terça-feira, 22 de novembro de 2022

UM CONVIDADO BEM TRAPALHÃO / THE PARTY (1968) - ESTADOS UNIDOS

 

“PÁSSARO NUM NUM”

Hrundi V. Bakshi (Peter Sellers) é o ator que nenhum diretor deseja durante um filme: exagera na atuação, usa adereços que não condizem com a época retratada em cena e ainda consegue explodir um forte, montado para a cena crucial, que não poderá ser refeito a tempo. Expulso pelo diretor por arruinar as filmagens, seu nome vai parar na lista de desafetos dos estúdios para que nunca mais consiga trabalho em Hollywood. Inadvertidamente, o Magnata do Estúdio, Fred Clutterbuck (J. Edward McKinley), escreve o seu nome em um papel em que consta a lista de convidados para a festa de sua esposa e sua secretária entende que Bakshi é um convidado de última hora. Com a chegada de Bakshi ao local, uma sequência de confusões se inicia, tornando a festa inesquecível para todos que ali estarão.

Antes de começar a falar do filme propriamente, necessito esclarecer, a quem quem esteja lendo estas linhas, que perceba a época em que o filme foi feito e como Hollywood abordava personagens de língua não inglesa, pois nos dias atuais esse filme não seria realizado dessa forma. O motivo: “o Brownface”, quando um ator branco se maquia de marrom para se passar por um personagem de outra etnia. Há atualmente um consenso, que não ocorria na Hollywood anos 60/70, na qual esse tipo de “caracterização”, reduz um indivíduo ou etnia a uma caricatura com base na cor da pele e também por ser considerado uma apropriação cultural indevida. Portanto, hoje o filme pode ser visto de maneira diferente da época em que foi produzido por uma nova leva de espectadores. Sellers, um artista diferenciado em caracterizações e sotaques (este último que herdou de seu início na carreira), criou um personagem da Ásia Meridional e o colocou em situações cômicas. Teria criado o mesmo impacto se fosse americano ou britânico? Atualmente esse personagem seria feito por um cidadão da Índia, o que faz todo sentido.

Indo para o filme, temos uma série de “gags” de um personagem fadado ao desastre, que sabota com cortesia e delicadeza uma das maiores festas de Hollywood, em uma mansão de luxo.  Um personagem fora d’àgua, que no momento que adentra à casa já começa a criar inúmeras situações que vão saindo do controle e terminando por gerar um caos: Bakshi percebe um de seus sapatos sujo e tenta lavar na fonte, perdendo-o. Ele, claro, irá atrás do calçado. Mas não para por aí: atrapalha um jogo de sinuca de um famoso ator de faroestes (da qual é fã e que simpatiza com Bakshi), mexe nos sofisticados controles do sistema eletrônico da casa (movendo mesas, pisos...), sente uma vontade incontrolável de ir ao banheiro que se encontra sempre lotado ou, por educação, acaba não reclamando dos que passam a sua frente. Mas ele não se dará por vencido e achará outro banheiro. Bom para ele, mas para os anfitriões ... A cena do rolo de papel higiênico até hoje deve ter marcado a lembrança de quem assistiu. Clutterbuck acha que o convidado, que nunca vira antes e nem sabe o nome, pertence ao ciclo de amigos da esposa (Fay Mckenzie) e apenas tenta se justificar junto aos seus amigos. Divot (Gavin MacLeod), que estivera no set quando o diretor expulsara Bakshi das filmagens, encontra-se mais preocupado em assediar uma jovem candidata a atriz, e também não reconhece o “estranho no ninho”. Enquanto isso, o filme investe em uma ampla margem de improvisações, devido ao roteiro de Blake Edwards (acumulando as funções de diretor, produtor e argumentista) conter apenas 63 páginas. Há certo nonsense quando não há mais cadeira disponível na mesa de jantar e dão  para Bakshi um banquinho que faz com que fique sentado com o queixo colado à mesa e em frente à saída dos pratos a serem servidos (uma deixa para novas situações). Outro elemento que trafega pela festa e que traz aquele tom insólito ao filme é o garçom bêbado (Steve Franken) que serve mais bebidas para si mesmo do que para os convidados e enlouquece (literalmente) o Maître com suas trapalhadas.  Franken e Sellers investem nas situações de comédia muda (sem necessidade de diálogos) e quer estejam em cenas solo ou em interação se tornaram o ponto alto do filme.

