LAÇOS DO DESTINO
Peter Standish (Tyrone Power) e Roger Forsyth (Michael Rennie) são dois cientistas que atuam em experiências com átomos, radiação gama e chumbo. Peter não acata a ordem para cessar o experimento e recebe uma suspensão. Roger lhe dá uma carona até sua casa e pela primeira vez conhece a casa parceiro de trabalho. Peter revela que um parente distante, chamado Pettigrew, lhe deixou a casa e que praticamente a mantém como na época (apenas colocando luz elétrica e encanamentos). Roger lhe aconselha a tirar férias e este lhe confidencia que o fará, mas que viajará para o século XVIII. A teoria de Peter é interessante: uma determinada estrela pode levar 50 anos para ter sua luz percebida na terra. Ela já pode estar extinta (isso é passado), mas como a vemos, isso é presente. A percepção para quem é passado e para quem é presente pode abalizar sua crença de que o século XVIII, que para eles é passado, ainda existe. E Peter diz que trocará de corpo com seu ancestral. Para validar sua teoria, mostra um diário do século XVIII da qual um homem também chamado Peter Standish teria dito ter vindo do futuro e ter sido levado a um manicômio, mas dois dias depois foi declaro sano, casou-se com Kate Pettigrew e viveu até os 63 anos. E "Peter Standish" teria chegado da América em 23 de abril de 1784. Eles estão no dia 23 de abril. E houve uma tormenta naquele dia, como a que está acontecendo nesta mesma noite que Peter e Roger conversam. Na sala de jantar, um quadro idêntico a Peter pintado à séculos.
Roger pede para ficar, mas Peter o acompanha até o seu carro. Ao retornar para casa, a porta se fecha e um raio cai. Quando se levanta, Peter está em 1784 com outro penteado e outras vestes. Ele entra na casa e sua prima Kate Pettigrew (Beatrice Campbell) lhe recebe normalmente. Peter "chegara" de barco da América ("o novo mundo", agora conhecido como "Estados Unidos da América) na qual os ingleses menosprezam e não veem com bons olhos ("como as colônias agora se chamam?" pergunta Tom (Dennis Price) seu primo). A independência das Treze Colônias Inglesas tinha ocorrido há apenas 8 anos e os ingleses não gostaram. Inclusive, logo em sua apresentação, Peter é chamado de insignificante, bárbaro e caipira. Ele percebe que Kate é a mulher narrada no diário como sua esposa, mas quem lhe colhe a atenção é Helen Pettigrew (Ann Blyth) uma prima mais nova e da qual nada lera a respeito nas cartas e diário, mas Mr. Throstle (Raymond Huntley) deseja desposá-la e não vê com bons olhos a forma como Helen parece estar enfeitiçada pelo recém-chegado.
Jamais te Esquecerei é uma adaptação da peça "Berkeley Square", de John L. Balderston (1889-1954) e um remake de um filme de 1933: "Romance Antigo' (Berkeley Square) que chegou a dar uma indicação de Melhor Ator para Leslie Howard. Caso algumas pessoas se lembrem de “Em Algum lugar do Passado”, após assistirem até o seu final (que considerei bem interessante), podem estar certos: o filme, protagonizado por Christopher Reeve, ainda que baseado em um livro, recebeu alguns elementos deste filme: o amor impossível, um homem querendo se livrar do protagonista, o mistério de sua chegada e de sua volta (ainda que a forma como cada qual volta ao passado seja bem diferente). E, claro, o “Paradoxo da Predestinação”, tão comum e citado em vários filmes de viagem no tempo que já analisei por aqui. Aquela famosa dúvida: como você pode voltar ao passado e reviver algo que supostamente já reviveu? É a pergunta de Em Algum Lugar no Passado e de filmes como o Exterminador do Futuro. E temos que admitir que uma temática dessas nos anos 30 e anos 50 é algo que muitos não conheciam. Muitos acreditam que essas teorias “loucas” da física surgiram nas telas nos anos 80 ...
