terça-feira, 6 de agosto de 2019

O PÁSSARO AZUL / BLUE BIRD (1940) - ESTADOS UNIDOS


INFANTIL, FILOSÓFICO, ESPIRITUAL E NOSTÁLGICO
(contém spoilers)

Mytyl (Shirley Temple) e  tyltyl (Johnny Russell) são duas crianças que capturam um pássaro na Floresta Real. Ao passarem em frente à janela de Angela Berlingot (Sybil Jason), uma menina doente, Mytyl não aceita egoisticamente trocar seu pássaro por uma boneca (que desejava) que está com a perna remendada.  Mytyl reclama com a sua mãe o fato de ser pobre e não ter o luxo que presencia em outras casas que possuem comida farta e objetos caros e bonitos. Sua mãe (a atriz Spring Byington) e seu pai (o ator Russell Hicks) lhe explicam que, apesar de pobres, possuem teto e não passam fome, mas a menina não vê razão o suficiente para que vivam assim. Enquanto seu pai é recrutado para possivelmente lutar contra as forças de Napoleão, o que significa ir para a guerra e poder não retornar, a dupla mirim é posta para dormir.


Durante a noite recebem a visita de uma curiosa fada chamada Berylune (Jessie Ralph) que lhes confidencia que, se desejam encontrar a verdadeira felicidade, devem achar o "Pássaro Azul da Felicidade" e que devem buscar por toda parte, durante aquela noite. Para ajudá-los e protegê-los ela transforma o cão Tylo e a gata Tylette em humanos (Eddie Collins e Gale Sondergaard) respectivamente. Só que enquanto Tylo revela-se um amigo fiel, Tylette não deseja voltar a ser felina e fará de tudo para que as crianças não encontrem o pássaro. Para completar o time  Berylune transforma a lanterna (luz) em uma pessoa com o poder de iluminar o caminho dos aventureiros mirins que percorrerão o passado, o presente e o futuro em busca da felicidade.


Oriundo na peça de 1908, L'Oiseau bleu, de Maurice Maeterlinck, esta terceira versão de "O Pássaro Azul", tornou-se o filme de muitas crianças ao redor do mundo e trazia, a frente do elenco, nada menos do que uma das estrelas mais importantes dos anos 30: Shirley Temple, aos 12 anos, uma criança prodígio que lotava cinemas com seus cabelos encaracolados, rosto alegre e suas danças (principalmente o sapateado), mas, curiosamente, enquanto essa extraordinária criança começava a amadurecer, seu público, proporcionalmente, parecia estar perdendo o encanto de suas performances. O Pássaro azul chegou com o status de sucesso, mas muitos alegam que na verdade foi o início do declínio da carreira de Temple. Para entender o fenômeno "Temple" e o fracasso de "O Pássaro Azul" é necessário entender o contexto sócio-econômico em que ambos estavam inseridos.



Vamos começar pelo filme. O Pássaro Azul foi uma resposta dos Estúdios (20th Century) Fox ao filme “O Mágico de Oz”, feito um ano antes (1939) e estrelado por Judy Garland (Temple foi cogitada) e até hoje reverenciado. O produtor Darryl F. Zanuck acreditava que o sucesso do filme da MGM era um indício de que filmes de fantasia infantis atrairiam o público. Ele não entendeu era que o sucesso estava no produto e não no segmento. A estória de "O Mago de Oz" é repleta de personagens interessantes e, principalmente, a doce Dorothy era uma menina boa. A Mytyl de Shirley Temple foi vista pelos americanos como uma personagem mimada, antipática e vaidosa, contrastando com todos seus papéis anteriores: a doce menininha feliz, sorridente e de visão otimista. O filme chegou a ser apelidado por humoristas como "The Dead Pigeon" (A Pomba Morta). Mas o filme avançou décadas e agora novos (literalmente) espectadores apenas assistiam ao filme e o adoravam (não conheciam o efeito “anti-temple”). O filme era bem colorido (com um início em preto e branco para mostrar o mundo triste que a garotinha achava que vivia), o chamado processo Technicolor. Tinha uma estória com um conteúdo diferente e momentos (que muitos alegam ser simpático ao espiritismo, na visão atual) curiosos com uma mensagem final bem edificante.


