terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

O FAROL / THE LIGHTHOUSE (2019) - CANADÁ / ESTADOS UNIDOS





CURIOSIDADE, OBSESSÃO E INSANIDADE

Metade do século XIX. O veterano Thomas Wake (Willem Dafoe) e o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) são dois homens que chegam a uma ilha, que abriga um farol, na costa do Maine, para um trabalho de manutenção de quatro semanas. Thomas lidera a dupla e coordena os trabalhos que Ephraim deve realizar. Os dias passam e nota-se uma difícil convivência entre a dupla onde Thomas mostra-se rude, autoritário, insensível ... cruel e Ephraim a cumprir as tarefas diárias na Ilha. De acordo com que dividem as tarefas e conversam à noite, Ephraim descobre que o antigo ajudante de faroleiro morreu enlouquecido no local, enquanto Thomas começa a suspeitar que Ephraim aceitou o árduo emprego por estar fugindo de alguém. A bebida passa a ser o melhor refúgio durante as solitárias noites, permitindo que ambos confidenciem alguns de seus segredos. Enquanto Thomas resolve contar lendas mitológicas, Ephraim cria uma obsessão de ir até a torre do farol e poder ver sua extensa luz o que lhe é sempre negado por Thomas.  Autoridade, abuso psicológico, solidão, embriaguez e mentiras virão à tona e o conflito será inevitável.


O Farol não é um filme fácil de ser classificado e nem todos também o entenderão completamente. Filmado em 35 mm, em preto e branco, numa imagem quadrada reduzida e por vezes muito escuro não sendo de total apreciação por parte do grande público. Se você assistiu a outra obra do diretor Robert Eggers, "A Bruxa", pode ter uma boa ideia como ele coloca as suas ideias em prática. Aqui misturou drama, suspense, fantasia e mitologia para contar a estória de dois homens cuja isolada convivência se transforma em um processo de loucura e alucinações progressivas. E a combinação de imagens (luz e sombras), o som estridente das engrenagens do farol e a tela em pequena proporção causam desconforto e claustrofobia tanto aos protagonistas quanto aos espectadores, uma forma talvez de dizer que estamos confinados juntos com esses protagonistas em suas via-crucis, uma dança da morte. 



O filme nos mostra a dupla entrando em um eminente conflito: os trabalhos mais árduos recaem sobre Ephraim que cada vez mais se irrita e se ressente com seu superior que lhe nega o acesso ao topo do farol sempre com conversas e atitudes que demonstram desprezo e ódio. A solidão do lugar começa a instigar o jovem com uma intensidade poderosa: ele encontra uma pequenina imagem de uma sereia e passa a ter sonhos com a figura mitológica (a atriz Valeriia Karaman em sua estreia). Cotidianamente, uma gaivota insiste em lhe perturbar sob o aviso de Thomas: o pássaro não deve ser ferido para não gerar infortúnio e a ira dos deuses. À noite a dupla começa a se embebedar e segredos vem a tona: o jovem trabalhava na extração de madeira e teve problemas nesse emprego enquanto Thomas se tornou tão desprezível e fascinado pelo farol que nem sua família o quis mais. Quando Ephraim não segue a advertência sobre o pássaro, estranhamente, o tempo sofre uma mudança drástica e o mar reage na mesma intensidade. Quando Thomas adverte que essa condição climática poderá impedi-los de saírem da ilha por meses o jovem percebe que terá que conviver indefinidamente com um homem que odeia e cujo o relatório de avaliação acerca de suas tarefas não lhe será favorável.




Quando um diretor resolve inserir elementos mitológicos em uma obra é de esperar que boa parte do público desconheça essas histórias, como o mito das sereias (o seu cântico que enfeitiçava os marinheiros), Proteu, Zeus e Prometeu. Ainda  que só citados, esses personagens estão inseridos na narrativa e o final, por exemplo, soa confuso, sem sentido ou insólito  para quem nunca leu nada a respeito, isso porque o diretor não quis fazer um filme fácil, na verdade sua ideia de deixar dúvidas na mente do espectador é um artifício proposital e as revelações são feitas ao longo do filme quer seja em diálogos ou circunstâncias com dois atores em cena que impressionam por uma atuação sólida e marcante: Dafoe merecia uma indicação ao Oscar por seu Thomas que envolve tanto Ephraim quanto o espectador em uma complexa teia de sentimentos contra seu personagem, enquanto Pattinson tem uma atuação marcante e madura mostrando, a quem torcia o nariz por suas atuações na Saga Crepúsculo, que o ator ainda nos brindará com outras excelente atuações no futuro.