O filme acerta em mesclar a ficção-científica com o drama de época e um romance que pega Peter de surpresa, pois Helen não aparecia nas pesquisas que fizera sobre seus antepassados. Outra coisa curiosa é a mescla de filme em preto e branco com o Technicolor dos anos 50. Quando Peter está em 1951 (seu presente), a fotografia é em preto e branco , quando é atirado nos idos de 1800 (seu passado que vira o seu presente) a fotografia é colorida. Há elementos que tornam o filme interessante em sua proposta, mas pouco efetivo em sua veiculação: o filme não convence em certos aspectos, como a maneira com a qual Peter surge em 1850. Uma dobra no tempo? Um fluxo temporal? A experiência com raios gama? Destino? A verdade é que o filme possui elementos, como já dito, interessantes, que dissecarei mais abaixo, mas não chega a ser empolgante parecendo, em certos momentos, “arrastado”, além de acreditar que a fotografia totalmente em preto e branco fosse uma proposta mais prática, mas conforme admitiu o produtor Darryl F. Zanuck a ideia foi pegada emprestada de O Mágico de Oz (1939).
Possivelmente, um dos aspectos mais perceptíveis seja como a sociedade de 1854 é retratada: bem diferente do glamour apresentado em outros filmes. Talvez seja um modo dos envolvidos mostrarem que o passado longínquo só é bom porque você não mais pode visitá-lo e/ou vivê-lo. Para muitos, as épocas passadas foram as melhores, talvez porque só recebam informações positivas. Ninguém conjectura em qual lado da sociedade estaria: a sociedade aristocrática ou a sociedade daqueles que muito trabalhavam para, às vezes, ter apenas o que comer. Uma sociedade sem anestesia, sem conhecimento ainda dos germes, sem radiografias, saneamento, doenças sem vacinas. Uma sociedade na qual crianças de 5 anos trabalhavam até 14 horas por dia, sem praticamente descanso, uma sociedade que tratava seus doentes mentais com zombaria e agressões públicas, uma sociedade com milhares de miseráveis ansiosos por uma esmola ...
O anacronismo na qual Peter é involuntariamente (ou voluntariamente, se quiserem ver dessa forma) inserido mostra-se bem explorado no roteiro: por mais avançada que fosse a sociedade nos idos de 1800 para os que nela viviam, aos olhos de Peter ela se revela medieval. O encantamento pelo passado e a vontade de viver naquela época é confrontada com a dura realidade de uma sociedade narrada no parágrafo acima. Peter se vê constantemente falando do futuro, conjecturando, meio que sem perceber, mas os demais percebem como ele se refere às vidas deles, como se fosse passado (como em frases: "eu sei como se fazia, quero dizer, como se faz"). Sua capacidade de “adivinhar” alguns eventos começam a assustar aquela sociedade mergulhada em crenças e o medo do novo. Um rival romântico, Mr. Throstle, que corteja Helen, percebe uma chance de atacar diretamente Peter. E Helen é o único motivo que mantém Peter desejoso de permanecer naquela realidade: ela não pode voltar com ele, ele não deseja voltar sem ela. Em sua ingenuidade, Peter aluga um quarto em um bairro e passa a fazer experiências com energia (luz) e clorofórmio para ser usado em cirurgias. Ele entende que pode avançar aquela sociedade, mas aquela sociedade não está preparada para suas "descobertas". A época em que a ciência será aceita ainda está por vir, através de homens que muitas vezes colocaram suas reputações e vidas em risco para dar a humanidade as possibilidades que temos hoje. E nesse ínterim, a prima prometida, Kate, passa a repudia-lo, o que parece contrariar a história que lera. Ela tem medo de seus modos e pensamentos. Peter alega ser o modo como americanos são e agem, mas as desconfianças aumentam e suspeita de representar um emissário do diabo é rapidamente espalhada. O seu linguajar dos anos 50 é bem diferente do de 1854 (a saudação” How do you do?” não era usada na Inglaterra naquele período - O "Como vai?" recebe a resposta de "como vai o quê"? - How do you do, what? - de Kate) e Peter não se mostra preocupado com isso, quando deveria estar.
