sexta-feira, 12 de novembro de 2021

RAPSÓDIA / RHAPSODY (1954) - ESTADOS UNIDOS


AMAR OU SER AMADA ?

A rica e mimada Louise “Lulu” Durant (Elizabeth Taylor) comunica ao pai (Louis Calhern) que está de mudança para Zurique. O motivo: sua paixão por um brilhante e dedicado violinista europeu chamado Paul Bronte (Vittorio Gassman) que deseja se transformar em um solista de sucesso, mesmo que seu pai não veja futuro em um aspirante a pianista de sucesso. Reprovada em um teste de admissão no conservatório como pianista, “Lulu” passa a acompanhar, por horas, as extenuantes práticas de seu amado ao violino sob a orientação do professor Schuman (Michael Chekhov). No mesmo prédio em que “Lulu” aluga um quarto, a dupla conhece James Guest (John Ericson), outro brilhante estudante, aspirante a pianista, que se apaixona imediatamente pela jovem.

Os dias se transformam em meses e Louise não consegue mais suportar o fato de seu namorado entregar-se a extensivos estudos de 14 e 16 horas diárias, praticamente deixando-a de lado. Paul explica-lhe que só conseguirá chegar ao ápice se sua dedicação à musica for exclusiva e em tempo integral, deixando claro que essa opção está em primeiro lugar em sua vida. Logo, a convivência entre o casal torna-se insuportável e a separação ocorre de forma abrupta: Louise é largada por Paul que se sente livre para conquistar sua carreira. Arrasada pelo incidente, permite a aproximação de James, apesar de não amá-lo. Tempos depois, Paul se torna um solista de sucesso e reaparece para reconquistar sua amada, apenas para descobrir que ela se casou com James. Paul pede que “Lulu” abandone James e parta com ele, o que é prontamente aceito pela jovem ainda apaixonada, mas surge um dilema: como deixar James, que abriu mão de sua carreira para amá-la, transformando-se, porém, em um alcoólatra?

Baseado no romance “Maurice Guest” de Henry Handel Richardson, de 1908, Rapsódia teve um sucesso moderado de bilheteria devido a dois fatores primordiais: um ótimo elenco e uma trilha sonora de primeira qualidade, pois o roteiro não se aprofundou muito e os diálogos mereciam maior cuidado. Ainda assim, há aspectos interessantes nesse filme, tecnicamente bem acabado, que foi caindo no esquecimento ao longo dos anos. O título do filme é sugestivo, nos levando a crer que o mote central será em torno de uma rapsódia (composições musicais e poéticas, definidas por serem livres e muito emocionais), mas a bem da verdade é o dilema de Louise que está em jogo: é melhor amar ou ser amada? Ficar com quem se ama, mas não que  lhe deseja plenamente ou ficar com que te deseja plenamente, mas seus sentimentos quanto a essa pessoa não são recíprocos? A Rapsódia terá sua função dentro do filme e, talvez , por isso, os produtores resolveram adotá-la como título da obra.

Ainda que passe rapidamente por assuntos que se fossem melhor delineados no filme  trariam uma substancial colaboração ao filme, há bons pontos a serem observados: Nicholas Durant conhece sua filha mais do que a própria Louise e sabe que seu relacionamento está fadado ao fracasso, pois a filha foi criada sem conhecer dificuldades. Durant se mostra como um pai que deu tudo Louise, em termos materiais, mas negou-lhe afeto e companhia, o que traduziu em uma filha (carente) que deseja Paul e irá “tê-lo” como se fosse uma mercadoria. “Lulu” é um produto da criação de seu pai: um homem rico e excêntrico, que determina quem serão suas amizades dentro de seu mundo. A jovem passa os seus dias assistindo aulas e aulas de Paul, algo que se revela enfadonho e cansativo. Como não tem nada a fazer ao longo dos dias (uma vida vazia) ela tenta dissuadir Paul de estudar por horas a finco, o que significa atrapalhar seus objetivos. Em contrapartida, Paul, se mostra um homem determinado, focado e com um propósito acima de qualquer outra convencionalidade. Ele vive e respira música. Quando Durant e Paul se encontram a antipatia mútua é imediata. Apesar da diferença de patrimônio e origem ambos são parecidos: só pensam em si mesmos. Já James é um jovem mais entusiasta. Ama a música, deseja ser solista como Paul (só que no piano), mas cai de amores pela bela jovem que conhece. Ao contrário de Paul, Louise vem em primeiro lugar em sua vida. Quando o destino lhe favorece e casa-se com sua amada, algo acontece: ele abandona os estudos porque quer dar a Louise o que Paul não dera: atenção dedicação e amor, mas fica sem propósito na vida, tornando-se alcoólatra e dependente financeiramente de quem não lhe ama de verdade.

