sexta-feira, 17 de junho de 2022

PLANETA FANTÁSTICO / LA PLANÈTE SAUVAGE / FANTASTIC PLANET (1973) - FRANÇA / CHECOSLOVÁQUIA

PLANETA SELVAGEM

Em algum lugar no tempo e no espaço existe uma civilização de gigantes, de tom azulado, com orelhas em forma de teia e olhos vermelhos bulbosos, que atingiu um alto estágio evolutivo no planeta Ygam: os Draags. Muitos possuem minúsculos animais de estimação: os Oms, seres humanos selvagens. Tiva, filha do primeiro-ministro Sinh, um influente intelectual/líder, cria um pequeno bebê humano, cuja mãe morrera durante uma de suas “inofensivas” brincadeiras. Sinh lhe adverte que apesar de serem seres insignificantes, ela deverá aprender o valor da vida cuidando do minúsculo Om (abreviação da palavra francesa “hommes”). Tiva lhe dá o nome de Terr (Terra, em francês).

Muitas das crianças Draags passam os seus dias tendo seus Oms lutando entre si, às vezes até a morte. Os Oms “domesticados”, mas involuídos, são obrigados a usarem uma coleira de controle em seus pescoços para evitarem que fujam, enquanto existem os Oms selvagens, que vivem escondidos se reproduzindo rapidamente e danificando construções preocupando assim os Draags que, por os considerarem incapazes de racionar, vez em quando resolvem fazer um “controle de pragas” populacional através de uma erradicação química altamente eficaz. O que eles não sabem é que o dispositivo (fones de ouvido) usado pelos Draags que condensa todo o conhecimento, com informações que são absorvidas diretamente pelo cérebro, também vem alcançando o pequeno Terr, pela proximidade à Tiva (e devido a um defeito no colar), lhe proporcionando um conhecimento pleno da sociedade e dos avanços tecnológicos feitos pela gigantesca civilização. Quando alcança a idade adolescente, o jovem Terr finalmente percebe-se dentro contexto social dos Draags, rouba os fones de ouvido de Tiva e consegue fugir livrando-se de seu colar. Terr decide utilizar o alto conhecimento adquirido para livrar seus pares de uma vida selvagem e sem propósito, ao mesmo tempo que descobre a fraqueza dos Draags.

“La Planète Sauvage”, baseado no romance (adaptação bastante solta) de Pierre Pairault (escrito sob o pseudônimo de  "Stefan Wul") “Oms En Serie” (1957), levou quase cinco anos para ser concluído. Foi prejudicado pela invasão soviética (1968) da Tchecoslováquia (atualmente República Tcheca), que resultou na produção sendo transferida para a França, onde foi finalmente lançado em 1973, ganhando o Prêmio Especial do Júri em Cannes. Dirigido pelo animador francês René Laloux (1929–2004), de “Gandahar: Anos de Luz" (1987) e co-roteirizado por Roland Topor (1938–1997) que teve seu romance, “O Inquilino”, adaptado para o cinema por Roman Polanski e que também poderá ser lembrado por interpretar Renfield em "Nosferatu" de Werner Herzog.

A animação de Topor (aqui também como artista gráfico), desenhada à mão com pastéis quentes e hachuras pesadas, traz um visual impactante e bem singular (ainda que a animação em si seja limitada e rígida) na qual muitos consideram um dos mais inteligentes já feitos e de alcance atemporal. Já a trilha sonora é repleta de acordes jazzísticos do músico Alain Goraguer, que combina riffs de guitarra com sons eletrônicos experimentais interagindo com a concepção gráfica de Topor. Ao ser lançado na América, o filme foi renomeado para “The Fantastic Planet” e rapidamente se tornou um clássico cult (claro que dublado para o americano médio) com uma infinidade de criaturas e plantas, cada uma mais estranha que a outra.

Projeto bastante atípico para a época, essa produção checoslovaca-francesa fornece múltiplas percepções ao espectador e grande reflexão dessa sociedade na qual os humanos são animais de estimação para uma raça de alienígenas de 12 metros de altura. Dependendo de como você o percebe e principalmente dependendo da idade em que você o descobre, este conto cruel assume várias dimensões: reflexão político-filosófica sobre a condição humana em relação a outras espécies; o equilíbrio de poder entre as sociedades (dominantes e dominados); a escravidão; uma parábola disfarçada da Tchecoslováquia dominada pelo jugo soviético na época; uma obra poderosa, poética, e de tendência metafísica; uma reflexão de como o homem trata seus animais ou seres que considera inferiores e sem capacidade de raciocínio ou imagens surreais com alegorias políticas sérias.    Houve quem direcionasse comparações ao clássico “O Planeta dos Macacos”,  assim como obras de ficção-científicas distópicas. 