Quanto ao elenco, Tyrone Power era o artista principal e sua popularidade na época era o chamariz que os estúdios queriam. Nem sempre importava muito o roteiro ou direção. Atores da "época de ouro" atraiam as multidões e isso já bastava para dar retorno ao estúdio. Power faleceria 3 anos depois deste filme. Na verdade, sua atuação é boa, mas o roteiro podia ter sido mais ousado. Houve pouca criatividade na construção de seu papel. Interessante vermos Michael Rennie de "O Dia em que a Terra Parou", filme que foi lançado no mesmo ano deste. Coincidência vê-lo em dois filmes de ficção-científica, um que se tornaria uma clássico e outro que seria relegado ao esquecimento. Ann Blyth, como Helen Pettigrew, vinha de uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Alma em Suplício” (1946). Funciona como a única pessoa que acredita na insólita situação ocorrida com Peter e motivo da paixão que ele sentirá pela jovem. Beatrice Campbell (Kate Pettigrew) esteve bem como a assustada futura noiva de Peter e que, aparentemente, nunca se casará com ele, gerando uma dúvida no espectador sobre o diário que diz o contrário. Sua filmografia foi até 1957. Raymond Huntley interpretou o vilão, que passa a seguir Peter sem que este saiba com o intuito de afastá-lo de Helen, seu interesse. E, ao mesmo tempo, provar que Peter é um homem que possui um “poder do mal”. Kathleen Byron, que esteve em O Resgate do Soldado Ryan (como a Sra Ryan), fez uma breve aparição como uma duquesa, mas um momento bem interessante ocorre quando percebe que Peter demonstra conhecer tudo de sua vida citando sua narrativa como ela já tivesse falecido, o que a deixa consternada e furiosa. O restante do elenco compõe bem o filme.
Dirigido por Roy Ward Baker (1916-2010) de "Somente Deus por Testemunha" (1958) e "Asilo do Terror" (1972) e rodado nos estúdios ingleses, "Jamais te Esquecerei" pode revelar sentimentos ambíguos: uns o acharão interessante, outros sem graça e cansativo. Não é uma obra prima, mas não chega a ser ruim. Fica ali um pouco acima do meio termo por trazer uma visão da época desmistificada e por se inserir no campo da ficção-científica (anos 50). Talvez alguns não tenham entendido o final, mas a explicação nos primeiros 15 minutos iniciais de Peter esclarece como tudo aconteceu. Afinal tudo realmente ocorreu, ou foi fruto da imaginação de Peter? Sim, ocorreu, mas o surgimento de um personagem no final, meio que deixa tudo meio solto, em favor de um final que a plateia gostasse. Esse personagem precisaria de uma melhor explicação ou a própria omissão para o filme fechar de forma adequada.
Curiosidades:
Disponível no YouTube como “Jamais
a esquecerei”
Irene Browne reprisou seu papel como Lady Anne Pettigrew do filme original Romance Antigo (1933). Ela é a única atriz a aparecer em ambos os filmes.
Cartaz:
Filmografias Parciais:
Tyrone Power (1914–1958)
Ela e o Príncipe (1937); Café Metrópole (1937); Segunda Lua de Mel (1937); Maria Antonieta (1938); Jesse James (1939); A Marca do Zorro (1940); O Filho dos Deuses (1940); Sangue e Areia (1941); Ódio no Coração (1942); O Cisne Negro (1942); O Fio da Navalha (1946); Beco das Almas Perdidas (1947); Capitão de Castela (1947); A Rosa Negra (1950); Jamais Te Esquecerei (1951); O Soldado da Rainha (1952); O Aventureiro do Mississippi (1963); Duelo de Paixões (1955); Melodia Imortal (1956); E Agora Brilha o Sol (1957); Testemunha de Acusação (1957).
