domingo, 2 de fevereiro de 2025

BEASTS OF NO NATION (2015) - ESTADOS UNIDOS

VINDO DE TODAS AS PARTES; INDO PRA LUGAR ALGUM; ASSIM CAMINHA A RAÇA HUMANA; SE DEVORANDO UM A UM ♪ (Uns e Outros)

Agu (Abraham Attah) é uma criança de nove anos como tantas outras que tenta viver feliz em uma zona protegida de uma guerra civil por um destacamento da ONU. Até o dia em que a Guerra bate à sua porta. O caos se instala, as forças do governo do momento estão muito próximas. Quem tem possibilidade começa a fugir, outros acreditam que possam criar uma resistência e há aqueles que acreditam que se esconder talvez seja a melhor solução. Logo perceberão da pior forma que o que vem se aproximando é uma devastação em escala não mensurada e que seus esforços serão infrutíferos.

A mãe de Agu consegue fugir em um carro com o filho menor quando seu pai consegue “pagar por sua viagem”, mas este fica com Agu e seu irmão mais velho planejando o próximo passo. Não há tempo. As forças do intitulado governo logo invadem o local e matam quem está pela frente. Agu vê seus pares serem dizimados, mas consegue fugir do massacre. Mas se Agu escapa da morte eminente, o destino resolve arremessá-lo para o “batalhão revolucionário” do cognominado “comandante” (Idris Elba), um homem que começa a executar todos encontrados na mata, mas que resolve poupar Agu por motivos que apenas o próprio conhece. Agu será seu “protegido”, enquanto puder provar ter condições de estar ali. Se não passar nos testes diários, seu destino será o mesmo daqueles que se encontravam naquele fatídico dia.

Logo veremos que o exército do “comandante” é essencialmente formado por crianças, adolescentes e recém ingressos na idade adulta. Ele comanda estas crianças-soldado, de olhos mortos, com mãos de ferro. Suas ordens são lei, ele proclama frases ufanistas e, como um mago, as insere em rituais tribalistas para que acreditem terem ajuda do sobrenatural e proteção contra o inimigo. Ele demoniza suas próximas vítimas, não tem piedade nem compaixão para com aqueles que lhe pedem clemência. Ele tenta se impor para aquelas crianças como uma figura paterna demoníaca que tenta protegê-las dando lhes condições de se protegerem, mas seu intuito é apenas a manipulação, e baixas em seu exército serão consideradas casualidades dessa guerra suja ou da aptidão do mais forte que sobreviver (com um já planejado conjunto pronto de substitutos que vierem a ser presos). Se você está vivo é porque tem condições de servir ao “comandante”, se morrer é porque não servia no fim das contas. Neste risco diário de estar vivo, não há questionamentos, mas internamente Agu continua questionando (porque está ali, porque ele, porque essa guerra, porque ninguém ajuda), observando, tentando compreender todo aquele inferno. Algo na verdade, incompreensível.

Dirigido por Cary Joji Fukunaga (que dirigira a primeira temporada de True Detective) foi o primeiro longa-metragem de ficção financiado e distribuído pela Netflix. Aborda uma guerra civil em um país imaginário da África Ocidental (que sugere ser Serra Leoa ou Libéria), apesar de basear-se no livro homônimo de 2005 da escritora e médica nigeriana-americana Uzodinma Iweala. É um filme pesado, sobre a destruição da inocência, seja a de Agu e seus companheiros, seja a própria inocência de certos espectadores. O filme não foca em qual lado da guerra está certo ou errado, centra-se em mostrar como pessoas são vítimas dessa insanidade: vilas inteiras dizimadas sem piedade, pessoas morrendo sem saber sequer o porquê, apenas por estarem no caminho de uma guerra que nem participam. Massacrados apenas porque alguém assim desejou.

O personagem de Idris Elba (em elogiável interpretação) parece apenas uma espécie de senhor da guerra dentre vários que a África produziu e produz em seus conflitos intermináveis. Mas sua faceta é muito pior. O espectador se pega vendo uma pessoa abominável, o que vai produzindo uma crescente revolta e repulsa para com esse personagem. Ele, um exímio manipulador, perceberá que neste jogo ele também é manipulado e que sua importância talvez não seja tão imprescindível quanto acredita. Os ventos mudam a todo momento, outrora figura importante pode se tornar uma inconveniência. Um obstáculo para os poderosos, um arquivo vivo a ser destruído e jogado para debaixo do tapete da história.  E se este filme se chama "Beasts of No Nation" talvez seja porque possamos enquadrá-lo em qualquer guerra e em qualquer época. Já o personagem de Abraham Attah (um papel difícil que o ator mirim se saiu muito bem), Agu é um menino que perdeu amigos, família, lar e qualquer sentimento de segurança que pudesse ter. Entorpecido pelo horror e endurecido pela brutalidade, desumanizado, treinado para ser um criminoso de guerra e principalmente um vitimizador de civis. É através de seu olhar que a lente nos revela os horrores de uma guerra. No início ele é apenas um involuntário fio condutor dessa narrativa insana e grotesca, depois passa a ser, de espontânea vontade, ainda que por vezes relutante, um de seus agentes. Destaque para Emmanuel Nii Adom Quay (Strika) e Kurt Egyiawan, o adolescente 2º I-C, que se tornam irmãos mais velhos substitutos de Agu em determinados momentos.