Há uma queda no ritmo do filme, mais para perto do final, quando surge a jovem e rebelde filha de Clutterbuck para bagunçar a festa com seus amigos, não sabendo que apenas um convidado já vinha colhendo grandes resultados.  Ela traz consigo um filhote de elefante (o roteiro não esclarece onde conseguiram), pintado e recheado de frases para o desagrado de Bakshi que, em uma cultura, entende como desrespeitoso tal ato, fora os bailarinos russos contratados que surgem em cena. A introdução desses jovens personagens, acredito eu, tenha surgido mais em decorrência da revolução cultural que vinha germinando e cominou um ano depois em Woodstock. Se foi uma crítica ao modo com que os jovens lidavam com suas vidas; olho no público jovem; mais uma improvisação “louca” para completar a metragem por causa do já citado roteiro de poucas páginas, ou todos esses fatores reunidos, deixo a avaliação para o espectador. Ainda que Sellers interaja com esse grupo, há um queda e uma mudança de rumo, principalmente com um romance que surgirá, mas ainda assim com um final simpático.

 

Quanto ao elenco, Peter Sellers foi a força motriz por trás do filme. Apesar de terem feito seis longas juntos (contando com a franquia Pantera Cor de Rosa), sua relação com o diretor Blake Edwards é citada como sendo uma das mais difíceis de Hollywood, sempre com muita tensão de ambos os lados. Sellers saiu-se muito bem, seja em cenas com diálogos ou na ausência destas com seu personagem criador involuntário de confusões, que tenta se inserir naquele meio, conquistando simpatias, colhendo olhares assustados  e conquistando o coração de uma jovem. Muito se disse que Steve Franken repetiu demais as situações de seu personagem "bêbado" em cena, cansando os críticos. Penso que os espectadores não se cansaram de suas trapalhadas. Franken “roubou” o filme e tirou o peso de Sellers de manter o espectador em apenas um foco de atenção. Denny Miller interpretou o mulherengo "Wyoming Bill Kelso", astro de cinema, admirado por Bakshi. Wyoming sempre confunde Bakshi com um índio (e não um indiano) e os dois ficam repetindo falas de seu icônico personagem, um cowboy. Denny Miller ficou conhecido por fazer "Tarzan, O Filho das Selvas" (1959).  Claudine Longet interpreta a francesa Michele Monet, aspirante a atriz, cujo produtor mala (Gavin MacLeod, que ficaria conhecido pelos seriados "Mary Tyler Moore" e "O Barco do Amor") fica “dando em cima” da jovem em tempo integral, prometendo um papel em um dos filmes do estúdio de Clutterbuck.  Quanto a J. Edward McKinley, esteve muito bem como o Magnata de um grande Estúdio que tenta manter tudo na normalidade mesmo diante das trapalhadas de Bakshi.  Corinne Cole fez a mulher que bebe sem parar; Carol Wayne que ficou ao lado de Sellers no jantar, curiosamente, foi descoberta em uma festa de Hollywood e sua morte no México em 1985, aos 42 anos, foi interpretada como acidental apesar de muitos considerarem como suspeita. Buddy Lester, um ator que esteve em sete comédias de Jerry Lewis,  apareceu em algumas cenas como um homem irritado com sua companheira.

Um Convidado Bem Trapalhão, título nacional bem melhor que o original, é considerado um clássico cult dos anos 60 e comédia atemporal com diversos admiradores. Um filme que prende do início ao fim, com Sellers em um grande momento de sua carreira e atores afinados na improvisação em segundo plano. E, sem dúvida, um dos melhores filmes do criativo diretor Blake Edwards. Música de Henry Mancini.


Trailer:




Curiosidades:

Cada cena foi filmada em sequência e construída sobre a cena anterior. Para ajudar nessa experiência, os produtores do filme tinham um tubo de câmera de vídeo acoplado à câmera Panavision e conectado a uma máquina de fita de vídeo do estúdio Ampex, permitindo que os atores e a equipe revisassem o que haviam acabado de filmar. De acordo com um artigo contemporâneo no Daily Variety, esta foi uma das primeiras produções a usar uma câmera de vídeo neste assunto. Isso eliminou o tempo e as despesas de revelação do filme e exibição dos "slides" no dia seguinte.

O produtor associado Ken Wales quase se afogou durante as filmagens, depois que o dublê Dick Crockett o empurrou para a piscina cheia de espuma como uma piada. Ninguém disse a nenhum dos dois que a espuma foi projetada para ser usada por bombeiros e absorveu oxigênio para ajudar a apagar incêndios, o que significa que Wales não conseguia respirar mesmo quando estava acima da água. Ele teve que ser resgatado por alguns ajudantes de palco.

O carro de Bakshi é um Morgan Sports Model, construído entre 1932-39. Observe que ele tem volante à direita, como todos os veículos do Reino Unido.

