A HERANÇA DO ABANDONO ESCOLAR
Jack Duggan (Robert Bear) é uma criança que atravessa o sistema escolar sem aprender a ler ou escrever, sobrevivendo graças ao chute em provas de múltipla escolha e o desinteresse de professores. Já adulto (Dennis Weaver), trabalha como supervisor em uma fábrica conseguindo esconder com habilidade sua dificuldade com as palavras. Também atua como técnico de hóquei, tendo o próprio filho, Rusty Robert Sean Leonard), no time. Quando a empresa decide demitir parte dos funcionários e, ao mesmo tempo, promovê-lo a programador de Basic e Cobol, o pânico toma conta de Jack, que sabe que não conseguirá lidar com a nova função.
A relação com os filhos é marcada por tensão, especialmente com Rusty, que acredita que o pai não gosta dele. Jack esconde sua limitação até mesmo da família, o que cria um abismo emocional difícil de transpor. Com a filha Mônica (Michele Little), o convívio é mais leve. Apenas Margaret (Janet Carroll),sua esposa, conhece o seu segredo e tenta ajudá-lo com esquemas de símbolos e desenhos que ele usa para sobreviver no dia a dia. Mesmo assim, aprender a usar um computador, mesmo com apostila, se mostra quase impossível.
Quando Jack falha em digitar as palavras exigidas pelo chefe, sua incapacidade é interpretada como um ato de rebeldia diante das demissões. Ele acaba dispensado, mas os colegas veem sua atitude como um gesto de solidariedade. Sem revelar a verdade, Jack se torna um herói involuntário.
Aos 52 anos, ele inicia uma busca por emprego e recorre sempre à desculpa dos óculos perdidos ou com grau errado para evitar preencher formulários. Às vezes recebe ajuda, outras vezes não. A situação se agrava quando consegue trabalho como caminhoneiro. Ele tenta adaptar seus métodos de símbolos à nova rotina, mas ler placas enquanto dirige se torna um desafio perigoso, culminando em um acidente. A partir daí, decide procurar ajuda em uma biblioteca e encontra um instrutor disposto a ensiná-lo. Para sua surpresa, é Cal (Cleavant Derricks), antigo colega de trabalho.
A
produção canadense, exibida pela rede americana ABC, abre com um dado alarmante: na época, um
em cada oito adultos americanos não sabia ler e escondia isso dos colegas. O
filme escolhe mostrar como o sistema educacional falhou com Jack desde a
infância, permitindo que ele avançasse de série sem aprender o básico. Em vez
de adaptar o ensino às necessidades da criança, a escola preferiu empurrá-lo adiante,
seja por pena, seja por conveniência. Jack representa muitos alunos que o
sistema não soube alfabetizar.
A
temática continua atual. No Brasil, já convivemos com aprovação automática e
com a prática de transferir o problema para a próxima escola. Documentários
como Pro Dia Nascer Feliz (2005) expõem essa lógica. Embora o analfabetismo tenha
diminuído, ainda existem muitos Jacks espalhados pelo nosso país. E hoje enfrentamos
também o analfabetismo digital, que pode marcar profundamente as próximas
gerações se nada for feito. A massificação do ensino continua presente. Quem se
adapta segue, quem não se encaixa fica para trás. O importante é passar, mesmo
que colando. A diferença entre igualdade e equidade permanece ignorada.
O roteiro explora bem as consequências desse abandono. Jack adulto vive preso a rotinas que consegue decorar, como comer o mesmo hambúrguer todos os dias no almoço. Situações simples se tornam obstáculos, como escolher o banheiro certo em um bar que usa palavras em vez de símbolos. Seu orgulho funciona como defesa, mas também o coloca em risco. A cena em que a neta (Wanda Cannon) percebe que ele não está realmente lendo seu livro infantil é particularmente reveladora. O filme também aborda o racismo estrutural ao mostrar como a cor de Cal influencia a percepção dos demais. Espera-se que ele seja o analfabeto, enquanto a situação de Jack causa apenas estranhamento. A situação de Cal ensinando Jack incomoda alguns frequentadores da lanchonete, amigos de Jack, e mesmo quando o boato se inverte, o preconceito continua evidente.
