segunda-feira, 22 de outubro de 2018

INFÂNCIA ROUBADA / TSOTSI (2005)- ÁFRICA DO SUL




DA ÁFRICA DO SUL PARA O MUNDO 

"Tsotsi" (que significa "jovem bandido / criminoso") participa de uma gangue que pratica assaltos em pontos da cidade Joanesburgo, África do Sul. Certo dia, o grupo escolhe uma vítima. A ação termina com a morte deste homem que apenas se apavorou. Um dos membros do grupo percebe a horrível ação de seu grupo, mas Tsotsi (Presley Chweneyagae) o espanca por sua fraqueza e abandona o grupo. Agora Tsotsi está sozinho. Sua ação o leva a roubar um BMW. O que o jovem não esperava é que no banco de trás houvesse um bebê. Ele larga o carro e resolve levar a criança, voltando às favelas de Soweto. Começa a cuidar do bebê e obriga uma jovem mãe solteira, Miriam (Terry Pheto), a cuidar da criança. Só que seu mundo é muito violento e confuso.



Aos poucos personagens começam a ser delineados. Temos Miriam, a jovem que perdeu o marido e agora tem que cuidar de seu filho mais a criança trazida por Tostsi. Aap (Kenneth Nkosi), um grandalhão que não consegue ter opinião própria das coisas preferindo que sua vida seja decidida por Tostsi. Boston (Mothusi Magano), um jovem que tentou uma vida honesta e se afogou na bebida migrando para o crime e Butcher (Zenzo Ngqobe) o mais cruel do grupo: não hesita em matar e não mostra arrependimento de suas ações. Tsotsi cria um vínculo emocional com o bebê e passa a viver em prol da criança, ainda que não abandone sua vida criminosa. Ele não mata o homem do metrô, como algumas sinopses apontam, mas participa ativamente. Já na cena do carro sua ação é direta. Seu encontro com um paraplégico é um momento inspirador e reflexivo.


É um filme seco, direto e com uma direção inspiradíssima. A forma como a história vai se desenrolando prende o espectador que passa a desenvolver inúmeras reações: ódio, raiva, angústia, piedade ... talvez, em algumas pessoas, até empatia, a partir do momento que passa a viver dentro daquele mundo bruto e sem chances da qual Tostsi foi empurrado. O espectador vai se surpreendendo com as situações que surgem e o desenrolar da estória com um Presley Chweneyagae em uma atuação poderosa. Ver um filme sul africano, não é o mesmo que ver que ver um filme de Hollywood sobre a África do Sul. São visões muitos distantes, realidades completamente distintas. O modo como vemos essa nação por lentes locais é que faz a diferença.



Há um ar de tragédia, de realidade extrema. O fato de não ter diálogos, o tempo todo, é bem vindo porque as imagens e ações do filme preenchem perfeita essa falta do dizer. Há as sutilezas do modo de viver dos pais do bebê sequestrado, que vive em uma casa de luxo, um bom carro ao som de Rhythm and blues contra os guetos ondem vivem os personagens: apertados, sujos e confusos ao som de um interessante Rip Hop. Há algo de pungente na estória, algo de amargo. Um mundo de crime, pobreza, aceitação e tragédia. Não chega a ser um “Cidade de Deus”, mas em algum momento o padrão estético lembrou o filme dos diretores Fernando Meirelles e Kátia Lund. Talvez a ambientação de Soweto com a comunidade carioca retratada no filme. Na verdade é uma estória que poderia ser perfeitamente se passar em qualquer comunidade desse imenso Brasil.



Memórias passadas se intercalam com a vida presente de Tsotsi revelando ao espectador nuances que este pode ver. Só o espectador pode entender quem foi Tsotsi, os outros, apenas veem as consequências de suas ações. Exatamente como no mundo real. O filme não vitimiza os envolvidos, não glamouriza as ações do grupo e não envolve a pobreza no contexto da estória. Cabe ao espectador avaliar tudo. Essa multiplicidade de emoções funciona muito bem e abre o diálogo sobre as raízes da violência em qualquer parte do mundo. Você é o conjunto de suas experiências? Porque numa comunidade carente apenas alguns seguem uma vida de crime? O Estado tem papel nessa desconstrução do ser humano que envereda pelo caminho antinatural? Dá pra ficar insensível ao contexto mostrado? O filme não expõe nada de inovador ou diferente. Há vários filmes estrangeiros com essa temática, basta que o espectador os garimpe. Mas a maneira como o diretor Gavin Hood (X-Men Origens: Wolverine), em sua estreia em longas, processou o inspirador roteiro (onde foi coautor), foi que fez a diferença.



Ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Infância Roubada, se insere dentro de uma realidade que não chega em nossos noticiários. É um filme simples com atores com pouca ou nenhuma experiência em atuação (na época) e que entregaram um filme forte, reflexivo, por vezes cruel, por vezes pungente. Evita a violência gratuita dos filmes americanos e insere a dramaticidade a favor da estória.  Uma ótima oportunidade de ver um filme de um país que praticamente não  recebemos nada em nossa terra. Não sei se foi o melhor filme estrangeiro a concorrer em 2006, mas pelo mostrado me pareceu justo o prêmio conquistado.

Trailer:






Curiosidades:
Baseado no romance de Athol Fugard

O filme escolhido para representar o Brasil no Oscar de 2006, de Melhor Filme Estrangeiro, foi "2 Filhos de Francisco" (de Breno Silveira), mas não foi selecionado pela Academia

Incluído no Livro "1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer" 

Trilha Sonora:
Mdlwembe - Zola (Ehlala)
Woof Woof - Zola
Seven - Zola
Zingu 7 - Zola
Palesa - Zola
Bhambatha - Zola
It's Your Life - Zola
Silang mabele - Mahlasela
Munt'omnyama - Mafikizolo
Benoni Blues - paw'lee'n'sparx
Skorokoro - Barvo, Zola & Tuks
E Sale Noka - Vusi Mahlasela and the A-Team
Ghetto Scandalous -  Zola
C.R.A.Z.Y - Ishmael Morabe featuring Bongz


Filmografia Parcial:

Presley Chweneyagae














Infância Roubada (2005);  No Futebol, Nasce uma Esperança (2007); Menda City (2009); State of Violence (2010); Zama Zama (2012); Mandela: O Caminho para a Liberdade (2013); The Number (2017).

Terry Pheto

 










Infância Roubada (2005); Em Nome da Honra (2006); Mandela (2007); How to Steal 2 Million (2011); Mandela: O Caminho para a Liberdade (2013); Um Reino Unido (2016); Faces  (2018)

Zenzo Ngqobe

 












Infância Roubada (2005);  Diamante de Sangue (2006); Menda City (2009); The Forgotten Kingdom (2013); Mandela: O Caminho para a Liberdade (2013)


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