A explosão involuntária do forte de Hrundi foi possivelmente inspirada por uma ocorrência semelhante na vida real que aconteceu alguns anos antes, durante as filmagens de uma cena agora icônica de Três Homens em Conflito (1966). Devido a um mal-entendido, uma enorme ponte explodiu enquanto as câmeras não estavam filmando, enfurecendo o diretor Sergio Leone; a ponte teve que ser reconstruída.

Durante a cena em que Peter Sellers destrói o banheiro do andar de cima, a banda do andar de baixo pode ser ouvida tocando 'Meglio Stasera' ("It Had Better Be Tonight"), que foi originalmente escrita e usada tanto como partitura vocal quanto instrumental em A Pantera. Cor-de-Rosa (1963). Ambos os filmes foram marcados por Henry Mancini, dirigidos por Blake Edwards e estrelados por Peter Sellers.

A única colaboração de Blake Edwards - Peter Sellers que não foi um filme da Pantera Cor-de-Rosa.

No quarto do menino, uma Pantera Cor-de-Rosa de pelúcia pode ser vista sobre a cômoda. Blake Edwards ( Vitor ou Vitória) e Peter Sellers colaboraram em dois filmes da "Pantera Cor-de-Rosa" nesta fase e fizeram mais quatro juntos.

Este foi um dos filmes favoritos de Elvis Presley.

A sequência em que o personagem de Peter Sellers é baleado repetidamente, mas continua tocando seu clarim para despertar suas tropas é uma sátira impiedosa de "Gunga Din" de Rudyard Kipling, que foi filmado como Gunga Din (1939).

Incluído na lista de 2000 do American Film Institute dos 500 filmes indicados para os 100 filmes americanos mais engraçados.

A empregada que dança perto do final do filme é a dançarina afro-americana Frances Taylor. Ela teve uma carreira histórica e foi a primeira bailarina afro-americana a se apresentar no Paris Opera Ballet. Ela se casou com o músico de jazz Miles Davis em 1958; eles se divorciaram em 1968.

Lançado no dia em que Martin Luther King foi assassinado.

O filme pode ter pegado 2 elementos de A Feiticeira: Um Gazebo Jamais Esquece (1966): o elefante psicodélico (mais ou menos, mesma cor e bolinhas do elefante do final do filme) e o ator Steve Franken (interpretando o garçom bêbado no filme).

A cena da piscina retrátil também foi feita em A Felicidade Não se Compra (1946).

Verdadeiramente um filme conceitual, Um Convidado Bem Trapalhão tem uma comparação favorável com as comédias de Buster Keaton e Laurel e Hardy (Gordo e o Magro) na forma como Bakshi mantém sua inocência e ingenuidade diante de desastres recorrentes. Há também semelhanças com os filmes do comediante francês Jacques Tati e seu fascínio por gadgets e objetos inanimados.

Este filme também foi muito popular na Índia. A falecida primeira-ministra indiana Indira Gandhi era uma fã e gostava muito de repetir a frase de Bakshi: "Na Índia, não pensamos quem somos, sabemos quem somos!" Além disso, para seu filme The Alien, o lendário diretor indiano Satyajit Ray era um fã e queria escalar Sellers como um empresário de Marwari.

Peter Sellers  faleceu aos 54 anos de ataque cardíaco

Steve Franken faleceu aos 80 anos em decorrência de complicações de câncer

Gavin MacLeod faleceu aos 90 anos de causas não divulgadas

J. Edward McKinley faleceu aos 87 anos de causas não divulgadas

Denny Miller faleceu aos 80 anos em decorrência de Esclerose lateral amiotrófica

Buddy Lester faleceu aos 87 anos em decorrência de um câncer



Gavin MacLeod em O Barco do Amor








Denny Miller em  Tarzan, O Filho das Selvas








Buddy Lester em O Terror das Mulheres com Jerry Lewis








Cartazes:






Filmografia Parcial:

Peter Sellers (1925–1980)







O Pequeno Polegar (1958); Lolita (1962); A Pantera Cor-de-Rosa (1963); Dr. Fantástico (1964); Casino Royale (1967); Um Convidado Bem Trapalhão (1968); A Volta da Pantera Cor-de-Rosa (1975); Assassinato por Morte (1976); A Nova Transa da Pantera Cor de Rosa (1976); A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa (1978); O Prisioneiro de Zenda (1979); Muito Além do Jardim (1979); O Diabólico Dr. Fu Manchu (1980).