O elenco funcionou bem. Dennis Weaver entregou uma atuação sólida e sensível. Cleavant Derricks (do seriado "Sliders: Dimensões Paralelas (1995)) surgiu na metade do filme e acrescentou energia à narrativa. Robert Sean Leonard, que mais tarde ficaria conhecido por "House", cumpriu seu papel com competência. Os demais atores contribuiram de forma equilibrada para a história.
A
Mentira é um telefilme que passou discretamente pela televisão brasileira, mas
merece ser redescoberto. É uma obra bem dirigida, com um roteiro cuidadoso e
uma mensagem que continua relevante.
Curiosidades:
Até o momento da postagem disponível no YouTube, pelo título americano com possibilidade de acionar as legendas traduzidas para o português
O filme foi indicado ao Emmy de Melhor Mixagem de Som
Dennis Weaver faleceu , em 2006, aos 81 anos, de câncer
Janet Carroll faleceu aos 71 anos de câncer
O filme foi exibido na TV a cabo no Brasil
Cartaz:
Filmografias Parciais:
Dennis Weaver
Império do Pavor (1952); Bando de Renegados (1952); A Rainha dos Renegados (1953); Com a Lei e a Ordem (1953); Jornada Sangrenta (1953); 7 Homens Enfurecidos (1955); O Grande Guerreiro (1955); Ódio Entre Irmãos (1955); A Marca da Maldade (1958); O Amanhecer da Glória (1960); Gunsmoke (seriado 1955 a 1964); Duelo em Diablo Canyon (1966); Um Biruta em Órbita (1966); Ben, o Urso Amigo (seriado 1967 a 1969); Obsessão Sinistra (1971); Encurralado (1971); Terror na Praia (1973); McCloud (seriado 1970 a 1977); Não Adormeça (1982); A Mentira (1987); A Vingança de um Pistoleiro (2000); Resgate nas Profundezas (2000); Wildfire (seriado 2005)
Cleavant Derricks
41ª DP: Inferno no Bronx (1981), Moscou em Nova York (1984), História de um Amor (1985), Policial por Acaso (1986), A Mentira (1987), A Gata e o Rato (1987 - 2 Episódios), O Parque Macabro (1998), Sliders: Dimensões Paralelas (1995–2000), Cidadão do Mundo (2001), Basilisco: A Serpente do Mal (2006), Rome & Jewel (2008), Miami Magma (2011)
Robert Sean Leonard
Meus Dois Amores (1986), Jogos Fatais (1986), A Mentira (1987), Meu Doce Vampiro (1987), Sociedade dos Poetas Mortos (1989), Cenas de uma Família (1990), Particularidades do Casamento (1991), Os Últimos Rebeldes (1993), Muito Barulho por Nada (1993), A Época da Inocência (1993), Unidos pela Esperança (1994), Confissões de um Assassino (1995), A Turma (1996), Bem-Me-Quer, Mal-Me-Quer (1996), Armadilha Selvagem (1997), Seita Da Morte (1998), Os Últimos Embalos da Disco (1998), Pânico no Ar (1998), Amargo Reencontro (2001), Alta Velocidade (2001), Vestígio do Inferno (2001), Dramas e Sonhos (2001), A Estância (2003), O Terceiro Olho (2004), Dr. House (2004–2012), Falling Skies (2013–2014 - 9 episódios), Lei & Ordem: Unidade de Vítimas Especiais (2015–2016 - 3 episódios), A Idade Dourada (2023 - 7 Episódios)
Janet Carroll (1940-2012)













Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá Cinéfilos.
Obrigado por visitarem minha página.
Estejam à vontade para comentarem, tirarem dúvidas ou sugerirem análises.
Os comentários sofrem análises prévias para evitar spans. Tão logo sejam identificados, publicarei. Quaisquer dúvidas, verifiquem a Política de Conduta do blog.
Sua opinião e comentários são o termômetro do meu trabalho. Não esqueça de informar o seu nome para que possa responder.
Visitem a minha página homônima no Facebook onde coloco muitas curiosidades sobre cinema , séries e quadrinhos (se puderem curtir ajudaria). Comentários que tragam e-mails e telefones não serão postados
Bem-vindos.
Cinéfilos Para Sempre