segunda-feira, 6 de maio de 2019

BORDER / GRANS (2018) - SUÉCIA




MENTIRAS SINCERAS E VERDADES DOLOROSAS
( o texto contém spoilers)

Tina (Eva Melander) é uma agente de segurança da alfândega em um porto da Suécia.  A jovem possui características físicas que a distingue dos demais: uma proeminente testa e dentes grossos e amarelados advindos de um cromossomo defeituoso. Mas sua principal característica é possuir um olfato apuradíssimo que, por algum motivo, a possibilita "cheirar sentimentos" como medo, culpa, angustia ... permitindo "rastrear" pequenos infratores que tentam burlar a alfândega. Sua rotina começa a mudar quando consegue identificar um homem bem vestido carregando um cartão contendo pornografia infantil, ao mesmo tempo em que surge Vore (Eero Milonoff),  um jovem com características faciais semelhantes as suas que coleta e estuda larvas. A aproximação de Vore faz com que a visão de mundo de Tina comece a mudar radicalmente enquanto é recrutada para ajudar a desbaratar uma rede de pedofilia a partir do suspeito preso.


Border  (título original sueco para "Gräns" - "Fronteira / Limite"-) é um daqueles filmes que dificilmente você verá outro similar.  Segundo filme do iraniano Ali Abbasi (de "Shelley"- 2016)  e co-escrito por John Ajvide Lindqvist, do ótimo filme  sueco "Deixa Ela Entrar" (2008) e sua descartável refilmagem americana "Deixe-me Entrar". O filme levou o prêmio "Un Certain Regard" ("Um Certo Olhar") em Cannes, destinado a obras mais diferenciadas e que premia com um determinado valor o cineasta. Mas o grande mérito foi concorrer ao Oscar de Melhor Maquiagem deste ano (perdendo para "Vice"), pois deu visibilidade a obra (em cartaz no Rio de Janeiro), mostrando um filme que tem uma forma muito curiosa de ser construído e que algumas pessoas poderão achar meio ilógico, mas se revermos os pequenos detalhes que passaram despercebidos perceberemos que o filme fecha todos os questionamentos que venham a surgir.


Explicar o filme sem spoilers tira muito de sua grande realização. Se você não deseja saber detalhes que venham estragar a sua experiência, pare aqui, mas se assistiu e ficou com dúvidas (ou um certo ar de descrença) tentarei saná-las nestas linhas e, ao final, em "explicações", adicionarei pontos chaves que fecham os conceitos  lançados pelo filme.


"Querem me obrigar / a ser do jeito que eles são / Cheios de certezas / e vivendo de ilusão / Mas eu não sou / nem quero ser / Igual a quem me diz / Que sendo igual / eu posso ser feliz / Esses humanos ...". Essa música "Humanos" do grupo Tokyo cairia bem dentro do conceito da estória e do personagem Vore. O que o espectador deve ter em mente é que não estamos em um drama sobre 2 pessoas com problemas estéticos, mas sim diante de uma fábula, ou seja, há elementos do folclore escandinavo, neste caso "Trolls", e essa informação muda toda a nossa percepção.  
 


Tina vive uma vida quase reclusa com um homem (Jorgen Thorsson) na qual possui uma relação estranha de "quase namoro". Seu pai (Sten Ljunggren) possui Alzheimer e, a sua volta, todos são pessoas "normais". Ela, que se achava única, esbarra em um semelhante que começa a revolver sentimentos que até então não imaginava possui. Tina se apaixonou. Só que Vore tem conceitos diferentes aos seus. Sua criação foi diferente e não tolera "humanos", os odeia e tenta convencer a jovem  que ambos não fazem parte da "mesma raça".  Não aceita a resignação de Tina de viver a margem da sociedade. Tudo começa a ficar ainda mais estranho quando descobrimos que ambos possuem mais do que apenas uma aparência diferente: Tina possui um órgão masculino e Vore um feminino entre outros detalhes (ver explicações)


Apesar de todas as palmas se direcionarem para a atriz Eva Melander foi o personagem de Eero Milonoff que me criou maiores expectativas, pois me pareceu mais rico e complexo em personalidade e conflitos. Ele divide o espectador em vários aspectos.  Muitos se surpreenderão com suas motivações e atitudes e o filme dificilmente entrega o seu final. Border é um filme atípico, mas que prende por ter uma narrativa muito bem construída, uma bela fotografia  com uma condução que poderá surpreender e até, em alguns momentos, chocar certas pessoas. É um conto (onde realidade e fantasia se fundem fugindo do tradicional) sobre uma pessoa estigmatizada que não consegue se ver inserida em um mundo que avalia as pessoas pela aparência,  sofrendo uma quebra de paradigma, onde toda a sua origem e vida pode ter sido rodeada de mentiras. E Tina começa, a mudar, a se descobrir, e o espectador a se surpreender em sua análise final. 