Temple estreou, aos 3 Anos em 1932, depois de alguns curtas e filmes, estourando em 1934 com “A Queridinha da Família” tornando-se assim campeã de bilheteria. Alguns atribuem o seu sucesso à Depressão Americana dos anos 30, surgida em 1929 com a queda da bolsa (os americanos investiram maciçamente em ações nos anos 20 e um revés inesperado deixou a nação pobre). Em meio ao caos econômico a doce menina transmitia um passatempo de alegria e esperança. Em 1933, o presidente Franklin Roosevelt lançaria um programa econômico chamado New Deal (Novo Acordo) que visava dar uma "alavancada" na economia. Ao fim da Segunda Guerra (1939-1945) os EUA retomariam definitivamente o crescimento.  O Pássaro Azul estreou no início da Guerra. A menininha agora tinha 12 anos. Talvez o maior problema de Temple fora que seus espectadores não estavam preparados para aceitá-la crescer. Os filmes da fase de transição da infância para a adolescência já não atraiam multidões, os papeis já não causavam identificação e o momento histórico era outro. (lembrando que os EUA só entrariam na guerra em  1941, após o ataque a Pearl Harbor). Muito se falou que, de criança prodígio, Temple havia se tornado uma jovem sem talento. Reapareceria em 1943 em uma produção e, em 1948, em um filme do mestre John Ford, "Sangue de Heróis" ("Fort Apache"). Os anos avançaram e a atriz se casou, se separou, se tornou política e embaixadora dos Estados Unidos na Tchecoslováquia (ou Checoslováquia). Teve câncer em um dos seios o que a levou a fazer uma mastectomia e, ao longo dos anos se tornou “objeto de culto" entre fãs de várias épocas, apesar de evitar viver no passado. Faleceria em 2014, aos 85 anos, de causas naturais.

 
Situado em algum lugar da Europa, no século 18, o filme não se concentrou apenas em Temple. O belo conjunto de atores coadjuvantes justificaram o investimento aplicado ao projeto.  Gale Sondergaard (1899-1985) fez uma ótima Tylete sempre andando sorrateiramente e não dando bola para Mytyl e  tyltyl, estando mais preocupada com seus próprios interesses (comer, dormir e ficar no conforto). Sua composição ora ardilosa, ora manhosa, ameaçadora e sisnitra ficou perfeita. Ela nos lembra que realmente estamos em um filme infantil. A atriz recusou o papel da Bruxa Má em "O Magico de Oz" para fazer esse filme e em seguida atuou no famoso filme "A Marca do Zorro". Atuou até o início dos os anos 80. Eddie Collins (1883-1940) faleceria no mesmo ano, devido a problemas cardíacos. Sua atuação como o cão Tylo transformado em gente não será esquecida. Nigel Bruce (1895-1953), o "Sr Luxúria", fez "Rebecca, a Mulher Inesquecível" (1940) e faleceria de ataque cardíaco em 1953; Helen Ericson (1915-1984), como "Luz", pegou o papel depois de encontrar por acaso o diretor Walter Lang no estúdio vindo de outro teste. Ele gostou de sua aparência e lhe concedeu um teste.  Sua carreira terminaria também nesse mesmo ano. 




O Pássaro Azul é um filme interessante que agrada a crianças e cujo conteúdo é melhor apreciado por adultos. É o típico filme que pode ser visto com os olhos de criança, para depois compreendê-lo plenamente com olhos de adultos. As cores são vívidas, as cenas do incêndio na floresta ainda impressionam pela época que foram feitas. Há a questão da predestinação (muito filosófica para crianças e interessante a adultos) das "crianças não nascidas", o real conceito de felicidade (obtido após visitarem os avós no passado; serem adotados no presente e conhecerem a irmã no futuro) e os ótimos atores em cena. Foi fracasso financeiro? Foi. A crítica se dividiu? Sim. Tem um cunho espiritual? Sim. (Os avós - "Morrer não é o fim"; o anjo da guarda (o cão); o espírito mal (a gata); o ser de luz ("vá para a luz"!), a intercessora (A Fada do Bem). No Brasil foi bem recebido e o público se enamorou do filme. Até o termo "Pássaro Azul" aparecia corriqueiramente nas páginas dos impressos quando se referia a felicidade. Nostálgico.

Curiosidades:
Caryll Ann Ekelund, uma das "crianças não nascidas" (que tenta entrar escondida na embarcação), faleceu no mesmo ano, durante o Halloween, sofrendo queimaduras, quando sua fantasia pegou fogo. A menina foi enterrada com a toga usada no filme. Misteriosamente, seu nome foi retirado dos créditos na estreia do filme. Ela tinha 4 anos de idade.


O filme concorreu a 2 Oscar: Melhor Fotografia e  Melhores Efeitos Especiais (ambos perdidos para "O Ladrão de Bagdá")


O pássaro azul do título recebia US$ 50 por dia e voou de um aviário de Los Angeles logo após o término do filme.