Beast of no Nation é um tapa na cara do espectador, ao mostrar anjos sendo transformados rapidamente em demônios e / ou feras bestiais. Tem aquele ar de desalento, de que o ser humano não deu certo e que cada vez se mostra com menos chance de alcançar tal objetivo. Possui um final que tenta mostrar que a vida pode oferecer algo aquelas crianças que conseguiram sobreviver, mas as cicatrizes permanecerão para sempre, tanto no corpo quanto na alma. Tem uma fotografia que chama a atenção e uma direção firme. Fukunaga entrega momentos muito fortes e outros sugestionados, o que gera um equilíbrio à narrativa. É um filme para se refletir sobre no que se transforma uma guerra civil, no que é um Estado sem ordem e como pessoas poderão se comportar num ambiente destes. Por algum motivo me remeteu ao filme “JohnnyMad Dog”, mas sem a violência extrema deste. Muitos viram o filme como uma prenuncia de morte do cinema, o que se evidenciou no seu “esquecimento” nas indicações ao Oscar.

 

Trailer:

 


 

Curiosidades:

Cary Joji Fukunaga escalou ex-crianças-soldados reais e membros de várias facções da Guerra Civil de Serra Leoa e da Libéria como figurantes e consultores. E nem todos foram usados pois vários foram detidos na Costa do Marfim como suspeitos de serem mercenários.

Wesseh, que interpretou o soldado nu "Tripé", foi membro das Forças Armadas da Libéria durante a Guerra Civil da Libéria. Ele insistiu em ficar nu durante a cena.

Os direitos de distribuição mundial foram comprados pela Netflix por cerca de US$ 12 milhões; foi lançado simultaneamente nos cinemas e online através do serviço de vídeo sob demanda por assinatura. Considerando isso uma violação da janela tradicional de 90 dias de exclusividade para cinemas, a AMC Cinemas, a Carmike Cinemas, a Cinemark e a Regal Entertainment - quatro das maiores redes de cinemas dos Estados Unidos - anunciaram que boicotariam o filme, efetivamente rebaixando-o para um lançamento limitado para cinemas menores e independentes.

O primeiro filme original da Netflix.

Em preparação para interpretar o Comandante, Idris Elba se exercitou menos, engordou alguns quilos, deixou a barba crescer e raspou a parte da frente do cabelo para sugerir uma linha fina recuada, porque ele queria que seu personagem tivesse uma aparência rude e fora de forma, para o distinguia dos personagens bonitos, em forma e bem-vestidos que ele costumava interpretar.

Cary Joji Fukunaga diz que decidiu ser seu próprio diretor de fotografia principalmente por ingenuidade, acreditando que o filme seria uma produção muito menor e mais contida em comparação com seu trabalho em True Detective (2014), e que ele seria capaz de filmar sozinho. . Acabou sendo muito mais difícil do que ele imaginava. Para piorar a situação, seu operador de câmera sofreu uma distensão muscular no tendão da coxa no primeiro dia de filmagem. Fukunaga teve que assumir a operação também.

Cary Joji Fukunaga contraiu malária durante as filmagens em Gana.

Idris Elba e Cary Joji Fukunaga basearam o Comandante em grande parte nos membros das Forças de Defesa Civil que eles consultaram durante a fase de pré-produção do filme.

O cantor nigeriano Fela Kuti tem uma música chamada "Beasts of No Nation", na qual ele critica a ONU por sua hipocrisia e falta de igualdade.

Idris Elba recebeu indicações de Melhor Ator Coadjuvante no Globo de Ouro, BAFTA e Screen Actors Guild Awards; Abraham Attah também recebeu uma indicação ao Critics Choice por sua atuação. No entanto, devido ao preconceito da Academia na época, que durou anos, contra o modelo de distribuição não teatral da Netflix e de outras plataformas de streaming, o filme não recebeu nenhuma indicação ao Oscar. Foi somente com Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi (2017) que um filme não-documentário de streaming (também da Netflix) recebeu indicações nas principais categorias (ou em qualquer categoria) do Oscar.

Os pequenos pacotes coloridos costurados nas roupas das crianças-soldados representam fichas de boa sorte feitas pelos curandeiros na cena da lavagem cerebral. Basicamente, eles estão sendo informados de que o poderoso ju-ju dos curandeiros protegerá as crianças das balas. Da mesma forma, o objeto branco que o Comandante balança em uma cena está relacionada à magia indígena.


Cartazes: 


 







Filmografias Parciais:

Idris Elba







Abril Sangrento (2005); Segundo Evangelho (2005); As Garotinhas do Papai (2007); A Colheita do Mal (2007); Extermínio 2 (2007); O Gângster (2007); A Morte Convida para Dançar (2008); Rock'n'Rolla: A Grande Roubada (2008); Alma Perdida (2009);  Thor (2011);  Motoqueiro Fantasma: Espírito de Vingança (2011); Prometheus (2012); Círculo de Fogo (2013); Mandela: O Caminho para a Liberdade (2013); Thor: O Mundo Sombrio (2013); O Franco-Atirador (2015); Vingadores: Era de Ultron (2015); Beasts of No Nation (2015); Zootopia (2016), Mogli - O Menino Lobo (narração -2016), Atentado em Paris (2016), Procurando Dory (narração 2016), Star Trek: Sem Fronteiras (2016), Guerrilla (Minissérie 2017), A Torre Negra (2017), A Grande Jogada (2017), Depois Daquela Montanha (2017), Thor: Ragnarok (2017), Vingadores: Guerra Infinita (2018), Luther (seriado 2010-2019), Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw (2019), Alma de Cowboy (2020), O Esquadrão Suicida (2021), Vingança & Castigo (2021), Era Uma Vez um Gênio (2022), Thor: Amor e Trovão (2022), A Fera (2022), Luther: O Cair da Noite (2023), Resgate 2 (2023), Sequestro no Ar (seriado 2023), What If...? (narração 2021)

  

Abraham Attah 






Beasts of No Nation (2015), Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017), Tazmanian Devil (2020)

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