ESTRUTURA MAFIOSA
O Clã (El Clan) é uma coprodução Argentina /
Espanha que narra acontecimentos verídicos de uma família que passa a sequestrar pessoas influentes e ricas do bairro, muitas terminando mortas.
Vencedor do Leão de Ouro em Veneza e dirigido por Pablo
Trapero (de "Leonera" e "Elefante Branco") foca na relação pai e filho e no impacto direto em toda
família. O filme tenta traçar o perfil do patriarca Arquimedes Puccio
(Francella excelente), um ex-agente das forças ditatoriais de repressão que,
diante do novo cenário democrático, resolve manter seu padrão de vida elevado sequestrando pessoas em Buenos Aires e exigindo resgates de quase meio milhão de
dólares, tudo com o aparente silêncio de sua família que finge ignorar o que se
passa no porão da casa.
O
filme começa traçando um breve panorama político que pode ser um tanto confuso para o resto do mundo.
A breve explicação do regime, através de imagens, nem sempre situa o
espectador, logo cabe aqui uma explicação: A ditadura na Argentina ocorreu entre 1976 e
1983. As imagens iniciais mostram o último dos presidentes militares, Leopoldo
Galtieri (1981-1982), e situa a estória logo após a Guerra das Malvinas (Falklands para os britânicos),
ocorrida entre abril e junho de 1982. Com a entrada do civil Raúl Alfonsin (1983-1989), a Argentina vive novos ares e
Arquimedes e seus amigos não pertencem mais ao novo status quo. Os antigos
membros do antigo regime estão “saindo de cena”. É tempo de mudanças. A
democracia começa a enterrar a ditadura, mas os que estavam no poder nessa época
ainda mantém laços e o patriarca da família Puccio tem outros planos para
manter-se confortavelmente nessa nova
realidade.
A
pergunta que fica é: Como uma família inteira (cinco filhos e a esposa)
aceitou participar de tais atos? Como puderam fechar os olhos para o que
acontecia dentro da própria casa? Como conseguiram manter a serenidade diante
dos destinos das vítimas? Trapero optou for fazer um filme com várias nuances e analogias bem sutis. O porão
da casa de Arquimedes pode ser visto como os antigos porões da ditadura. O clã funciona
como estrutura mafiosa e não por acaso alguns associaram o longa a filmes do
cineasta Martin Scorsece. A família senta à mesa no jantar e reza em agradecimento
a refeição. O cinismo de infligir dor a terceiros e ao mesmo tempo rezar pode ser
um simbolismo de uma família que em nada possui os valores cristãos, mas age
como se estivessem puros, isentos de pecados e sangue nas mãos. Desaparecimentos ocorrem e não há
(ou o filme ignorou) uma investigação, resquícios de um regime em que as
pessoas “sumiam” e nada era feito.
Filmes
que abordam a ditadura Argentina há vários: "Desaparecido – Um
Grande Mistério", "A História Oficial", "Garagem Olimpo" e, mais recentemente, "O
Segredo dos Seus Olhos'. Mas Trapero optou por abordar laços familiares.
Arquimedes recruta seu filho Alex (Peter Lanzani) em suas ações. Este começa a
entender o tipo de problema em que se meteu. Alex é um jogador de Rúgbi da
seleção Argentina e tem uma carreira promissora. Arquimedes quer a família
unida, não quer que haja uma desintegração neste seio familiar. Sua palavra é
ordem, suas ordens são obedecidas sem contestações. A família possui um
sequestrado dentro de casa e todos seguem suas rotinas: a mãe (ex-professora)
cuida da casa, as filhas estudam e Alex tem uma loja. Sua consciência começa a
pesar. Arquimedes lhe financia. A origem do dinheiro é óbvia. É o cala boca que compra o silêncio. Em meio
a crise financeira com saída de dólares do país, de investidores, numa democracia em estado latente e
inflação galopante a família percebe que quer viver bem. E nesta realidade não
perguntar o que passa e fugir da realidade é a saída. Um irmão, Guillermo
(Franco Masini), foge. O outro, Daniel “Maguila” (Gaston Cocchiarale), retorna,
apenas para reforçar o grupo.