Ann Blyth (1928)
As Três Glórias (1944), Tradição Artística (1944), Saudades do Passado (1944), Alma em Suplício (1945), Egoísta (1946), Brutalidade (1947), Punhos de Ouro (1947), Vingança Pérfida (1948), Ele e a Sereia (1948), Escrava do Ódio (1949), Nascida para Amar (1949), Inventor das Arábias (1949), Vida de Minha Vida (1950), O Grande Caruso (1951), Agonia de uma Vida (1951), A Princesa e os Bárbaros (1951), Jamais Te Esquecerei (1951), O Mundo em seus Braços (1952), O Céu Está em Toda Parte (1952), Muralhas de Sangue (1952), Rose Marie (1954), O Príncipe Estudante (1954), O Ladrão do Rei (1955), Um Estranho no Paraíso (1955), O Palhaço que não Ri (1957), Com Lágrimas na Voz (1957)
Michael Rennie (1909–1971)
Luar Perigoso (1941); César e Cleópatra (1945); A Rosa Negra (1950); O Dia em que a Terra Parou (1951); Jamais Te Esquecerei (1951); O Implacável (1952); Marinheiro do Rei (1953); Uma Trágica Aventura (1953); O Manto Sagrado (1953); Rebelião na Índia (1953); Demétrio e os Gladiadores (1954); A Princesa do Nilo (1954); Désirée, o Amor de Napoleão (1954); O Aventureiro de Hong Kong (1955); Sete Cidades de Ouro (1955); As Chuvas de Ranchipur (1955); Alma Rebelde (1956); O Terceiro Homem na Montanha (1959); O Mundo Perdido (1960); Mary Mary (1963); Cyborg 2087 (1966); Os Poderosos (1968); A Brigada do Diabo (1968); A Batalha de El Alamein (1969); Los monstruos del terror (1970); Conspiração em Surabaya (1974)
Kathleen Byron (1921-2009)
Orquídea Selvagem (1937), O Amor Nasceu do Ódio (1937), Ceia no Ritz (1937), Gestapo (1940), Uma Voz nas Trevas (1941), Surgirá a Aurora (1942), Têmpera de Aço (1944), Um Estranho na Escuridão (1946), Alma Negra (1948), Três Destinos (1950), Inocência à Prova (1951), Jamais Te Esquecerei (1951), Direção Norte (1951), Prisioneiro do Remorso (1955), O Passado de Meu Marido (1955), Labaredas do Inferno (1955), Almas em Leilão (1958), A Princesa e o Embaixador (1959), A Múmia (1959), Acossado (1960), Ladrões de Casacos (1960), A Valsa dos Toureadores (1962), Norman, O Manda Brasa (1962), A Marca do Pecado (1963), A Máquina de Fazer Milhões (1968), As Garras do Leão (1972), O Melhor Pai do Mundo (1982)
Beatrice Campbell (1922-1979)
Procuramos o Assassino (1946), As Pérolas da Duquesa (1946), Na Ponta da Espada (1947), Os Mortos Falam (1949), As Últimas Férias (1950), O Garoto e a Rainha (1950), Jamais Te Esquecerei (1951), Minha Espada, Minha Lei (1953), Os Sobreviventes (1955)
Kathleen Byron (1921-2009)
Neste Mundo e no Outro (1946), Narciso Negro (1947), De Volta ao Pequeno Apartamento (1949), Loucuras do Coração (1949), Espada Contra Espada (1950), Prelúdio à Fama (1950), Aprendendo a Ser Homem (1951), Jamais Te Esquecerei (1951), Jogo Perigoso (1952), A Rainha Virgem (1953), A Estrela e a Cruz (1961), A Filha de Satã (1962), Encontro Fatal em Lisboa (1968), Filhas de Drácula (1971), Enigma Fatal (1973), Demência (1974), A Abdicação de uma Rainha (1974), Está Faltando um de Nossos Dinossauros (1975), O Homem Elefante (1980), Os Miseráveis (1998), Os Miseráveis (1998), O Resgate do Soldado Ryan (1998)
Luís, td bem?
ResponderExcluirNão conhecia esse filme, o que — com esse enredo tão atípico — para mim é novidade.
Interessante as intercalações entre P&B e colorido, boa idéia da equipe criadora.
Sou um fã de Tyrone Power ( talvez só tenhamos Tyrones no século 21 devido a ele ).
Acho Sangue e Areia um tanto melodramático, mas ainda assim o aprecio.
Mas acima de tudo sou fascinado por Melodia Imortal, onde a figura desse grande astro me impregnou para sempre a memória. Incrível esse meu sentimento, creio que a combinação da triste estória do personagem somado ao carisma pessoal do ator me conquistaram o coração.
Sobre Michael Rennie em breve mandarei notícias.
Luís, vc foi original nesta escolha da resenha, uma surpresa mesmo. Parabéns!
Gostaria de descorrer mais sobre ela, mas por agora fico por aqui.
Um grande abraço!
Boa tarde Mario.
ResponderExcluirUm amigo citou esse filme e achei interessante dar uma olhada e concluí que seria um filme interessante a ser resgatado, por possuir uma temática pouco usual para os anos 50. Quanto a Melodia Imortal, é um de meus favoritos do ator. Assisti várias vezes na Sessão da Tarde, com aquele final impactante. Tanto que foi analisado no começo deste blog. Zorro também me agradou muito, acredito que o ator captou o espírito da estória. Sangue e Areia pouco me recordo, mas, a pouca lembrança, é de que é um bom filme.
Obrigado por mais este comentário, um grande abraço e até a próxima.