direcionar sua carreira a produções menos badaladas. Considero uma boa atriz, mas talvez ela precise escolher melhor seus papéis.
Muito obrigado por mais este comentário. Volte sempre e um grande abraço.
Bom dia!
ResponderExcluirParabéns pela resenha. Sei que te peço muita análise e vc gentilmente atende meus pedidos, mas vou te pedir mais uma. O filme chama-se Assédio Mortal. Fiquei chocada com esse filme. Esse filme é baseado em história real. Achei Brooke Shields muito em nesse filme e acho o talento de Brooke muito desperdiçado em Hollywood.
Abraço.
Bom dia Fabiana.
ResponderExcluirAssédio Mortal (I Can Make You Love Me) é um telefilme de 1993, uma década que penso que as emissoras americanas investiram forte nesse segmento com bons resultados Estou finalizando 3 análises. Em breve verei o filme (que tem Richard Thomas, o "John Boy" do antigo seriado "Os Waltons") e a análise deverá estar pronta após estes, até porque possui bons comentários na internet e por suas sempre relevantes indicações de bons filmes. Brooke Shields tinha tudo para ir mais longe do que foi. Acredito que o forte agenciamento da carreira, por parte da família, quando era adolescente, possa ter sido um empecilho. E o tempo passa muito rápido. Obrigado pelo comentário e pela sugestão de filme. Um grande abraço.