segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ANOMALISA / ANOMALISA (2015) - ESTADOS UNIDOS




ENCURRALADO PELO PRÓPRIO DESAMOR


Exibido no Festival do Rio 2015, Anomalisa é a nova obra de Charlie Kaufman. Em seu segundo longa para o cinema (o  primeiro foi “Sinédoque, Nova York” de 2008), o diretor que se tornou mais conhecido por seus roteiros extremamente criativos como “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (com Jim Carrey) e “Quero Ser John Malkovich” (com o próprio), resolveu fazer um filme sobre as relações humanas (ou a ausências delas) no mundo atual, onde a depressão e outros males da mente atingem milhões.
Filmado em Stop Motion (utilizando massa de silicone), Kaufman em parceria com Duke Johnson, resolveu investir em apenas três atores: David Thewlis ("Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” e “A Teoria de Tudo”); Jennifer Jason Leigh (“Mulher Solteira Procura” e “Os Oito Odiados”) e Tom Noonan (“O Último Grande Herói” e “Sinédoque, Nova York”).

 









Thewlis empresta a voz ao personagem Michael Stone, um homem de meia idade, escritor de um livro intitulado “Como posso ajudar a ajudá-los ?” (“How May I Help You  Help Them ?”), direcionado a funcionários que trabalham com atendimento, em especial Call Centers. Escritor motivacional e celebridade, Stone é britânico, mora em Los Angeles e é convidado a dar uma palestra na Cidade de Cincinnati (Ohio), onde conhece Lisa (na voz de Jennifer Jason Lee), uma mulher introvertida, fã de seu livro, com desilusões amoras, com um defeito que a faz se sentir inferior aos demais, mas com um diferencial que cativa Stone: sua voz. 











Kaufman, conhecido por escrever estruturas narrativas complexas, ousou em outra particularidade bem singular: todos os demais personagens que interagem com Stone possuem a mesma voz, feita pelo ator Noonan, o que provavelmente deixou alguns espectadores confusos . Aí temos dois grandes fatores que motivaram essa escolha: a primeira é que um filme independente, que precisou de recursos para ser concretizado (um termo conhecido como crowdfunding), exigindo certas restrições de orçamento e diversas pessoas interpretando várias vozes aumentaria consideravelmente o valor final do filme. A segunda é que a mente de Stone é confusa. O diretor, em entrevista a revista on line “Rolling Stones”, especulou que Stone foi concebido como um provável portador da Síndrome de Fregoli, que o faria ver as pessoas como se possuíssem a mesma aparência. Neste caso, também,  as mesmas vozes . Ou seja, as pessoas passariam a soar iguais para um personagem desconectado com o mundo.  
Numa sutil demonstração de seu pensamento, o diretor batizou o hotel onde Stone se hospeda de  “Fregoli Hotel” 



 

Stone é casado. Um casamento monótono com um filho quase entrando em pré-adolescência e que já reconhece no pai, uma figura ausente.  Ele resolve encontrar um antigo amor (por culpa, desejo, curiosidade ou a soma dos três fatores) quase dez anos depois, que mora na cidade. O resultado não é o esperado. Surge Lisa, uma mulher que lida com a rejeição de uma forma mais carinhosa e amorosa que o antigo caso do escritor. Ela pode ser sua tábua de salvação ou levá-lo a um drama existencial ainda maior, mas seu egoísmo não permite individualidades alheias e enquadrá-la dentro de seu mundo real, fora da imagem que projeta a terceiros, poderá destruir todo encanto que o momento criou e deixá-lo novamente em seu mundo egoísta e seco, vitima de seu próprio egocentrismo.


 









Kaufman , antes de filmar seu projeto já tinha lançado, em 2005, em forma de peça sonora, Anomalisa (o nome será explicado ao longo do filme, mas quem for bom de eneagramas poderá chegar a um nome famoso). Em 2012 recebeu a proposta de transformar sua peça em filme. O grande desafio foi transformar som em imagem e transportá-la para a película. Foi preciso que Kaufman ganhasse o grande prêmio do Juri na Itália e chamasse a atenção em Veneza e os Estúdios Paramount resolvessem distribuir o filme. Enquanto isso se dedicou a escrever roteiros e dirigiu um piloto de seriado para a Tv que não foi dado continuidade. Com um orçamento previsto de 8 milhões, Kaufmann consegui em torno de 406 mil dólares iniciais, mas os problemas com animadores, que saíram e conseguiram outros trabalhos, quase atrapalhou a conclusão do projeto. Os Animadores faziam dois segundos de animações por dia e foi um trabalho de dois anos, obrigando o diretor a buscar profissionais até de outros países. 


