Paris, 1885. O jovem médico checo Sigmund Freud (Montgomery Clift) se encontra trabalhando em um hospital de Viena para pacientes com problemas psiquiátricos. Para desagrado do Doutor Theodore Meynert (Eric Portman), Freud aceita uma paciente com histeria e com perda dos movimentos da pernas e visão que, ao parecer de Meynert, estaria representando em busca de atenção e cuja histeria seria uma manifestação de uma mentira. Já Freud acredita que a histeria da paciente em questão seja verdadeira. As experiências de um doutor francês chamado Jean-Martin Charcot (Fernand Ledoux) colhem a atenção do jovem médico que decide ir ao seu encontro onde trava contato com a hipnose. Freud se casa com Martha (Susan Kohner). Ao regressar a Viena, apresenta-se em uma palestra a seus pares divulgando as descobertas de Charcot sendo duramente refutado por Meynert cuja plateia respeita e apoia. Dr Joseph Breuer (Larry Parks) se apresenta a Freud e o convida a conhecer o caso de uma jovem chamada Cecily (Susannah York) que ele vem tratando em segredo com hipnose. Uma amizade surge desse contato e Freud inicia um estudo que o levará a várias descobertas através de sessões com Cecily e outros pacientes
Cinebiografia é um dos
gêneros considerados mais ingratos do cinema porque precisa focalizar
a vida de um personagem em torno duas horas de projeção. E surge a dúvida: o
que escolher, o que destacar e o que enfatizar. Em torno desse dilema está o
nosso filme em questão. John Huston, até
então mais conhecido pelo sucesso “Relíquia Macabra” / “O Falcão Maltês”, encomendou
o roteiro a Jean-Paul Satre que foi ao seu encontro na Irlanda para trabalharem no desenvolvimento, mas as ideias quanto ao que levar às telas foi conflitante diante de
um roteiro de 300 páginas escrito por Satre. O script
encomendado foi considerado infilmável. Huston então buscou os roteiristas Charles
Kaufman e Wolfgang Reinhardt para que transformassem o material em um roteiro
cinematográfico. A dupla aceitou o desafio e parte do roteiro de Satre foi
utilizado, na qual este recebeu 250 mil francos, mas proibiu que seu nome
aparecesse nos créditos. O filme acabou
sendo indicado a 2 Oscars: Melhor Roteiro Original e Melhor Trilha Sonora
(Jerry Goldsmith). Foi um ano difícil para os concorrentes ao Oscar enfrentando
“Lawrence da Arábia”. E dentro, do que seria mostrado na tela optou-se por
focalizar apenas uma fase da vida de Freud (cinco anos, de 1895 a 1900).
A bem da verdade, precisamos dizer que em grande parte das vezes o cinema foi visto por olhos psicanalíticos (de forma correta ou errada é outra questão), na qual muitos alegam que este também flertou com a psicanálise sob um lirismo exagerado. Filmes há dezenas, talvez centenas, que abordem de forma direta ou implícita o tema: "Marnie, Confissões de uma Ladra"; "Psicose"; "Vestida para Matar"; "As Três Máscaras de Eva", "Alta Ansiedade", "O Príncipe das Marés"; "O Homem Que Amava as Mulheres"; "Desejos" (1992); 'Quando Fala o Coração" ... além de filmes do filmes do diretor Ingmar Berman e Woody Allen. Por isso há aqueles que defendam “Freud - Além da Alma” como um grande filme, indicado aos que estão iniciando os estudos da mente e aqueles que alegam liberdades no roteiro que o transformam em um drama a la Hollywood. Diria que há ambos os elementos nele contidos. Se por um lado temos liberdades do roteiro como a que na vida real Freud nunca conheceu a jovem apelidada de "Anna O". (o “caso zero” da psicanálise - aqui com o nome de "Cecily"), apenas através de relatos de seu amigo e colega de profissão Josel Breuer, ou até mesmo a estranha insinuação de um relacionamento amoroso (ainda que platônico) de Freud com suas pacientes, por outro lado o filme nos mostra a descoberta dos métodos (como a "teoria do trauma") que o levaram a desenvolver suas teorias do subconsciente, assim como suas descobertas sobre o Complexo de Édipo, histeria, desejos reprimidos, sexualidade infantil... bem como quando Freud mergulha através da análise dos sonhos (que seriam fruto da atividade inconsciente do cérebro) no subconsciente de seus pacientes revelando o que se passava em pontos obscuros da mente (funcionando como uma auxiliador a trazer desejos reprimidos). Ao mesmo tempo que descobre traumas de seus pacientes e consegue algum esclarecimento (através do método da "livre associação", por exemplo), o médico descobre bloqueios que nem ele mesmo percebia possuir e memórias enterradas a respeito de seu pai (que até então Freud nunca compreendera porque o odiava). Um dos pontos centrais do filme era a luta de Freud contra um sistema que insistia em não abraçar suas ideias, insistia em acreditar que a medicina não avançaria mais. E aqueles que ousassem apresentar "novas evidências", deviam ser imediatamente desencorajados ou até ridicularizados. Manter os preceitos acadêmicos em torno do que era aceito tinha mais validade do que incentivar médicos a apresentarem suas pesquisas e mancharem suas reputações tão duramente conquistadas entre seus pares.