Ainda que muitos considerem uma animação (graficamente) já datada para a época do lançamento do filme, ver humanos escravizados como animais e, às vezes, tratados como incômodos tanto pode fascinar quanto aterrorizar, mas indiferente o espectador dificilmente ficará. Ficção científica adulta abstrata, obra poética, pop com tendência hippie, psicodélica e existencial, que traz vários elementos que se afinam com as ideias da contracultura, impressiona por ter sobrevivido durante tantos anos que ao invés de envelhecer, melhora com o tempo.

 

Trailer:

 


Curiosidades:

Embora concebido na França, isso foi realmente animado na Tchecoslováquia.

Em 2016, a revista Rolling Stone nomeou este o 36º maior filme de animação de todos os tempos.

Em agosto de 2010, foi lançado uma alta definição restaurada do filme em Blu-ray, com recursos especiais.

Em 2000, a DC Recordings lançou a trilha sonora em CD, e a trilha sonora foi posteriormente lançada em LP.

Um título de trabalho durante o desenvolvimento foi Sur la Planete Ygam (No Planeta Ygam), que é onde a maior parte da história acontece; o título real (The Fantastic/Savage Planet) é o nome da lua de Ygam.

Incluído entre os "1001 filmes que você deve ver antes de morrer", editado por Steven Schneider.


 

Cartazes:




Fontes:

Le Cinéma Français des Années 70 (Freddy Buache)

Historical Dictionary of Science Fiction Cinema (Booker, M. Keith)

Revista Rua Morgue (2008)

VideoHound's World Cinema 

La Revue du Cinema 

101 Sci-fi Movies You Must See Before You Die


sexta-feira, 10 de junho de 2022

ENFRENTANDO O INIMIGO / ROZHOVOR S NEPRIATEL'OM / FACING THE ENEMY (2007) - ESLOVÁQUIA

 


O SENTIDO DA VIDA PELA VISÃO DOS QUE ESTÃO NA GUERRA

Soldado das forças eslovacas (Alexander Bárta) é capturado pelos alemães próximo ao fim da 2ª Guerra mundial. Sua sentença é a morte nos arredores de um bosque, para não atrair muita atenção. O soldado alemão (Marko Igonda ) designado mostra-se relutante em cumprir as ordens, possuindo uma opinião própria a respeito de sua missão, enquanto adentra cada vez mais na floresta com seu prisioneiro. Os dois aos poucos passam a filosofar sobre os mais diversos assuntos como amor, ódio, vingança, guerra, morte e espiritualismo.

Filme Eslovaco de 2007 do diretor Patrik Lancaric, em seu único filme, com tema de guerra, mas como pano de fundo o questionamento do sentido da vida. O filme não possui ação ou combates e é praticamente um diálogo existencialista entre 3 atores. É um bom filme, contado em tom de Flashback, e que parece mais uma peça de teatro encenada ao ar livre (não por acaso o diretor é oriundo do teatro). 

Os dois soldados possuem pontos distintos que, ao longo do filme, fazem com que os telespectadores mais atentos percebam que estão sendo levados a tomar um lado da questão ou ponderar a visão destes, de acordo com o tema. Em determinado momento, o soldado alemão é capturado por rebeldes eslovacos, quando surge a figura de um comissário russo (Boris Farkas) cujos valores e moralidades vão de encontro ao dos dois soldados e que tenta convencer o soldado eslovaco do caráter inimigo de seu captor. Ao mesmo tempo, o comissário trava uma luta filosófica com o soldado alemão a respeito da finalidade da vida e o conceito de pós-morte e de suas razões para não ter matado o prisioneiro. 

Enfrentando o Inimigo provavelmente envolverá aqueles que gostam correntes dialéticas, mas com certeza afastará os fãs de filmes de guerra. A grande pergunta do filme é: Como o ser humano se comporta em uma guerra? Existe limite para moralidade? Qualquer pessoa de outro exército é inimigo ou existem seres humanos por trás do uniforme? Porque a guerra muda a personalidade de certas pessoas e não muda de outras? O espectador se perceberá na pele de algum personagem? Não é um filme fácil de ser encontrado, mas caso consiga encontrá-lo, assista e tire suas próprias conclusões ...


