O JULGAMENTO DE BILLY JACK / THE TRIAL OF BILLY JACK (1974) - ESTADOS UNIDOS

UMA MISTURA COMPLEXA

Billy Jack (Tom Laughlin) está preso. Motivo: Homicídio involuntário de um jovem arruaceiro, de família poderosa e influente, que violentara sua esposa e cometera um assassinato. Durante esse período, sua esposa Jean Roberts (Delores Taylor), ampliou o sonho da “Escola da Liberdade” (“Freedom School”), cuja metodologia é dar liberdade de ação e pensamento aos jovens que ali ingressam. A tal “liberdade” não passa despercebida pelos governantes e muitos cidadãos locais veem esses jovens como problemáticos e até os hostilizam, porque muitos dos pensamentos ali concebidos são contestações, quanto a manipulação da mídia e governo na vida do cidadão comum, os direitos frequentemente ignorados dos povos nativos americanos, os políticos praticando o jogo do poder... Temas que não interessam que sejam postos à prova para o público, pensamentos tidos como rebeldes e profundos demais para aqueles jovens. A escola promove também cultura, artes marciais, pesquisa científica... mas, quando criam uma pequena emissora de tevê independente, a contestar essas políticas sociais, as autoridades percebem que esses jovens estão indo longe demais e até o FBI passa a investigá-los.

Billy Jack, após quatro anos de bom comportamento, é solto. Esperava-se que “criasse caso” na prisão e sua pena pudesse ser aumentada ou que até mesmo que terminasse morto, pois suas atitudes de enfrentamento e ideias (do filme anterior) não são interessantes às autoridades atuais. Billy Jack está livre, mas vigiado, onde aguardam o momento em que “criará confusão novamente”. Quando os jovens passam a ser hostilizados de maneira mais enfática pelas autoridades, Billy é levado novamente a defendê-los, só que as autoridades sabem que é melhor calá-lo definitivamente de um modo que não transpareça.

A descrição acima promove a ideia de um filme superior ao primeiro. Particularmente já não me recordava plenamente dessa produção quando a vi na televisão nos anos 80, guardando certa nostalgia de ser um filme bem interessante. Décadas depois, frente a uma nova revisão, a percepção é de frustração, de que guardei as melhores partes. O gênero “herói solitário a combater o mal” é muito comum em Hollywood, que normalmente conceitua duas principais possibilidades: as pessoas são boas, mas podem ser vítimas de um Estado violento que se utiliza de meios coercitivos para enquadrá-las dentro de suas normas; ou que algumas pessoas são ruins e violentas. O Estado ou outras pessoas, para contê-las, precisa usar de violência equivalente ou superior para restaurar a ordem. Dando um exemplo simplificado, podemos nos referir a “Billy Jack” como o primeiro exemplo e os “Mad Max” e seus congêneres como referência para o segundo. E aí residente o problema de O Julgamento de Billy Jack.

Este terceiro filme da quadrilogia (muitos não sabem, mas o primeiro filme é o esquecido “Nascidos Para Perder” - “Born Losers” - 1967 - que apresentava o personagem) é bem diferente do famoso “Billy Jack” (1971). Laughlin, ator principal, atuando também como diretor, concebeu o exemplar anterior como um filme de herói, a combater o sistema (na forma de um político poderoso), revestindo-o com camadas reflexivas e pacifistas. O filme (independente) conseguiu surpreendente arrecadação de bilheteria e abriu caminho para uma nova aventura do herói mestiço, amargurado, ex-combatente do Vietnã, praticante de Hapkido. Só que, aparentemente, Laughlin e sua esposa resolveram mudar a ordem dos fatores e isso mudou o produto final. Agora temos um filme (fortemente voltado ao público americano) com extensos diálogos, monólogos, discussões filosóficas e contemporâneas, jogando a ação para segundo plano, o que quer dizer que pouco se vê de Billy Jack realmente. Além disso, criaram uma busca espiritual para o personagem, uma jornada interior em busca de disciplina e autocontrole, que é até interessante, conceitualmente, mas que frustra o espectador. Laughlin e Dolores quiseram dar voz às minorias, abrir discussões bem interessantes, com o desejo bem intencionado de trazer a percepção de um mundo real que muitos ignoram ou preferem não ver. Mas cinema é complicado e propor uma corrente dialética com teatralização (com muitos atores ainda amadores) revestindo-o com a embalagem de filme de ação é uma pretensão que poucos alcançam. Com isso, o filme teve sua metragem estendida para quase 3 horas, duração que muitos utilizam para filmes épicos, tornando-o comercialmente inviável. Se o público entra no cinema esperando um filme com “as novas aventuras de Billy Jack”, e se depara com dialéticas sobre a sociedade contemporânea, pode ser muito frustrante. E O Julgamento de Billy Jack resolveu percorrer esse tortuoso caminho. Ao final da projeção, tive a impressão de que foram feitos dois filmes distintos e, na mesa de montagem, optou-se por aproveitar todo o material. O resultado foi que a crítica massacrou o filme chamando de megalomaníaco, sem sentido, pretensiosamente ousado, demasiadamente cansativo...  apesar de que, na tevê, o filme alcançou um público maior. Mas fica uma pergunta: as redes de tevê (principalmente as brasileiras) passaram o filme na íntegra (quase 3 horas) acrescido de comerciais (aumentando para quatro horas) ou o que vimos foi uma edição com vários cortes que deixou o filme mais dinâmico? Bom, eu não me lembro do filme ter durado horas quando exibido.