Trailer legendado:



Curiosidades:

Hiisi é um local ou entidade mitológica da cultura finlandesa. Posteriormente influenciados pela cultura cristã foram denominados como entidades demoníacas ou semelhantes a trapaceiros.

Trolls: "De acordo com o folclore escandinavo, os trolls são criaturas gigantescas e fedorentas cuja descrição se assemelha bastante à dos ogros ... Eles são seres noturnos, seus esconderijos favoritos são as cavernas e as regiões montanhosas e, além de serem muito feios, a inteligência não seria o melhor de seus atributos." (Megacurioso)

Os Atores:





Algumas explicações que podem ajudar em um melhor entendimento. (Se não assistiu ao filme não leia):

Durante o jantar em casa, haverá uma cena mostrando Tina experimentando comida com pouco entusiasmo / Vore lhe surpreenderá comendo larvas que a princípio lhe causarão repulsa, mas aceitará experimentar e não rejeitará o gosto;

Vore passará pela segunda vez na alfândega, intencionalmente, para atrair a atenção de Tina. E passará também por uma revista (propositalmente) onde descobrirão que possui um órgão feminino / O espectador ainda não sabe, mas Tina guarda também um segredo parecido. A ideia de Vor é que ela descobrisse essas informações "por acaso";

Na revista também descobrem que Vore tem uma enorme cicatriz no Cóccix / O pai de Tina sempre disse que ela tinha uma  cicatriz no mesmo local por ter caído na infância sobre um objeto cortante, mas ela nunca conseguira se lembrar de tal fato;

Tina sempre evita sexualmente o "companheiro" alegando "sentir dor" / uma repulsa inconsciente por outro que não é de sua espécie;

Tina se aproxima de uma raposa que não a rejeita / A analogia é de que Tina é um ser também da floresta e selvagem como o animal;

Os cães "domesticados" se incomodam com a presença de Tina e se assustam como o rosnado de Vore, que morará, como convidado, em um quarto anexo a casa de Tina

Tina descobre que a sua cicatriz adquirida por queimadura de um raio não é característica apenas sua, Vore também possui uma e bem maior;

Tina revela a Vore ser deformada devido a um problema genético e o mesmo se responde que ela é absolutamente normal. Pela primeira vez vemos Vore referir-se a outras pessoas como "humanos";

Vore entra na casa de Tina e presencia sua conversa com uma mulher com um recém nascido. Tina os ajudara a chegar no hospital para o parto. Vore verbaliza que é um lindo bebê e a mãe sente algo em seus modos;

Vore parece "parir" alguma criatura na escura floresta. Vore coloca a "criatura" numa caixa dentro da geladeira;

Após um breve relacionamento sexual na floresta Vore revela ser um "Troll" e que ela também faria parte dessa espécie. Há a revelação de que agem como nômades, mas a Finlândia possuiria um grupo desses seres. Ela não os encontrará, eles é que a encontrarão desde que assim deseje;

Vore revela ter sido fruto de uma experiência que os humanos fizeram com alguns Trolls capturados, entre eles, seus pais, até a morte destes e que fora enviado a lares adotivos tendo a cauda cortada na altura do cóccix (daí a cicatriz);

Tina encontra a pequena criatura quase humana que Vore diz ser um "Hiisi", seres inacabados  que vivem pouco e são tão macios que só comem e dormem podendo ser moldados sob qualquer forma como se fossem feitos de argila. Ele parece tê-los de uma forma espontânea;
 

Tina descobrirá que Vore troca bebês humanos por seus "Hiisi" moldando-os como se fosse argila próximos as feições destes. O motivo: ele odeia e despreza humanos e tudo que representam. O casal que Tina ajudou tem o bebê trocado e os pais ficam desnorteados com a aparência do "bebê";

Vore foge da polícia e, tempos depois, Tina recebe uma caixa com uma criança Troll (não um Hiisi) como fruto do relacionamento do casal e um cartão postal da Finlândia para onde Vore provavelmente se dirigiu e onde fica a comunidade de Trolls. 

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