Claudine Longet







Marujos do Barulho (1964); Um Convidado Bem Trapalhão (1968);  Porto do Massacre (1968);  How to Steal an Airplane (1971); The Legendary Curse of the Hope Diamond e participação em várias séries da tevê


Steve Franken (1932-2012)







Quando o Espetáculo Termina (1958); Não Podes Comprar Meu Amor (1964);  Passagem para o Futuro (1964); Wild Wild Winter (1966);  Nunca é Tarde para Amar (1966);  Pânico na Cidade (1968);  Um Convidado Bem Trapalhão (1968); Um Anjo no Meu Bolso (1969); Qual o Caminho para a Guerra? (1970); A Viagem do Yes (1973); The Stranger (1973);  Os Últimos Sobreviventes (1975);  A Reencarnação de Peter Proud (1975); Assassinato no Voo 502 (1975);  Duelo de Gigantes (1976);  Ataque das Formigas (1977);  Avalanche (1978);  Um Trapalhão Mandando Brasa (1980); O Diabólico Dr. Fu Manchu (1980);  Not Just Another Affair (1982);  A Maldição da Pantera Cor-de-Rosa (1983);  Lutando pelo Futuro (1983);  O Quarto Sábio (1985);  Namorada de Aluguel (1987);  O Assassino da Auto-Estrada (1988);  A Hora do Pesadelo: O Terror de Freddy Krueger (1988); A Enfermeira Betty (2000);  Agente Vermelho (2000); Força de Ataque (2000); Perigo Abaixo De Zero (2001); Anjos e Demônios (2009)


Gavin MacLeod (1931-2021)







Quero Viver! (1958);  Estranha Obsessão (1959);  Os Bravos Morrem de Pé (1959); Anáguas a Bordo (1959);  O Rei do Ritmo (1959);  Twelve Hours to Kill (1960);  Dizem que é Amor (1960); Obsessão de Matar (1962);  Marujos do Barulho (1964); A Espada de Ali Babá (1965); Os Marujos... na Força Aérea (1965); O Canhoneiro do Yang-Tsé (1966); Oferece-se Pistoleiro (1968); Um Convidado Bem Trapalhão (1968); O Ataque dos Mil Aviões (1969); Glória e Lágrimas de um Cômico (1969);  Os Guerreiros Pilantras (1970); Mary Tyler Moore (seriado 1970-1977);  Um Crime de Amargar (1980);  O Barco do Amor (seriado 1977-1987); O Barco do Amor: O Dia dos Namorados (1990); Love Boat: The Next Wave (1998); A Jornada: Uma Viagem pelo Tempo (2002);  Caindo Fora (2005);


J. Edward McKinley (1917-2004) 







O Grande Circo (1959);  Viagem ao Planeta Proibido (1959);  O Alvo Ambulante (1960);  Escândalos Ocultos (1961); Estrondo de Tambores (1961); Da Lama para a Glória (1961);  Tempestade Sobre Washington (1962); Viver, Amar, Sofrer (1962); Passagem para o Futuro (1964);  A Corrida do Século (1965);  O Pistoleiro do Rio Vermelho (1967);  A Indomável (1967);  Um Convidado Bem Trapalhão (1968);  Minha Filha É Um Problema (1968); Ninho de Cobras (1970); Uma Família Biruta (1970); Fúria Audaciosa (1970);  A Feiticeira (seriado - 10 episódios - 1964);  Honra Teu Pai (1973);  Aeroporto 75 (1974);  A Lenda de Lizzie Borden (1975) e participação em várias séries


Denny Miller (1934-2014)







Deus Sabe Quanto Amei (1958); Tarzan, o Filho das Selvas (1959);  Esconderijo para o Amor (1961); Um Convidado Bem Trapalhão (1968); Um por Deus, Outro pelo Diabo (1972); A Ilha do Topo do Mundo (1974); Perigo em Paraíso (1977);  O Viking (1978);  Cabo Blanco (1980);  Lavagem Cerebral (1981); Duelo dos Homens Sem Lei (2005) e participação em vários seriados 


Buddy Lester (1915-2002)







Onze Homens e um Segredo (1960);  O Terror das Mulheres (1961);  Os Três Sargentos (1962);  O Professor Aloprado (1963);  O Otário (1964);  Três em um Sofá (1966);  Fuzileiro das Arábias (1964);  O Fofoqueiro (1967);  Um Convidado Bem Trapalhão (1968);  Poor Devil (1973);  A Queda do Vôo 401 (1978); Um Trapalhão Mandando Brasa (1980);  Fora de Jogo (1982);  Cracking Up - As Loucuras de Jerry Lewis (1983);  More Than Murder (1984) e participação em várias séries


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