Trailer:



 

Curiosidade: 

O filme é co-escrito pelo ator Marko Igonda (que faz o soldado alemão) e é adaptado do romance do escritor  eslovaco Leopold Lahola

 

Cartaz:

 


quarta-feira, 8 de junho de 2022

FOGO E GELO / FIRE AND ICE (1983) - ESTADOS UNIDOS

ROTOSCOPE

Em tempos imemoriais uma poderosa rainha chamada Juliana (Eileen O'Neill) surgiu com  a intenção de estender o seu reino sob toda a terra. Seu maior aliado é Nekron (Sean Hannon), seu poderoso filho, com poderes físicos capazes de criar montanhas de gelo e poderes mentais capazes de destruir aqueles que se opõem ao seu reinado de conquista. Finalmente o Reino de Gelo alcança o reinado de Jarol (Leo Gordon), um generoso rei que defende a conhecida Fortaleza de Fogo, uma cidade construída em torno de um vulcão. 

Em sua expansão, Nekron destrói uma vila restando apenas um jovem guerreiro louro chamado Larn (Randy Norton), que consegue fugir das hordas de guerreiros sub-humanos chamados Orcs a disposição do maligno filho da Rainha Juliana. Enquanto a vila de Lar não é uma preocupação para Nekron, a resistência de Jarol é vista como um empecilho a ser resolvido. Juliana manda um emissário a Jarol (Leo Gordon) que recusa uma rendição, sem saber que a dupla já possuía outro plano em mente: sequestrar a sua filha, a jovem princesa Teegra (Cynthia Leake). O Plano dá certo com os guerreiros Orcs levando Teegra por uma floresta até o Castelo de Gelo. Quando a princesa consegue escapar, se depara com Larn também em fuga, mas é recapturada. Larn decide resgatar Teegra quando encontra Darkwolf (Steve Sandor), um poderoso guerreiro munido de um mortífero machado que o ajudará a resgatar a princesa e se vingar de Juliana e seu filho.

Fire and Ice foi uma animação bem incomum. Dirigido por Ralph Bakshi (“O Gato Fritz” - 1972 e “O Senhor dos Anéis” -1978) trazia um trio de respeito por trás do projeto: o famoso e lendário ilustrador Frank Fazetta (que também atuou como produtor) e os escritores, Roy Thomas (das Hqs de Conan ...)  e Gerry Conway, escritores de quadrinhos bem conhecidos, e ambos serviram como editor-chefe da Marvel Comics na década de 1970. Thomas assumiu o cargo de Stan Lee em 1972, e Conway ocupou brevemente em 1976.

O Grande diferencial de Fire and Ice está na sua consecução. Ralph Bakshi utilizou uma técnica chamada “Rotoscope Animation” que consiste (numa explicação bem simplória) em: filmar uma pessoa e desenhá-la no filme criando-se uma imagem de desenho animado dela. Isso significou filmar atores e atrizes ao vivo em preto e branco e “rotoscópia”, com células de animação colocadas sobre cada quadro dos membros do elenco para criar uma animação mais fluida e realista do que a animação padrão. Também se fotografa os atores em ação e se passa um papel especial por cima. Com isso, escalar um andaime vira, no desenho, escalar uma colina; guindastes levantando pessoas se transformam em monstros; jipes viram leões. Os atores precisam contracenar com esses elementos e reagir a eles conforme o proposto no roteiro. Não é uma tarefa nada fácil. Além disso, alguns desses atores não puderam emprestar suas vozes, esse trabalho foi para dubladores profissionais. E mais de mil pinturas de fundo foram feitas para este filme. Além disso, oito a dez pinturas eram feitas por dia por uma equipe ao estilo do traço de Franzetta.

Mas ainda que Fogo e Gelo apresente uma excelente animação que encha aos olhos perante outras animações feitas, mesmo posteriormente, talvez  devido ao orçamento apertado, assim como o prazo de realização e baixa metragem, os personagens carecem de desenvolvimento, tendo dado ênfase nos elementos de ação-aventura e nos visuais. E essas falhas de caracterização e narrativa mereciam um olhar mais cuidadoso: Darkwolf (parecendo um Batman pré-histórico) demonstra um ódio muito forte para com a mãe de Nekron, que nunca é desenvolvido: não sabemos sua origem e pouco sabemos de suas motivações. A Feiticeira surge na história, mas nem seus motivos nem sua “lealdade” são devidamente explorados, deixando sua presença no filme um mistério vazio. A impressão que fica é que foram removidos fragmentos da história em prol da baixa metragem (maior metragem = maior tempo de trabalho = maiores gastos = maior o orçamento).