 













  

Kaufman revelou que aproveitou suas experiências de vida e as transformou em anotações. As cenas do taxista são uma de suas experiências. Para aqueles que não dominam o idioma americano, a cena inicial entre Stone (inglês) e o motorista de táxi (americano) refletem as diferenças gramaticais e sonoras entre as línguas (como se fosse o português brasileiro e o de Portugal) de uma forma bem divertida. O diretor criou uma animação tão interessante que, após uma hora de filme, até esquecemos que os personagens não são humanos.

 












O forte do filme não é a animação em si, é o roteiro e a transformação dessas ideias em direção à mente do espectador. E nisso o filme cumpre com primor sua missão. Ainda que não seja uma produção direcionada à família, devido a uma cena de sexo explicito, que levou o filme a ter o código R nos Estados Unidos (menores de 17 anos, somente acompanhado dos pais), quem tiver o prazer de conferir essa animação, não sairá decepcionado.




É cinema reflexivo, sem ser chato. É para quem curte pensar. Para quem gosta de agregar conhecimento quando vai ao cinema. É um filme adulto, para quem já conhece um pouco da vida e compreende um pouco o ser humano, tão frágil e emblemático em sua essência.

Trailer:







Curiosidades:


A boneca japonesa também recebeu a voz de Jennifer Jason Leigh. A atriz também cantou a linda versão capela da música “Girls Just Wanna Have Fun” da cantora Cindy Lauper.

Na mesma entrevista da Rolling Stones, Kaufman revela que ninguém recebeu salário pela animação feita.

Crowdfunding:  Segue uma definição minha (conforme pesquisa) do termo = pode ser definido como um projeto ou ideia que atende a um grupo de investidores ou pessoas e estes se cotizam financeiramente para que a obra passe do papel para a realidade.

Jennifer Jason Leigh é filha do falecido ator Vic Morrow, que faleceu em consequência de um acidente no set de filmagem  do filme No Limite da Realidade de 1983
 

O filme está indicado ao Oscar de Melhor Animação





Making Of: Parte 1 (em inglês):



Making Of: Parte 2 (em inglês):




Entrevista em Inglês Carol Koch (escultora):





Filmografia Parcial:  

David Thewlis

O Outro Lado da Nobreza (1995); Coração de Dragão (1996); A Ilha do Dr. Moreau (1996); Sete Anos no Tibet (1997); O Grande Lebowski (1998); Linha do Tempo (2003); Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004); Cruzada (2005); Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007); O Menino do Pijama Listrado (2008); Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009);Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010); Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011); Cavalo de Guerra (2011); RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos (2013); A Teoria de Tudo (2014); Anomalisa (2015); Mulher Maravilha (2017).


 








Jennifer Jason Leigh

 
Picardias Estudantis (1982); Conquista Sangrenta (1985); A Morte Pede Carona (1986); Noites Violentas no Brooklyn (1989); Sepultado Vivo (1990); Backdraft - Cortina de Fogo (1991); Rush - Uma Viagem ao Inferno (1991); Mulher Solteira Procura... (1992); Short Cuts - Cenas da Vida (1993); Eclipse Total (1995); Estrada Para Perdição (2002); Sinédoque, Nova York (2008); Anomalisa (2015); Os Oito Odiados (2015); Amityville: The Awakening (2016)

 










Tom Noonan


O Homem do Sapato Vermelho (1985); F/X - Assassinato sem Morte (1986); RoboCop 2 (1990); O Último Grande Herói (1993); Fogo Contra Fogo (1995); Sinédoque, Nova York (2008); O Assassino do Alfabeto (2008);Anomalisa (2015)












Fontes:

O Globo 12 out 2015
O Globo 09 set 2015
IMDB
Rolling Stones (on line)
The New Yor Times (on line)

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