Indicado ao Oscar de Melhor Fotografia (perdeu para "1917"), O Farol é um daqueles filmes que não permite indiferença por parte do espectador. É feito para incomodar e refletir. Tem um trabalho de figurino impecável que nos insere diretamente dentro da época proposta e a construção do farol para o filme nos revela que os envolvidos criaram um nível de detalhamento que impacta na tela. A escolha do uso do preto e branco foi mais do que acertada para criar um ambiente insalubre, desagradável e desesperançoso. Já o uso da “tela quadrada” foi uma opção do diretor para dar a sensação de falta de espaço e dar a cara de filme antigo, funciona, mas é questionável. É um filme com muitas camadas (tentarei explica-las abaixo). É instigante, mas não é para todo o tipo de público, ficando mais voltado aos apreciadores dos “filmes de arte” ou filmes "cult". É pesado na sua proposta, requer espectadores mais selecionados, mas em nenhum momento é desinteressante. Tem um final que pode ser ambíguo para os que não conhecem mitologia e de melhor compreensão para aqueles mais familiarizados com o tema. Para o grande público um filme melhor apreciado na TV, para outros, um filme essencial para ser visto na tela do cinema.

Algumas Considerações para situar o espectador (Se não assistiu, não leia)

Proteu é um "deus" marinho,  filho de Poseidon e de Tétis. Segundo a lenda tinha o dom da premonição e da metamorfose podendo se transformar em animais, vegetais, fogo, água... Para revelar seu conhecimento só amarrando-o com força.

Zeus é o pai dos deuses, Seu equivalente romano é Júpiter. Seus símbolos são o raio, a águia, o touro e o carvalho.

Prometeu na mitologia grega é um titã responsável por roubar o fogo de Héstia e dá-lo aos mortais. Zeus, temeroso dos mortais ficarem tão poderosos quanto os próprios deuses o punira pelo crime, deixando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade enquanto uma grande águia surgia e comia todo dia seu fígado — que se regenerava no dia seguinte e o acontecimento assim se repetia diariamente. Prometeu foi libertado do seu sofrimento por Hércules. 

As gaivotas que ali se encontram seriam as almas dos faroleiros que lá morreram. Matar uma gaivota seria o prenúncio de maldição.

Após acabarem as bebidas passam a tomar uma mistura a base de querosene o que pode ter precipitado a rápida loucura em ambos.

Thomas pode ter matado ou incitado seu antigo subordinado a se matar.


Thomas é um veterano com uma perna de madeira ou é coxo.

Ambos têm sentimento de culpa, ambos fogem de algo / alguém, ambos não se adaptaram a vida comum

O nome verdadeiro de Efraim é Thomas, ou seja: Há dois Thomas no filme.

"Ephraim" desafia Thomas (Proteu, um "deus"), sobe (simbolismo de escalar) a escada em espiral (o monte "Olimpo") e experimenta a luz proibida (o fogo que arrancou dos deuses; o conhecimento, todo de uma só vez), não suporta e despenca para ser comido por seus crimes (a punição à Prometeu)

Seria Thomas e Ephraim ("Thomas") a mesma pessoa? Seriam suas personalidades em conflito? Duas versões de épocas diferentes apresentadas no filme? Thomas (vellho) tem uma perna de pau (ou é coxo) e Ephraim (jovem) tem a perna quebrada quando cai do farol (queda do Monte Olimpo?) na cena final (sobreviverá e terá uma perna de pau?).

A gaivota é cega de um olho, a cabeça encontrada na armadilha da lagosta é cega de um olho (ou foi mutilado) pode significar que a gaivota continha a alma do faroleiro anterior morto



Trailer:







Curiosidades:
Willem Dafoe e Robert Pattinson afirmaram que mal falaram uma palavra um no outro no set e estavam exaustos demais para sair juntos depois de um dia de filmagem, porque as filmagens eram muito exigentes fisicamente devido às condições meteorológicas miseráveis. Enquanto Pattinson ficava em um hotel normal com o resto da equipe de filmagem durante a filmagem, Dafoe morava em uma pequena cabana de pescadores na solidão. No set, por outro lado, Pattinson costumava comer e ficar sozinho nos intervalos das filmagens, enquanto Dafoe ficava com a equipe. Ambos afirmaram que se gostaram muito assim que tiveram sua primeira conversa real alguns meses depois.