Quanto ao elenco, não podemos deixar de destacar Montgomery Clift com uma atuação bem marcante de seu personagem. Clift, que sempre interpretou heróis vulneráveis, frágeis e ambíguos encarnou um Freud que enfrentou o meio acadêmico com suas propostas, que foi ridicularizado e que quase desistiu de suas pesquisas pela perseguição quanto ao seu trabalho. Foi o penúltimo filme do ator, que teve o rosto desfigurado em acidente de automóvel, (uns dizem que intencional, muito por causa de sua paixão não correspondida pela atriz Elisabeth Taylor, ele estava a caminho da casa da atriz quando houve o acidente). Acidente este, que lesionou o lado de sua face esquerda com um nervo cortado. Além disso, teve o nariz quebrado, esmagamento da cavidade óssea, ambos os lados do maxilar quebrados, dentes perdidos, concussão cerebral grave, deslocamento do pescoço. Cliff, depois de alguns meses se recuperou, mas a desfiguração de seu rosto. dizem, também pareceu ter atingido a sua alma. O envolvimento com o álcool (e alguns dizem, as drogas) se intensificou gradativamente. O ator faleceria aos 45 anos, em 1966, de ataque cardíaco em virtude de uma artéria coronária obstruída. Susannah York (O Homem que não Vendeu a sua Alma) deu vida a inconstante Cecily Koertner e seu caso tão difícil de ser resolvido, que nos remete aos seus traumas de infância. Susan Kohner que fez a esposa de Freud, Martha, teve poucas chances em cena. David McCallum, em rápida aparição, seria lembrado pelo seriado "O Homem Invisível" nos anos 70. Eric Portman faz o descrente Dr. Theodore Meynert, opositor ferrenho às ideias de Freud com uma revelação interessante perto do fim. Larry Parks fez Dr. Joseph Breuer, médico que incentivou Freud a avançar em suas pesquisas.
Filmado em Viena e Munique, “Freud,
Além da Alma” é um bom filme, cuja fotografia em preto e branco de Douglas
Silocombe agrega maior valor à obra. Pode ser visto como uma investigação
existencial, uma ida ao submundo do inconsciente, de um médico (tido como o pai
da psicanálise) que se dera conta de que não seria, por completo, dono de sua personalidade.
Se o filme sobreviveu ao longo dos anos deve-se muito a inspirada direção de
Huston (1906-1987) e a interpretação de Montgomery Clift. Apesar do ritmo um pouco mais
lento no início, o filme consegue se tornar mais interesse de acordo com que os
minutos avançam e o espectador se vê preso às descobertas de Freud que mudariam o mundo.
Trailer:
Curiosidades:
Montgomery Clift teve tantos problemas
de saúde no set deste filme que a Universal-International o processou pelo
custo dos atrasos na produção do filme. Durante o julgamento, o filme estreou e
foi um sucesso tão grande que os advogados de Clift levantaram a questão de que
o filme estava indo bem por causa do envolvimento de Clift. Clift ganhou um
acordo lucrativo.
Robert LaGuardia, em sua biografia de
Montgomery Clift "Monty", de 1988, afirmou que o diretor John Huston,
que tinha sentimentos paternalistas em relação a Clift depois de dirigir o ator
alcoólatra e emocionalmente perturbado em "Os Desajustados" (1961),
tornou-se sádico em relação a ele durante o conturbado "Freud".
