quarta-feira, 19 de outubro de 2022

AO MESTRE COM CARINHO / TO SIR WITH LOVE (1967) - REINO UNIDO

 


TRANSFORMANDO VIDAS

Mark Thackeray (Sidney Poitier) é um engenheiro eletrônico recém-formado e desempregado na Londres dos anos 60. Surge uma oportunidade de lecionar em uma escola, enquanto aguarda uma melhor recolocação em sua verdadeira profissão, mas o seu desafio não será nada fácil: deverá lecionar em uma escola de um bairro pobre e em uma classe cujos adolescentes são desajustados, insolentes e agressivos. A hostilidade aos poucos, se transforma em admiração com Thackeray tendo um impacto determinante na vida desses alunos.

Ao Mestre com Carinho, título brasileiro inspirado e marcante na mente dos espectadores até hoje, é uma adaptação do romance semi-autobiográfico de Eustace Edward Ricardo Braithwaite (ou E. R. Braithwaite 1912-2016), um veterano militar educado em Cambridge, filho de pais formados pela Universidade de Oxford, autor também de outros livros, que expôs sua difícil (con)vivência em uma escola no leste (East End) de Londres nos idos dos anos 50, em um país que ainda estava se recuperando lentamente da austeridade dos anos de guerra. O autor (que faleceu aos 104 anos) teria ficado insatisfeito com o filme por terem pego sua história, adaptando-a em um contexto romantizado (um típico “tratamento cinematográfico”). Depois que o filme foi lançado, o próprio Braithwaite admitiu desconhecer o paradeiro de seus ex-alunos. E para alcançar o público americano, os produtores não hesitaram em minimizar as várias questões raciais (algo comum no cinema anglo-saxão da época) abordadas no livro, como a de que Braithwaite teve seu emprego negado como engenheiro por ser negro e terminou indo lecionar na escola St George (Greenslade School no filme). Ou a do seu caso de amor com uma colega professora, polêmico na época, porque a professora era branca. Braithwaite, inclusive, levou seus alunos para vários passeios (não apenas no museu) e a confusa cena do fogo na sala de aula no filme, no livro, revela-se um absorvente íntimo queimado.

Depois de lecionar, Braithwaite mudou-se para o trabalho social, encontrando lares adotivos para crianças afrodescendentes e escreveu mais nove livros. Posteriormente, mudou-se para Paris trabalhando na Associação Mundial de Veteranos, antes de se transferir para a Unesco e ter uma carreira diplomática como representante permanente da Guiana na ONU e embaixador da Guiana na Venezuela. Após esse período mudou-se para os EUA, ensinando nas universidades de Nova York, Estado da Flórida e Howard em Washington, onde também atuou como escritor residente.

Ao Mestre Com Carinho teve a direção de James Clavell, mais conhecido por escrever para o cinema e TV as estórias dos filmesA Mosca da Cabeça Branca” (1958); “Fugindo do Inferno” (1963) e a minissérie “Shogun”. E foi seu melhor filme. Clavell soube conduzir muito bem o filme (até porque esteve também a frente do roteiro) transformando-o em um sucesso atemporal, em um filme que atravessa gerações e continua encantando. Muitos atribuem ao ator Sidnei Poitier e a canção de Lulu os grandes motivos do sucesso do filme. Houve, sem dúvida, uma grande contribuição da dupla, mas a forma como filme foi conduzido fez diferença, um ritmo que prende do início ao fim, sem mencionar as sutilezas (como a cena da lata e a do professor que lhe fala de “bonecos de vudu”) usadas para mostrar a questão do racismo velado e “casual” dessa época (em contraposição ao racismo mais explícito que acontecia nos EUA nesse período), além do contato inicial com jovens desajustados, os conflitos e a metodologia aplicada em sala e, principalmente, para a vida. Clavell nos daria um filme com várias percepções e com uma triste constatação: o filme (tirando as vestimentas e transportes) não envelheceria, muito pelo contrário, se manteria, através das décadas, atualíssimo como podemos comprovar em vários países, inclusive no nosso.  Novas metodologias foram adotadas e aplicadas, mas o sistema insiste em desvalorizar não somente os alunos, mas o elo principal dessa corrente: o professor. Na Finlândia , por exemplo, onde o salário de um professor é digno, a profissão é valorizada e há grande procura. Como os alunos darão valor a um professor se o próprio Estado lhe desvaloriza financeiramente, mandando assim uma mensagem bem explícita?

Thackeray percebeu algo bem interessante ao ingressar na classe: os jovens não tinham nenhum respeito por si próprios, e por isso não tinham respeito pelas outras pessoas. Ele aproveitou essa ideia e os desafiou a se respeitarem. Eles se diziam adultos e estavam prestes a se tornarem, logo foram tratados como adultos: com respeito, cobranças e sinceridade. Ninguém parecia se importar com os seus destinos, mas Thackeray olhou para eles e os direcionou, os ajudou a fazerem a transição para a idade adulta. Se impôs, ao dizer que queria ser chamado de “Senhor” (por isso a tradução literal do filme é “Ao Senhor, Com Amor” escrito em um maço de cigarros e entregue a Braithwaite conforme declaração do próprio) e retribuindo o mesmo tratamento. Conversou e escutou seus problemas (a maioria familiares), mostrou-se um ser humano. Claro que a realidade confrontada dia-a-dia, atualmente, é bem mais complexa. A sociedade mudou e muito dos anos 60 até os dias atuais, mas a mensagem do filme permanece inalterada, tanto que em 1996 o personagem de Poitier estaria em uma continuação, agora nos Estados unidos, “enfrentando” outra geração e outra cultura.