A história é muito vagamente baseada em uma tragédia da vida real de 1801 (chamada "The Smalls Lighthouse Tragedy"), na qual dois guardiões do farol galês, ambos chamados Thomas, ficaram presos em sua estação de farol durante uma tempestade. Dizem que quando um homem morre, deixa o outro louco. Outras influências foram clássicos da literatura marítima de Herman Melville e Robert Louis Stevenson, e histórias de horror cósmico de H.P. Lovecraft, bem como Algernon Blackwood.

Como o filme se passa em 1890, ele foi filmado em filme Double-X 5222 preto e branco de 35 mm, enquanto aumentava a câmera Panavision Millennium XL2 com lentes vintage Baltar desde 1918 até 1938. Isso faz com que a proporção da imagem aproximadamente 1,19: 1, que é praticamente quadrado. Para aprimorar a imagem e fazer com que ela se pareça com a fotografia antiga, um filtro ciano personalizado fabricado pela Schneider Filters emulava a aparência do filme ortocromático do final do século XIX.  

Nenhuma gaivota foi ferida durante as filmagens deste filme. Os falsos feitos de borracha foram usados ​​para uma cena em particular. A gaivota de um olho só foi tocada por três gaivotas de resgate treinadas do Reino Unido, chamadas Lady, Tramp e Johnny. O olho que faltava foi feito na pós-produção

Robert Eggers afirmou que a cena em que os olhos do personagem de Dafoe brilham a luz no rosto de Pattinson é fortemente influenciada pela pintura "Hypnose" do pintor alemão Sascha Schneider, de 1904. A última cena com gaivotas bicando em Winslow é inspirada em um quadro sem título num desenho preto e branco pelo artista belga Jean Delville em 1888.  


Jean Delville 


O roteiro não explicava o que os personagens de Wake e Winslow viam quando estavam olhando para a luz do farol (assim como a maleta em Pulp Fiction). Quando Willem Dafoe e Robert Pattinson estavam fazendo essas cenas, eles também não sabiam. O roteiro apenas explicava como seus personagens se sentiam enquanto olhavam para a luz. 

Os moradores de Yarmouth, Nova Escócia (onde o conjunto de faróis foi construído) gostaram tanto que alguns lutaram para manter e manter o farol falso durante as filmagens, mas ele foi removido por questões de segurança e porque era feito apenas de madeira . 


Cartazes:
























Inspirado em Sascha Schneider



















Filmografia Parcial
Robert Pattinson

 











A Maldição do Anel (2004); Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005); Uma Vida Sem Regras (2008); Poucas Cinzas: Salvador Dalí (2008); Crepúsculo (2008); A Saga Crepúsculo: Lua Nova (2009); A Saga Crepúsculo: Eclipse (2010); Água para Elefantes (2011); A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1 (2011); Cosmópolis (2012); A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2 (2012); Mapas para as Estrelas (2014); Rainha do Deserto (2015); Life: Um Retrato de James Dean (2015); Z: A Cidade Perdida (2016); Damsel (2018); O Farol (2019); O Rei (2019); Waiting for the Barbarians (2019); O Diabo de Cada Dia (2020); The Batman (2021)

Willem Dafoe

 











Ruas de Fogo (1984); Viver e Morrer em Los Angeles (1985); Platoon (1986); A Última Tentação de Cristo (1988); Mississipi Em Chamas (1988); Nascido em 4 de Julho (1989); Coração Selvagem (1990); Corpo em Evidência (1993); Tão Longe, Tão Perto (1993); O Paciente Inglês (1996); Velocidade Máxima 2 (1997); Santos Justiceiros (1999); Psicopata Americano (2000); Homem-Aranha (2002); Era uma vez no México (2003); Homem-Aranha 2 (2004); O Aviador (2004); xXx 2 - Estado de Emergência (2005); Manderlay (2005); Homem-Aranha 3 (2007); Anticristo (2009); 2019 - O Ano da Extinção (2009); John Carter: Entre Dois Mundos (2012); Ninfomaníaca: Volume 2 (2013); O Grande Hotel Budapeste (2014); A Culpa é das Estrelas (2014); Pasolini (2014); De Volta ao Jogo (2014); Cães Selvagens (2016); Um Homem de Família (2016); A Grande Muralha (2016); Projeto Flórida (2017); Assassinato no Expresso do Oriente (2017); Aquaman  (2018); The Last Thing He Wanted (2019); O Farol (2019)  

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