A maioria dos atores aproveitados para esta animação é praticamente desconhecida em nosso país: Randy Norton encerrou a carreira de ator em 1986 após poucas participações em filmes e seriados.  Cynthia Leake, escalada para ser referência da animação de Teegra, encerrou a carreira de atriz em 1987. Seu trabalho mais conhecido foi no seriado Days of Our Lives (1981). Para sua personagem a voz utilizada foi a de Maggie Roswell (A Garota de Rosa-Shocking) que se especializou em emprestar sua voz para vários desenhos americanos. Sean Hannon, que fez Nekron, voltou sua carreira para a área de efeitos. Leo Gordon (Tarzan vai à Índia) talvez o ator mais conhecido foi a base para o rei Jarol. Eileen O'Neill (a rainha Juliana) só esteve nessa produção.

Animação baseada na arte de Frank Frazetta (1928-2010), mostra uma princesa em trajes bem sensuais (Frazetta era conhecido também por desenhar imagens de pin ups), um herói destemido, um grau de violência bem abaixo dos padrões atuais em uma história bem interessante que poderia ter sido melhor desenvolvida e que colheria significantes resultados. Hoje, a produção é item de coleção de vários amantes da animação e do trabalho do grande ilustrador. Uma animação que resistiu ao tempo e que volta e meia é postada em plataformas como YouTube (algumas com imagens ruins).  Vale uma olhada por adultos que gostam de animações de qualidade e que é melhor do que muitos filmes de “espada e feitiçaria” lançados nesse período.


Trailer:



Curiosidades:

De acordo com o comentário do diretor Ralph Bakshi no DVD, os animadores acharam que trabalhar para o produtor Frank Frazetta era tão assustador que alguns deles até desmaiaram quando Frazetta visitou o set.

Os cineastas tiveram muita dificuldade em encontrar uma atriz com o físico certo para interpretar Teegra para a versão live-action deste filme.

Dois jovens artistas trabalharam nos cenários para este filme. Ambos se tornaram famosos em seus campos: Thomas Kinkade (conhecido como o "Pintor da Luz") e James Gurney, criador e pintor da popular série de romances ilustrados "Dinotopia". Pintaram os fundos exclusivamente no estilo de Frank Frazetta, que foi produtor deste filme e cuja arte o inspirou.

Mesmo que os artistas do "rotoscópio" recebam o maior faturamento nos créditos de abertura, Ralph Bakshi teve algumas das vozes dos personagens dubladas com base no que ele queria e nas habilidades do elenco. 

Os dublês que interpretaram os sub-humanos acharam que trabalhar com Frank Frazetta era bastante frustrante porque ele lhes deu instruções muito específicas sobre como se mover.

A pantera de Teegra, Shaitan, é o nome árabe para Satanás.

Darkwolf nunca é chamado por esse nome nos diálogos do filme.

Os dois personagens principais, Larn e Teegra, não ficam cara a cara até os 31 minutos do filme. Eles têm aproximadamente sete minutos de tempo de tela compartilhada.

Ralph Bakshi contratou Peter Chung (da série Æon Flux) para animar os falcões de dragão.

Cenas de bastidores












Alguns trabalhos de Frank Franzetta








The Making of Fire and Ice (em inglês)




Filmografia Parcial:

Randy Norton

Alerta Noturno (1981); Uma Estrada Muito Doida (1981);  Fogo e Gelo (1983); Votos Quebrados  (1984)

Cynthia Leake

Xanadu (1980);  A Grande Farra dos Muppets (1981); Days of Our Lives  (seriado 1981); Fogo e Gelo (1983); The Bear (1984); Dallas (seriado 2 episódios - 1983 e 1985)

Leo Gordon (1922- 2000)

Átila, o Rei dos Hunos (1954); Sangue de Bárbaros (1956); O Homem Que Sabia Demais (1956); Tarzan Vai à Índia (1962); Quando um Homem É Homem (1963); Os Reis do Sol (1963); Beau Geste (1966); Alienator - A Exterminadora Indestrutível (1990); Maverick (1994).