Há boas ideias e bons momentos? Sim, eles existem. O filme até começa bem, com uma explicação dos eventos que culminaram na prisão de Billy; como sua esposa teve que seguir em frente com  o projeto da escola nos preparando para entender como ela se encontra em uma cadeira de rodas. A saída de Billy da prisão; o enfrentamento de Billy contra os capangas de um influente político local, auxiliado por um mestre de Hapikido; a memória de um ultrajante incidente durante a guerra que levou Billy Jack a contestar as ordens de seus superiores e ser punido; uma nova prisão ao defender agora os jovens da escola;  sua fuga e a chegada da guarda nacional para conter o protesto de jovens desarmados na escola (provocado pelos atos das próprias autoridades), talvez o momento mais forte do filme, que tenta reprisar um trágico acontecimento ocorrido nos Estados Unidos, são os melhores momentos. Só que o problema está no que intercala essas situações: muitas vezes quando o filme começa a ser mais dinâmico, há um retorno para discussões, quebrando a força da narrativa e tornando o filme inconsistente. O filme pode ser considerado como tendo uma divisão em atos: O primeiro ato é da esposa narrando os acontecimentos ocorridos de onde o filme parou e durante a permanência de Billy atrás das grades. O segundo ato são discussões sobre a sociedade em geral e como mídia e governo (há muita citação sobre o governo de Richard Nixon em voga na época) manipulam informações e cidadãos. O terceiro ato mostra Billy buscando seus quatro passos para a evolução interior, tendo uma guia espiritual nativa a orientá-lo em sua jornada (é interessante, mas podia ser mais interessante). No quarto ato, Billy resolve combater os políticos locais que tentarão se apossar de terras indígenas e atacar os que estão mais próximos de sua companhia. Billy vai preso e foge, e o que parecia ser o início de uma caçada (ao estilo "Rambo I') é subitamente substituído por um longo discurso em uma reunião na escola. Daí o filme funciona até seu ato final.

Laughlin se preocupou mais em passar uma mensagem do que apresentar um produto de entretimento globalizado. O personagem Billy Jack deixa de ser um homem e se transforma em um mito, em um filme de ação que se volta para o drama (existencialista e filosófico) e que, depois,  se volta para ação, retornando para o drama. Embora pregue a não violência, as maiores cenas de interesse (para a maioria dos espectadores) serão as violentas. Se você gosta de assistir questões filosóficas apreciará o filme, mas se você procura uma produção mais voltada a ação, como o primeiro, se decepcionará.  Agora, a sensação de frustração, de que pouca coisa mudou, de lá pra cá, com relação as questões levantadas  no filme, será bem intensa.

Trailer:

Curiosidades:

O Hapkido é uma arte marcial sul-coreana especializada em defesa pessoal.

Escrito por Tom Laughlin e Delores Taylor

Tom Laughlin faleceu, aos 82 anos, em decorrência de complicações de uma pneumonia

Delores Taylor faleceu de causas naturais aos 85 anos

O simpósio sobre os direitos dos índios no filme foi improvisado. Os depoimentos entregues foram escritos pelos próprios palestrantes / atores.

Poucos meses antes do lançamento do filme, uma notícia ameaçou o sucesso do lançamento. Na revista "Variety", Laughlin leu que os executivos responsáveis ​​pela distribuição do filme, desistiram repentinamente, e eles o fizeram durante uma coletiva de imprensa na convenção da National Association of Theatre Owners em Atlanta, o maior evento do ano para os proprietários de cinemas do país. O motivo pelo qual haviam desistido, eles anunciaram, seria que Laughlin havia mudado o acordo e agora se recusava a dar aos distribuidores o filme sem um adiantamento em dinheiro. Laughlin considerou isso uma mentira absoluta. Com esse desdobramento, Laughlin e sua esposa sabiam que seu filme teria sua exibição negada em cada uma das 1.200 salas que já haviam concordado em exibi-lo. O problema foi resolvido e o filme se tornou um dos maiores sucessos financeiros de 1974.