Em 24 de dezembro de 1939, um mês antes da estreia do filme, Shirley Temple e Nelson Eddy realizaram uma adaptação de 30 minutos da peça no Lady Esther Screen Guild Theater, um programa que adaptou filmes populares a algumas das maiores estrelas de Hollywood. Foi durante esse programa, segundo a autobiografia de Temple, que uma mulher enlouquecida que a perseguia conseguiu chegar a um metro do palco com uma arma carregada antes de ser parada e desarmada. Temple, Eddy e o resto do elenco de alguma forma conseguiram manter a compostura ao longo de tudo isso.


A produção utilizou 300 crianças entre 4 e 10 anos de idade. Eles também contrataram 30 enfermeiras e 30 professores de estúdio para cuidar das crianças, tudo sob a supervisão do diretor assistente Henry Weinberger.


A produção original da Broadway de "The Blue Bird" ou "L'Oiseau Bleu", de Maurice Maeterlinck, estreou no New Theatre (seguido pelo Majestic Theatre) em 1 de outubro de 1910 e encerrada em 21 de janeiro de 1911. Os reavivamentos foram produzidos em 1911 e 1924.


Sybil Jason (a menina Ângela) decidiu não assistir a estréia do filme, porque a maioria de suas cenas foram cortadas do filme.


Na terra dos nascituros (crianças ainda não nascidas) estão várias crianças envolvidas em invenções ou imaginando qual será sua vida. Um deles está experimentando líquidos para colocar as pessoas feridas para dormir enquanto são operadas (possivelmente o Dr. James Young Simpson, descobridor dos usos anestésicos do clorofórmio ou William TG Morton, que primeiro usou éter em pacientes dentários), há outra criança com uma lâmpada (provavelmente Thomas A. Edison) e um garoto solitário pensando em viver em um mundo onde os escravos existem (sua forma magra e ser chamado durante a seção L sugerem Abraham Lincoln). A menina que será "nascida para um trono" é provavelmente a rainha Vitória.


Trilha Sonora:
O Come Little Children - Canção tradicional
Lay Dee O - Canção tradicional cantada por Shirley Temple



Filmografia Parcial:
Shirley Temple (1928–2014)

  









Alegria de Viver (1934); O Seu Primeiro Amor (1934); Dada em Penhor (1934); A Queridinha da Família (1934); A Mascote do Regimento (1935); A Pequena Órfã (1935); A Pequena Rebelde (1935); Pobre Menina Rica (1936); Princesinha das Ruas (1936); Queridinha do Vovô (1937); Heidi (1937); Sonho de Moça (1938); A Princesinha (1939); O Pássaro Azul (1940); Kathleen (1941); Ver-te-ei Outra Vez (1944); Ninguém Vive Sem Amor (1945); Solteirão Cobiçado (1947); Sangue de Heróis (1948); Uma Mulher Contra o Mundo (1949); Têmpera de Vencedora (1949); Shirley Temple's Storybook (1958-1961 seriado)


Nigel Bruce (1895–1953)

 




 

 


Alegria de Viver (1934); A Ilha do Mistério (1934); A Ilha do Tesouro (1934); O Pimpinella Escarlate (1934); Sob Duas Bandeiras (1936); A Carga de Cavalaria Ligeira (1936); O Cão dos Baskervilles (1939); Sherlock Holmes (1939); O Pássaro Azul (1940); Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940); O Renegado (1941); Esquadrão de Águias (1942); Sherlock Holmes e a Voz do Terror (1942); Sherlock Holmes e a Arma Secreta (1942); Sherlock Holmes em Washington (1943); Sherlock Holmes Enfrenta a Morte (1943); Sherlock Holmes e a Mulher Aranha (1943); Garra Escarlate (1944); Pérola Negra (1944); Alma Cigana (1944); Gaivota Negra (1944); O Filho de Lassie (1945); Melodia Fatal (1946); Vendetta (1950); Luzes da Ribalta (1952); Bwana, O Demônio (1952); Pânico em Singapura (1954)
 
Gale Sondergaard (1899–1985) 




 







A Donzela de Salem (1937); O Sétimo Céu (1937); A Vida de Emile Zola (1937); O Pássaro Azul (1940); A Marca do Zorro (1940); O Gato Negro (1941); Paris Está Chamando (1941); A Estranha Morte de Adolfo Hitler (1943); Sherlock Holmes e a Mulher Aranha (1943); A Vingança do Homem Invisível (1944); Férias de Natal (1944); Alma Cigana (1944); A Vingança da Mulher Aranha (1946); Anna e o Rei do Sião (1946); O Amuleto Egípcio (1973); O Retorno do Homem Chamado Cavalo (1976); Echoes (1982).



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