quinta-feira, 24 de agosto de 2017

AGNUS DEI / LES INNOCENTES (2016) - FRANÇA / POLÔNIA





OS HORRORES QUE UMA GUERRA PROVOCA

Polônia, dezembro de 1945. Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge ) é uma jovem médica francesa a serviço da Cruz Vermelha Internacional onde presta serviços apenas à sobreviventes franceses, antes destes voltarem a sua terra natal. Sua rotina é mudada com a chegada de uma freira polonesa que lhe solicita ajuda. A princípio Mathilde recusa (mesmo porque não entende o idioma do país), mas acaba seguindo com a jovem freira ao convento beneditino. Ao chegar descobre um segredo terrível: durante a ocupação russa o local foi invadido por soldados e 30 freiras foram atacadas. O resultado é que várias encontram-se grávidas e próximas de dar a luz sem nenhuma assistência. O segredo não pode sair daquelas paredes. Mathilde resolve cumprir sua missão durante as madrugadas em que descansaria. A época é conturbada e parte do exército russo ainda se encontra nas redondezas e até sua integridade poderá estar em risco.



A Segunda Guerra Mundial ocorreu entre 1 de setembro de 1939 a 2 de setembro de 1945. O país foi um dos que mais sofreram. Hitler e Stalin queriam dividir a Polônia. Os principais campos de concentrações se encontravam no país: Auschwitz, Belzec, Chelmno, Maidanek, Sobibor e Treblinka. Oficiais e cidadãos comuns foram executados.
A chegada da União Soviética, com seu Exército Vermelho, em janeiro de 1945, terminou com o terror nazista, mas a Polônia assistiu a chegada do stalinismo. É Nesse contexto que o filme se situa. Mas não foi apenas na Polônia que houve soldados russos praticando estupros. Quem assistiu ao filme  “Anonyma - Uma Mulher em Berlim” (baseado em livro) viu as consequências da chegada do exército russo na Alemanha derrotada. Outra produção que aborda o tema é “O Massacre de Nanquin” quando o exército japonês invadiu a China. Até hoje o tema sucinta polêmicas nos dois países.



Agnus de Deus é uma produção franco-polonesa com um tema sempre espinhoso: o estupro em tempos de guerra e a marca física e psicológica que imprime em suas vítimas. É, antes de tudo, um drama denso. Não esperem atuações arrebatadoras ao estilo hollywoodiano ou diálogos com frases cheias de tiradas. O cinema europeu é bem diferente e aqui isso pode ser bem percebido. O argumento é tratado do ponto de vista de Mathilde Beaulieu. Mathilde não é uma religiosa e sua visão do mundo é diferente das que ali estão. Há uma diferença de crenças, por outro lado há a questão da fé também sendo posta à prova por algumas das freiras. O trauma por que passaram lhe mostraram um outro mundo. Um mundo da qual tinham se isolado por vontade própria (clausura), mas a guerra produz monstros mais terríveis do que a ficção e ninguém está imune. Um tema de difícil análise e sempre muito doloroso de se tocar.



Um dos trunfos dessa produção foi colocar a direção em mãos femininas. Só a sensibilidade feminina consegue tocar determinados temas com a delicadeza necessária, um olhar mais apurado, onde as relações, crenças e valores vão sendo mostradas aos poucos. Personalidades vão sendo reveladas ao público: cada uma das vítimas tem um olhar sobre o episódio e nem todas mantém uma fé inabalável como antes. Ser mãe nessas condições absurdas é algo dificílimo para qualquer mulher, para freiras que vivem em um sistema de regras rígidas, onde apenas verão essas crianças por algumas horas é uma duplo sofrimento.



A diretora Anne Fontaine teria se baseado no diario de Mathilde que ficara de posse da família. E os aspectos retirados daquelas páginas são inúmeros: dor, humilhação, revolta, aborto, suicídio, abalo na fé, reforço da fé. Não que Agnus Dei (que significa Cordeiro de Deus em latin) seja uma obra prima. É um filme até certo ponto pesado, não nas imagens, que a diretora habilmente preferiu não mostrar, mas na condução da história. Tudo vai de uma forma lenta, mas não se exime de ser reflexiva. Se faltou mais ritmo à obra, sobrou sensibilidade e uma narrativa que prende o espectador.



O elenco é, em quase sua totalidade, composto de mulheres o que faz até muito sentido, visto que a história é centrada nelas. O único papel de destaque masculino está na figura  de um médico francês (Vincent Macaigne) que deseja Mathilde. A falta de química, ao meu ver,  entre os atores, dificultou este aspecto no filme e poderia ser completamente suprimido que não faria falta. Se a intenção era mostrar Mathilde como uma mulher com um relacionamento frio ainda assim ficou a dever. 

Agata Kulesza


As atrizes poloneses estão ótimas. Cada uma transmite uma expressão diferente, tem uma visão distinta da vida e isso é demonstrado apenas por rostos atrás de uma batina. E tudo funciona a contento. Destaque para Agata Kulesza como a madre superiora e para Agata Buzek como uma das freiras que descobre outro segredo perturbador.

Agata Buzek


A fotografia acinzentada de Caroline Champetier se adequou bem. A reconstituição apurada nos remete à época. Há varias aspectos positivos nessa produção.



Agnus Dei é um filme denso, de inúmeras qualidades sem dúvidas, mas não é para qualquer tipo de público. Não é uma produção movimentada, não tem atores conhecidos, mas tem atuações que chamam a atenção. As atrizes estão quase todas no mesmo nível, excetuando-se as três personagens principais. Essa homogeneização de atuações contribuiu para o filme funcionar. Nada da atriz principal exigir as melhores falas. Aqui é o conjunto que funciona. É uma produção sem efeitos, sem altos custos, mas bem realizada. Indicado aos que gostam de produções mais cadenciadas, para os que gostam de aspectos desconhecidos da Segunda Grande Guerra e para amantes dos raríssimos filmes de arte que ainda surgem vez por outra no mercado brasileiro.



Trailer:



Curiosidades:
A diretora esteve no Brasil para divulgar seu filme anterior: Gemma Bovery.

A atriz Adèle Haenel foi a primeira escolha para o papel de Mathilde.

A diretora encontrou a atriz Agata Kulesza na Polônia por ser uma admiradora, mas não via nela a personagem da Madre Superiora por ter um tipo muito sexy.  Kulesza achou engraçado e perguntou se podia colocar um véu e ler uma cena. Em seguida ganhou o papel.

A diretora Anne Fontaine descobriu Agata Buzek no filme "Redenção" (2013), onde contracena  ao lado de Jason Statham.

O filme custou $6.400.000,00   e arrecadou em torno de   $7.400.000,00


Filmografia Parcial:
Lou de Laâge  
Aconteceu em Saint-Tropez (2013); Jappeloup (2013); Respire (2014); A Espera (2015); Agnus Dei (2016).

Agata Buzek
Valerie (2006); Paparazzo (2007); Father, Son & Holy Cow (2011); Lena (2011); Redenção (2013); Fotograf (2014); 11 Minutos (2015); Agnus Dei (2016).


Agata Kulesza
Ida (2013);  Secret Wars (2014); Agnus Dei (2016); I'm a Killer (2016); True Crimes (2016); Budapest Diaries (2017).

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