Feito como uma resposta direta ao massacre do estado de Kent em 1970, quando os guardas nacionais dispararam contra uma multidão de estudantes em protesto, matando quatro deles.

Estreia de Kathy Cronkite, que interpretou Kristen. Ela é filha de Walter Cronkite.

O diretor creditado, Frank Laughlin, era o filho então de dezenove anos de co-estrelas Tom Laughlin e Delores Taylor.

Delores Taylor afirma que a letra de "O tema de 'O julgamento de Billy Jack'" veio a ela em um sonho.

Em seu julgamento no início do filme, Billy Jack se refere a My Lai. Em 16 de março de 1968, entre 347 e 504 pessoas desarmadas foram massacradas pelos soldados do Exército dos EUA em My Lai, Vietnã do Sul, durante a Guerra do Vietnã.

O filme arrecadou $89 milhões de dólares nas bilheterias, com um orçamento de $ 2,5 milhões e um orçamento de publicidade de $ 3 milhões.

William Wellman, Jr. interpreta um soldado da Guarda Nacional neste filme. Ele interpretou uma criança da gangue de motoqueiros no primeiro filme que apresentava o personagem de Billy Jack, em "Born Losers"

Quando trabalhou em  "O Julgamento de  Billy Jack", o compositor Elmer Bernstein havia sido indicado ao Oscar 10 vezes (ganhando uma vez) e, além disso, seria indicado ao Oscar mais 4 vezes durante sua vida.

O diretor de cinema Jack A. Marta havia filmado Fibra de Valente - "Walking Tall" (1972), um filme de vigilante com um propósito justo que, às vezes, era equiparado ao original 'Billy Jack' (1971).

Este foi o primeiro filme em que Delores Taylor apareceu depois de ter sido indicada ao Globo de Ouro como Estreante Mais Promissora em 1972 por "Billy Jack" (1971).

Teresa Kelly (assinava como Teresa Laughlin) novamente interpretou Carol, personagem do filme, 'Billy Jack'. Ela é a filha de Tom Laughlin e Delores Taylor na vida real.

Entre os cinco editores do filme estava Tom Rolf, que viria a ser um dos editores de "Taxi Driver" (1976) e ganharia um Oscar pela coedição de "Os Eleitos" (1983).

A atriz Sara Lane usou o nome de "Russell Lane" nos dois filmes de Billy Jack. Ela é filha de James Rusty Lane (1899–1986) e Sara Anderson (1920–1998) Depois que se aposentou da atuação, ela e seu marido se tornaram co-proprietários da "Havens Wine Cellars" em Napa Valley.

Trilha Sonora:

Theme From The Trial Of Billy Jack (How I Need You)  - Michelle Wilson

Cartazes:

Filmografia  Parcial:

Tom Laughlin  (1931–2013)

Passado Perdido (1956); Chá e Simpatia (1956); Os Delinqüentes (1957); Lutando Só Pela Glória (1958); No Sul do Pacífico (1958); Maldosamente Ingênua (1959) A Batalha do Mar do Coral (1959); Até os Fortes Vacilam (1960); Nascidos para Perder (1967); Billy Jack (1971); O Julgamento de Billy Jack (1974); Pistoleiro da Justiça (1975); A Viagem dos Condenados (1976); Billy Jack Goes to Washington (1977); A Arte de Matar  (1978); The Return of Billy Jack (1986)

Delores Taylor (1932–2018)

Nascidos para Perder (1967); Billy Jack (1971); O Julgamento de Billy Jack (1974); Billy Jack Goes to Washington (1977); The Return of Billy Jack (1986) 

Victor Izay (1923–2014)

Pistoleiro do Entardecer (1962); Dr. Sex (1964); One Shocking Moment (1965); A Morte Não Manda Recado (1970); Escravos da Noite  (1970); O Estranho que Nós Amamos (1971); Billy Jack (1971); A Última Criança (1971); Sedução (1974); O Julgamento de Billy Jack (1974); Billy vai a Washington (1977); Canção Sangrenta (1982); Os Jovens Pistoleiros (1988); As Mil Armas de Hollister (1991); Funcionário do Mês (2006); Motoqueiros Selvagens (2007);

Sara Lane

Eu Vi que Foi Você (1965); O Homem de Virgínia (1966-1970) Schoolgirls in Chains (1973); O Julgamento de Billy Jack (1974); Quando os Homens são Maus (1974); Billy Jack Vai a Washington