Há um curioso momento no filme que define muito bem o que é o sucesso (e o seu preço): em um desabafo, James diz a Paul que não gastaria de 14 a 16 horas em extenuantes estudos para chegar a solista, motivo da separação de Paul e “Lulu”. Esse é um momento crucial para entendermos que não foi um dom que Paul possuía, que o transformou em um artista conceituado, foi a abdicação de uma vida de diversões, festas e saídas com os amigos em prol de estudar, estudar e estudar . Dedicação completa para se chegar aonde se deseja. Talvez, nesse momento, James tenha entendido que seu caminho poderia ter sido o mesmo de Paul. O pai de Lulu, um homem que vai se mostrando sábio em seus conselhos, mostra a filha que colocar James nos trilhos e aceitar passar o que passou com Paul talvez seja o único meio de trazer a vida que seu marido deixou para trás. Ele precisa se dedicar ao piano, como Paul se dedicara ao violino, e assim ter o que planejara quando entrara no conservatório. Esta é de certo modo, a melhor exemplificação do conceito de uma frase de Eisntein: sucesso é 99 % transpiração e 1% inspiração. Algo que o próprio professor Schuman sintetizara a Paul depois de seu primeiro fracasso: “Cada estudante aqui espera trazer algo perfeito e raro para o mundo da música. Alguns deles não conseguem porque não chegam a se disciplinarem o bastante. Não se pode chegar à arte maior sem disciplina e nem à disciplina sem sacrifícios”.

Para muitos a trilha sonora desta produção é que faz com que o filme valha a pena. Sem dúvida, Rapsódia apresentas músicas de Rachmaninoff  (Concerto nº 2 em C Menor para Piano e Orchestra), Tchaikovsky (Concerto em D Maior para Violino e Orchestra) e Pablo de Sarasate (Gypsy Airs) entre outros, um repertório de primeira, que deixará os fãs de músicas clássicas plenamente satisfeitos. E a música é o centro das atenções no filme, assim como a extrema devoção que os personagens dedicam a ela. Tanto Gassman quanto Ericson emulam músicos com igual eficiência tendo, na verdade, por trás das cenas, Claudio Arrau tocando piano e Michael Rabin no violino. Bronislau Kaper adaptou os temas musicais e Helen Rose os figurinos.

Dirigido por Charles Vidor,  um dos responsáveis pelo êxito de Rita Rayworth em dois filmes: "Modelos" e "Gilda", tendo Elizabeth Taylor no auge da beleza e mostrando-se uma atriz de talento, aliado as ótimas interpretações de Louis Calhern (Durant) e Michael Chekhov (o professor), essa luxuosa produção da Metro, que mescla melodrama com música clássica, pode revelar-se um bom passatempo para os amantes de filmes que possuem gosto por músicas clássicas, além da bela fotografia de Robert Planck auxiliada pelas cores fortes do Technicolor. Uma produção que, se percebida as suas camadas por trás da história, pode ser apreciada de modo satisfatório. Não é uma superprodução, nem a melhor atuação do elenco, mas é uma produção que merece ser revisitada.

Trailer:

 

Curiosidades:

John Ericson poderá ser lembrado pelo público brasileiro por seu personagem em “As Sete Faces do Dr Lao”. Ericson interpretava o dono do jornal local;

Orçado em $1.979.000,00       Arrecadado: $3.292.000,00

Elizabeth Taylor estava com 22 anos;

Barbara Bates faleceu aos 43 anos após cometer suicídio;

Michael Chekhov faleceria no ano seguinte de câncer aos 64 anos. Rapsódia foi o seu último filme ;

 Louis Calhern faleceria dois anos depois, aos 61 anos, de ataque cardíaco. Foi indicado ao Oscar por Nobre e Rebelde (1950);

John Ericson faleceu aos 93 anos de pneumonia;

Vittorio Gassman  faleceu aos 77 anos de ataque cardíaco;

Elizabeth Taylor faleceu aos 79 anos em decorrência de problemas cardíacos. Ganhou 2 Oscars: Disque Butterfield 8 (1960) e Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966) e foi indicada outras três vezes


Cartazes:

 






 

Filmografia Parcial:

Elizabeth Taylor (1932–2011)