A
escolha do elenco fez toda diferença. Francella, um ator de papéis cômicos, que possui um programa humorístico de sucesso na Argentina, construiu um personagem esplêndido (como o fizera em "O Segredo de Seus Olhos"). Seu Arquimedes não tem expressões exageradas ou tiques nervosos. Sua imagem é de uma pessoa fria, manipuladora e calculista o que passa um certo temor. Seu
modo de falar e se comportar revelam de imediato que estamos diante de um homem
que pode ter sido muito ruim no outro regime. Um homem que fez coisas
reprováveis e não tem nenhum sentimento de culpa nem medo de ir contra Alex
quando este lhe desagrada em determinada situação. Um lobo controlando sua
matilha. Peter Lanzani faz Alex um filho que pensa em se casar com Monica
(Stefania Koessl) e viver sua vida, mas que não consegue se livrar de um
pai psicologicamente opressor. Essa
dualidade é o cerne de "O Clã". Trapero
(que produziu o filme junto com a produtora de Pedro Almodóvar) centrou na dissecação
do seio familiar, seguindo uma linha e acertando em cheio, porque fugiu de narrar uma mera estória policial
ou um drama das vítimas pós ditadura. Assumiu o lado familiar e centrou sua
visão nesses laços. Tão forte e tão frágil. O espectador no meio do
filme já tem uma ideia do desfecho da história e a explicação quanto ao destino
de cada um se dá em um final satisfatório.
Filmado quase 30 após os eventos, "O Clã" revela-se um
filme denso, resultado (conforme descrito pelo diretor) de intensa pesquisa e
entrevista com amigos, advogados da família Puccio, além de advogados
especialistas neste crimes. Todo esse conteúdo, reforçado de um excelente
elenco e trilha sonora da época, fazem de "O Clã" um filme muito interessante de
ser assistido e que, provavelmente, trará opiniões díspares. Uns o acharão um
filme acima da média, outros talvez o vejam como um filme que quase, como
dizem, “chegou lá”. O que com certeza ele não causa no espectador é
indiferença.
Trailer
Curiosidades:
O pai do ator Peter Lanzini chegou a jogar rúgbi com o Alejandro original.
Só
nos primeiros 10 dias de exibição, o longa foi visto por mais de 1,5
milhão de espectadores argentinos, superando "O Segredo dos Seus Olhos" (2009) e "Relatos
Selvagens" (2014).
Arquimedes
faleceu em maio de 2013, aos 83 anos. Ao saber pela imprensa que sua estória
seria contada, solicitou que Tropero escutasse sua versão dos fatos , mas não
houve tempo de se estabelecer contato entre as partes devido ao falecimento de Arquimedes.
Este foi o oitavo
longa do diretor.
Premiações:
Academy of Motion Picture Arts and Sciences of Argentina (2015)
Melhor Fotografia, Melhor Novo Ator, Melhor Figurino e Melhor Som
Goya Awards 2016
Melhor Filme Iberoamericano
SESC Film Festival, Brazil
Melhor Ator Estrangeiro
The Platino Awards for Iberoamerican Cinema 2016
Melhor Ator
Toronto International Film Festival
Platform Prize - Honorable Mention
Festival de Veneza 2015
Melhor Diretor
Melhor Fotografia, Melhor Novo Ator, Melhor Figurino e Melhor Som
Goya Awards 2016
Melhor Filme Iberoamericano
SESC Film Festival, Brazil
Melhor Ator Estrangeiro
The Platino Awards for Iberoamerican Cinema 2016
Melhor Ator
Toronto International Film Festival
Platform Prize - Honorable Mention
Festival de Veneza 2015
Melhor Diretor
Filmografia Parcial:
Guillermo Francella
Brigada Explosiva (1986); Los Extermineitors (1989); Extermineitors 3: La gran Pelea Final (1991); Extermineitors 4: Como Hermanos Gemelos (1992); Un Argentino en New York (1998); O Segredo dos Seus Olhos (2009); Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho (2013); O Clã (2015); Quem Ama, Odeia (2017); Animal (2018); Minha Obra Prima (2018); O Roubo do Século (2020); Granizo (2022)
Fontes:
O Globo
New York Times
The Guardian
Site ZH Entretenimento
site da revista época
folha
uol
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