terça-feira, 22 de novembro de 2016

O CLÃ / EL CLAN (2015) - ARGENTINA / ESPANHA


ESTRUTURA MAFIOSA

O Clã (El Clan) é uma coprodução Argentina / Espanha que narra acontecimentos verídicos de uma família que passa a sequestrar pessoas influentes e ricas do bairro, muitas terminando mortas.


Vencedor  do Leão de Ouro em Veneza e dirigido por Pablo Trapero (de "Leonera" e "Elefante Branco") foca na relação pai e filho e no impacto direto em toda família. O filme tenta traçar o perfil do patriarca Arquimedes Puccio (Francella excelente), um ex-agente das forças ditatoriais de repressão que, diante do novo cenário democrático, resolve manter seu padrão de vida elevado sequestrando pessoas em Buenos Aires e  exigindo resgates de quase meio milhão de dólares, tudo com o aparente silêncio de sua família que finge ignorar o que se passa no porão da casa.

 
O filme começa traçando um breve panorama político que pode ser um tanto confuso para o resto do mundo.  A breve explicação do regime, através de imagens, nem sempre situa o espectador, logo cabe aqui uma explicação:  A ditadura na Argentina ocorreu entre 1976 e 1983. As imagens iniciais mostram o último dos presidentes militares, Leopoldo Galtieri (1981-1982), e situa a estória logo após a Guerra das Malvinas (Falklands para os britânicos), ocorrida entre abril e junho de 1982. Com a entrada do civil Raúl Alfonsin (1983-1989), a Argentina vive novos ares e Arquimedes e seus amigos não pertencem mais ao novo status quo. Os antigos membros do antigo regime estão “saindo de cena”. É tempo de mudanças. A democracia começa a enterrar a ditadura, mas os que estavam no poder nessa época ainda mantém laços e o patriarca da família Puccio tem outros planos para manter-se confortavelmente nessa nova  realidade.

 
A pergunta que fica é: Como uma família inteira (cinco filhos e a esposa) aceitou participar de tais atos? Como puderam fechar os olhos para o que acontecia dentro da própria casa? Como conseguiram manter a serenidade diante dos destinos das vítimas? Trapero optou for fazer um  filme com várias nuances e analogias bem sutis.   O porão da casa de Arquimedes pode ser visto como os antigos porões da ditadura. O clã funciona como estrutura mafiosa e não por acaso alguns associaram o longa a filmes do cineasta Martin Scorsece. A família senta à mesa no jantar e reza em agradecimento a refeição. O cinismo de infligir dor a terceiros e ao mesmo tempo rezar pode ser um simbolismo de uma família que em nada possui os valores cristãos, mas age como se estivessem puros, isentos de pecados e sangue nas mãos. Desaparecimentos ocorrem e não há (ou o filme ignorou) uma investigação, resquícios de um regime em que as pessoas “sumiam” e nada era feito.

 
Filmes que abordam a ditadura Argentina há vários: "Desaparecido – Um Grande Mistério", "A História Oficial", "Garagem Olimpo" e, mais recentemente, "O Segredo dos Seus Olhos'. Mas Trapero optou por abordar laços familiares. Arquimedes recruta seu filho Alex (Peter Lanzani) em suas ações. Este começa a entender o tipo de problema em que se meteu. Alex é um jogador de Rúgbi da seleção Argentina e tem uma carreira promissora. Arquimedes quer a família unida, não quer que haja uma desintegração neste seio familiar. Sua palavra é ordem, suas ordens são obedecidas sem contestações. A família possui um sequestrado dentro de casa e todos seguem suas rotinas: a mãe (ex-professora) cuida da casa, as filhas estudam e Alex tem uma loja. Sua consciência começa a pesar. Arquimedes lhe financia. A origem do dinheiro é óbvia.  É o cala boca que compra o silêncio. Em meio a crise financeira com saída de dólares do país, de investidores, numa democracia em estado latente e inflação galopante a família percebe que quer viver bem. E nesta realidade não perguntar o que passa e fugir da realidade é a saída. Um irmão, Guillermo (Franco Masini), foge. O outro, Daniel “Maguila” (Gaston Cocchiarale), retorna, apenas para reforçar  o grupo.