Baseando suas acusações em entrevistas com a co-estrela Susannah York,
LaGuardia afirmou que Huston continuou perguntando a Clift sobre o conceito
freudiano de "repressão", obviamente aludindo à homossexualidade
reprimida de Clift.
Aparentemente, o próprio Huston não
conseguia abordar a ideia de que "Monty" (Montgomery Cliff) seria homossexual
em sua própria mente, mas, inconscientemente, ele reagiu à homossexualidade de
"Monty" de forma bastante negativa. (Marilyn Monroe advertiu
"Monty" para não trabalhar com Huston novamente, achando-o um sádico
no set de " Os Desajustados". Seu ex-marido Arthur Miller, por
outro lado, não culpou Huston em sua autobiografia "Timebends", mas
em vez disso, ficou maravilhado com a forma como ele manteve a calma durante as
filmagens de "Os Desajustado", que também foram problemáticas devido
à doença mental de Marilyn Monroe e às frequentes ausências do set.) O biógrafo
de Monty achava que Huston ainda tinha sentimentos paternalistas em relação ao
ator, mas estava subconscientemente chocado com a homossexualidade de seu
"filho substituto"; assim, ele começou a torturá-lo no set,
insistindo em retomadas desnecessárias e que ele realizasse suas próprias
acrobacias, como subir em uma corda. Apesar dos muitos problemas de Monty, ele
sempre provou ser profissional e deu o máximo que pôde.
Elementos da partitura de Jerry
Goldsmith foram reciclados por Ridley Scott para Alien - O 8º Passageiro
(1979).
O filme rendeu a Jerry Goldsmith a
primeira de suas 18 indicações ao Oscar.
A certa altura, perguntam a Freud
quantos anos ele tem e ele responde 30. Montgomery Clift tinha 42 anos quando
fez este filme.
O roteiro original de Jean-Paul Sartre
para o filme teria uma duração de cinco horas. John Huston exigiu algumas
reescritas com o roteiro revisado resultante totalizando oito horas de duração.
John Huston queria lançar Marilyn
Monroe em Freud como Cecily Koertner. Horrorizado com o fracasso financeiro de
Os Desajustados (1961), o presidente da 20th Century-Fox, Spyros P. Skouras,
recusou-se a emprestá-la a Huston para o filme, e o papel foi para Susannah
York.
A personagem de Cecily (interpretada
por Susannah York) é uma composição de vários pacientes da vida real de Sigmund
Freud.
John Huston queria que Marilyn Monroe
fizesse o papel de Cecily, mas a filha de Freud, Anna Freud, expressou sua
infelicidade por ter membros de sua família sendo retratados no filme. Isso deu
a Monroe a opção de exclusão que ela procurava, pois não desejava trabalhar com
Huston novamente.
John Huston afirma em sua autobiografia
que Susannah York não era uma atriz muito fácil de se trabalhar. De acordo com
Huston, ela foi arrogante com a equipe e se recusou a fazer várias cenas, de
modo que o gerente de produção teve que ligar para seu agente e pedir-lhe que
argumentasse com ela. A versão dos eventos de York é diferente, assim como a de
Robert La Guardia.
A última apresentação de cinema desta
época de Susan Kohner.
John Huston fornece a narração.
Alguns relatos da filmagem sugerem que
a versão preferida de John Huston deste filme durou aproximadamente 170
minutos, mas que a Universal, muito preocupada com seu apelo limitado de
bilheteria, o persuadiu a reduzir o tempo de execução para 140 minutos. Isso
explicaria vários atores conhecidos ligados ao filme, como Allen Cuthbertson e
Moira Redmond, aparecendo apenas por alguns segundos ou nem aparecendo. O filme
ainda não era muito popular com o público pagante em 140 minutos e, para
exibições no Reino Unido, o filme foi reduzido ainda mais para 120 minutos e
recebeu o subtítulo absurdo de "The Secret Passion" ("A Paixão
Secreta").
Montgomery Clift causou tantas
dificuldades durante as filmagens que John Huston considerou seriamente
substituí-lo por Eli Wallach.