A Força do Coração (1943); Jane Eyre (1943);  A Coragem de Lassie (1946); O Príncipe Encantado (1948); O Papai da Noiva (1950); Um Lugar ao Sol (1951); Quo Vadis (1951); Ivanhoé, o Vingador do Rei (1952); No Caminho dos Elefantes (1953); Rapsódia (1954); O Belo Brummel (1954); Assim Caminha a Humanidade (1956); A Árvore da Vida (1957); Gata em Teto de Zinco Quente (1958); Disque Butterfield 8 (1960); Cleópatra (1963); Adeus às Ilusões (1965); Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966); A Megera Domada (1967); Doutor Faustus (1967); Ana dos Mil Dias (1969); Jogo de Paixões (1970); Unidos pelo Mal (1972); Vigília nas Sombras (1973); Meu Corpo em Tuas Mãos (1973); O Pássaro Azul (1976); Morte no Inverno (1979); A Maldição do Espelho (1980); Sempre Haverá um Amanhã (1986); Doce Pássaro da Juventude (1989); Os Flintstones: O Filme (1994); As Damas de Hollywood (2001)

 

Vittorio Gassman (1922–2000)







À Beira da Perdição (1947); A Filha do Capitão (1947); O Homem Sem Pátria (1948); O Cavaleiro Misterioso (1948); Arroz Amargo (1949); O Lobo da Montanha (1949); Giuliano, O Bandido da Sicília (1950); O Príncipe Pirata (1950); O Sonho do Zorro (1952); Mercado de Mulheres (1952); A Muralha da Esperança (1953); Jornada Cruel (1953); Rapsódia (1954); Mambo (1954);Guerra e Paz (1956); Otello (1957); O Milagre (1959); As Surpresas do Amor (1959); Sua Excelência o Trapaceiro (1960); Crime em Montecarlo (1960); Fantasmas em Roma (1961); Barrabás (1961); Alma Negra (1962); Por um Milhão de Dólares (1965); A Guerra Secreta (1965); O Incrível Exército Brancaleone (1966); Fantasmas à Italiana (1967); O Profeta (1968) A Ovelha Negra (1968); O Álibi (1969); Brancaleone nas Cruzadas (1970); Perfume de Mulher (1974); À Meia-Noite, a Ronda do Prazer (1975); O Deserto dos Tártaros (1976); Almas Perdidas (1977); Cerimônia de Casamento (1978); Quinteto (1979); A Bomba Que Desnuda (1980); Caçada em Atlanta (1981); A Família (1987); Armadilhas do Poder (1990); Sherazade (1990); Sleepers: A Vingança Adormecida (1996); O Jantar (1998); 

 

John Ericson  (1926–2020)







Teresa (1951); Rapsódia (1954);  O Príncipe Estudante (1954); Tentação Verde (1954); Conspiração do Silêncio (1955); Assassino a Sangue Frio (1955); Dragões da Violência (1957); Emboscada Selvagem (1957); Na Fúria de uma Sentença (1958); Sob Dez Bandeiras (1960); As Sete Caras do Dr. Lao (1964); Falta Alguém para Morrer (1967); Os Demolidores (1968); The Bounty Man (1972); O Engavetamento do Século (1976); Última Missão (1984); The Far Side of Jericho (2006)


Louis Calhern (1895–1956)







O que Vale a Pena (1921); Céu Roubado (1931); Convenções Humanas (1931); Amar não é Pecado (1932); Sagrado Dilema (1932); A Liga das Mulheres (1933); O Diabo a Quatro (1933); O Conde de Monte Cristo (1934);  Os Últimos Dias de Pompéia (1935); A Garota da Quinta Avenida (1939); A Mulher que Eu Quero (1940) O Diabo Disse Não (1943); Interlúdio (1946); Danúbio Vermelho (1949); Nobre e Rebelde (1950); Quando Canta o Coração (1950); O Prisioneiro de Zenda (1952); Júlio César (1953); Rapsódia (1954); O Príncipe Estudante (1954); Atraiçoado (1954); O Filho Pródigo (1955); Sementes de Violência (1955); Alta Sociedade (1956)

 

Michael Chekhov (1891–1955)







Aventureiro Audaz (1927); Canção da Rússia (1944); Quando Fala o Coração (1945); A Mentirosa (1946); O Convite (1952); Assim Quis o Destino (1952); Rapsódia (1954)


Barbara Bates (1925–1969)







A Irresistível Salomé (1945); A Dama Desconhecida (1945); Sublime Indulgência (1945); Uma Noite no Paraíso (1946); Esquece Teus Pesares (1949); Belinda (1948); Noiva da Primavera (1948); O Segredo da Casa 248 (1949);  Inspetor Geral (1950); Areia Movediça (1950); Papai Batuta (1950); A Malvada (1950); Mulheres em Perigo  (1951); Mosqueteiros do Mar (1953); Sofrendo da Bola (1953); Rapsódia (1954); A Casa dos Segredos (1956); Cidade Amedrontada (1957); O Poder da Vingança (1958)

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