 
A escolha do elenco fez toda diferença. Francella, um ator de papéis cômicos, que possui um programa humorístico de sucesso na Argentina, construiu um personagem esplêndido (como o fizera em "O Segredo de Seus Olhos"). Seu Arquimedes não tem expressões exageradas ou tiques nervosos. Sua imagem é de uma pessoa  fria, manipuladora  e calculista o que passa um certo temor. Seu modo de falar e se comportar revelam de imediato que estamos diante de um homem que pode ter sido muito ruim no outro regime. Um homem que fez coisas reprováveis e não tem nenhum sentimento de culpa nem medo de ir contra Alex quando este lhe desagrada em determinada situação. Um lobo controlando sua matilha. Peter Lanzani faz Alex um filho que pensa em se casar com Monica (Stefania Koessl) e viver sua vida, mas que não consegue se livrar de um pai  psicologicamente opressor. Essa dualidade é o cerne de "O Clã".  Trapero (que produziu o filme junto com a produtora de Pedro Almodóvar) centrou na dissecação do seio familiar, seguindo uma linha e acertando em cheio, porque fugiu de narrar uma mera estória policial ou um drama das vítimas pós ditadura. Assumiu o lado familiar e centrou sua visão nesses laços. Tão forte e tão frágil. O espectador no meio do filme já tem uma ideia do desfecho da história e a explicação quanto ao destino de cada um se dá em um final satisfatório.
 
 
Filmado  quase 30 após os eventos, "O Clã" revela-se um filme denso, resultado (conforme descrito pelo diretor) de intensa pesquisa e entrevista com amigos, advogados da família Puccio, além de advogados especialistas neste crimes. Todo esse conteúdo, reforçado de um excelente elenco e trilha sonora da época, fazem de "O Clã" um filme muito interessante de ser assistido e que, provavelmente, trará opiniões díspares. Uns o acharão um filme acima da média, outros talvez o vejam como um filme que quase, como dizem, “chegou lá”. O que com certeza ele não causa no espectador é indiferença.

Trailer


Curiosidades:
O pai do ator Peter Lanzini chegou a jogar rúgbi com o Alejandro original.

Só nos primeiros 10 dias de exibição, o longa foi visto por mais de 1,5 milhão de espectadores argentinos, superando "O Segredo dos Seus Olhos" (2009) e "Relatos Selvagens" (2014).

Arquimedes faleceu em maio de 2013, aos 83 anos. Ao saber pela imprensa que sua estória seria contada, solicitou que Tropero escutasse sua versão dos fatos , mas não houve tempo de se estabelecer contato entre as partes devido ao falecimento de Arquimedes.

Este foi o oitavo longa do diretor.


Premiações:
Academy of Motion Picture Arts and Sciences of Argentina (2015)
Melhor Fotografia, Melhor Novo Ator, Melhor Figurino e Melhor Som

Goya Awards 2016
Melhor Filme Iberoamericano

SESC Film Festival, Brazil
Melhor Ator Estrangeiro

The Platino Awards for Iberoamerican Cinema 2016
Melhor Ator

Toronto International Film Festival
Platform Prize - Honorable Mention

Festival de Veneza 2015
Melhor Diretor



Filmografia Parcial:

Guillermo Francella











Brigada Explosiva (1986); Los Extermineitors (1989); Extermineitors 3: La gran Pelea Final (1991); Extermineitors 4: Como Hermanos Gemelos (1992); Un Argentino en New York (1998); O Segredo dos Seus Olhos (2009); Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho (2013); O Clã  (2015); Quem Ama, Odeia (2017); Animal (2018); Minha Obra Prima (2018); O Roubo do Século (2020); Granizo (2022)

Fontes:

O Globo
New York Times
The Guardian
Site ZH Entretenimento
site da revista época
folha uol

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