Montgomery Clift fez apenas 17 filmes
Cartazes:
Filmografias Parciais:
Montgomery Clift (1920–1966)Rio Vermelho
(1948); Perdidos na Tormenta (1948); Um Lugar ao Sol (1951); A Tortura do
Silêncio (1953); Quando a Mulher Erra (1953); A um Passo da Eternidade (1953);
A Árvore da Vida (1957); Os Deuses Vencidos (1958); Por um Pouco de Amor
(1958); De Repente, no Último Verão (1959); Rio Violento (1960); Os
Desajustados (1961); Julgamento em Nuremberg (1961); Freud - Além da Alma
(1962); Talvez Seja Melhor Assim (1966)
Susannah York (1939–2011)
Freud - Além da Alma (1962); As Aventuras de Tom Jones (1963); Caleidoscópio (1966); O Homem que Não Vendeu sua Alma (1966); A Noite dos Desesperados (1969); Fortaleza Proibida (1976); Superman: O Filme (1978); Reencarnação (1980); Superman II: A Aventura Continua (1980); Um Conto de Natal (1984); Querida Assassina (1987); Uma História de Amor (1988); Visitors - Nas Profundezas do Medo (2003); O Justiceiro Mascarado (2008)
Susan Kohner
Terrível como o Inferno (1955); A Última Carroça (1956); O Crime Caminha Pela Noite (1957); Imitação da Vida (1959); O Pescador da Galiléia (1959); O Amor Tudo Vence (1961); Freud - Além da Alma (1962)
David McCallum
Almas em Agonia (1957); Na Rota do Inferno (1957); Seduzidos pela Maldade (1958); Somente Deus por Testemunha (1958); Sete Contra a Selva (1961); O Vingador dos Mares (1962); Freud - Além da Alma (1962); Fugindo do Inferno (1963); A Maior História de Todos os Tempos (1965); A Volta ao Mundo Sob o Mar (1966); Os Corruptores (1968); O Horror do Passado (1970); O Homem de Seis Milhões de Dólares: Vinho, Mulheres e Guerra (1973); A Verdadeira História de Frankenstein (1973); O Homem Invisível (seriado 1975-1976); Cães Assassinos (1976); King Solomon's Treasure (1979); Mistério no Bosque (1980); Terminal Choice (1985); Behind Enemy Lines (1985); Em Busca de Liberdade (1988); Morella: O Espírito Satânico (1990); Escute Minha Canção (1991); Pai de Aluguel (1999); NCIS: Investigações Criminais (seriado 2003 -2021)
Eric Portman (1901-1969)
O Sultão Maldito (1935); Sonata ao Luar (1937); O Príncipe e o Mendigo (1937);Invasão de Bárbaros (1941); Viagem Perigosa (1943), Um Conto de Canterbury (1944) ; A Maldição de Caim (1947); Escravo do Passado (1948); A Máscara de Ouro (1953); Escapando do Inferno (1955); Freud - Além da Alma (1962); Apartamento de Solteiro (1963); O Homem Que Finalmente Morreu (1963); O Caso Bedford (1965); Tarefa Sinistra (1968); Vertigem (1968)
Larry Parks (1914-1975)
Asas da Glória (1942); Vingança Frustrada (1942); Forja de Bravos (1942); Mulher Contra Homens (1942);Um Cientista Distraído (1942); lvorada Dá Alegria (1943); Sinfonia da Saudade (1943); Quando os Deuses Amam (1947);A Espada Vingadora (1948); O Trovador Inolvidável (1949); Freud - Além da Alma (1962)
Fontes:
The New York Times
Revista Cinemin
Jornal do Brasil
Jornal O Globo
IMDB
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá Cinéfilos.
Obrigado por visitarem minha página.
Estejam à vontade para comentarem, tirarem dúvidas ou sugerirem análises.
Os comentários sofrem análises prévias para evitar spans. Tão logo sejam identificados, publicarei. Quaisquer dúvidas, verifiquem a Política de Conduta do blog.
Sua opinião e comentários são o termômetro do meu trabalho. Não esqueça de informar o seu nome para que possa responder.
Visitem a minha página homônima no Facebook onde coloco muitas curiosidades sobre cinema , séries e quadrinhos (se puderem curtir ajudaria). Comentários que tragam e-mails e telefones não serão postados
Bem-vindos.
Cinéfilos Para Sempre