Quanto ao elenco, Sidney Poitier já era o grande nome do elenco e foi sua performance confiante que tornou este filme memorável. Tinha ele mesmo feito um adolescente rebelde em uma escola problemática em “Sementes de Violência” (1955). Foi indicado ao Oscar em 1959 por “Acorrentaddos” (1958) e conquistou o de Melhor ator com “Uma Voz nas Sombras” (1963), sendo o primeiro afrodescendente a ganhar o premio, somente 38 anos depois Denzel Washigton ganharia por “Um Dia de Treinamento” (2002), na qual Poitier também receberia um Oscar Honorário pelo conjunto de sua obra. E Poitier faria dois grandes filmes que abordariam o racismo de forma mais contundente: “No Calor da Noite” (1967) e “Adivinhe Quem vem para Jantar” (1967). Judy Geeson interpretando Pamela, a aluna que se apaixona pelo mestre, ainda está na ativa e teve longa carreira entre filmes e seriados. Participou da sequência em rápida aparição. Suzy Kendall, interpretando a professora Gillian Blanchard, fez um papel que mostra certa sutileza, imposto por aqueles que preferiram discretamente ocultar o relacionamento da professora com Thackeray. Curioso é haver uma cena promocional da dupla em um restaurante, mas que não está no filme (postei mais abaixo). Christian Roberts, interpretando o rebelde Denham, parou de atuar no cinema e TV em 1992 e este foi o seu primeiro filme. O ator fez muito bem seu personagem. Lulu Kennedy-Cairns (nome de batismo Marie McDonald McLaughlin Lawrie) interpretou Barbara "Babs" Pegg, uma das alunas rebeldes e que ficou famosa por sua intepretação da canção título. Curiosamente, sua canção  nos Estados Unidos foi direto para o topo das paradas o que não aconteceu na Inglaterra. Faria uma ponta na continuação de 1996. Continua cantando e atuando majoritariamente em series e telefilmes ingleses.

Ao Mestre com Carinho, ainda que minimize a questão racial, mais proeminente no livro, é considerado um clássico, um daqueles filmes que vemos e revemos de tempos em tempos e que ainda consegue nos encantar seja pelas ótimas atuações, seja pela condução da estória que foi elaborada de um modo elegante com uma temática que nunca sai de moda: um professor pode fazer a diferença na vida de seus alunos. Não foi o primeiro filme a abordar o tema, Sementes de Violência (com Glenn Ford) e Subindo por Onde se Desce (Up the Down Staircase com Sandy Dennis) foram seus precursores, mas quando falamos em filmes “de professores” não há de se esquecer de Ao mestre Com Carinho, até porque  grande parte do que foi filmado ao longo das décadas, tem um quê da fórmula deste filme, talvez o mais querido na mente dos espectadores.

 

Trailer:

 


 

 

Curiosidades:

Lulu cantou a música-tema escrita por Don Black e Mark London do filme, que, embora relegada ao status de lado B no Reino Unido, permaneceu no número um na Billboard Hot 100 nos EUA por cinco semanas

E. R. Braithwaite nasceu em Georgetown, Guiana, em 1912 e estudou em Cambridge, onde obteve um doutorado em física

Em 1973, a África do Sul da era do apartheid suspendeu a proibição dos livros de Braithwaite e, para uma visita, Braithwaite recebeu o status de 'branco honorário'. Isso lhe concedeu privilégios significativos em comparação com os sul-africanos negros. Braithwaite registrou suas experiências em seu livro de 1975, "Honorary White".

Os produtores pediram permissão para filmar no Museu Britânico para a sequência do passeio, mas foram negados apenas alguns dias antes das filmagens, embora a fotografia de fotos fosse permitida. Os fotógrafos Laurie Ridley e Dennis C. Stone receberam carta branca, acompanhando o elenco por todo o museu, criando a icônica sequência de montagem do filme.

Michael Des Barres, que interpreta Williams, o estudante que sempre usa óculos escuros, tornou-se ator, estrela do rock e marido de Pamela Des Barres; considerada a groupie mais famosa da história do rock.

O prédio da escola no filme ainda existe, mas foi convertido em apartamentos. Pode ser encontrado em 69 Johnson Street, Londres. Fica ao norte da Bacia Shadwell.

A personagem de Judy Geeson, "Pamela Dare", uma das alunas do filme, recebeu o nome da filha de Sidney Poitier, Pamela.

O poema que Pamela lê na primeira aula de Thackery é "A Peregrinação de Childe Harold" de Lord Byron. O poema que ela lê em uma aula posterior é "Love on the Island" de Byron.

O acordo de Sidney Poitier para o filme foi uma taxa fixa de US $ 30.000 mais 10% da bilheteria bruta. O enorme sucesso inesperado do filme significou que ele acabou ganhando o equivalente a US $ 45 milhões em dinheiro de hoje. (2021).

O Conselho de Controle de Publicações da África do Sul proibiu o filme.

Foi lançado "To Sir, with Love" (1974), de 30 minutos como piloto, para uma série. Devido ao fracasso, não passou desse exemplar.



Letra da Canção

Those schoolgirl days (Aqueles dias de colegial)

Of telling tales and biting nails are gone (De contar histórias e roer unhas se foram)

But in my mind (Mas na minha mente)

I know they will still live on and on (Eu sei que eles sempre existirão)

But how do you thank someone (Mas como você agradece a alguém)

Who has taken you from crayons to perfume? (Que te levou do giz de cera ao perfume?)

It isn't easy, but I'll try (Não é fácil, mas vou tentar)

If you wanted the sky (Se você quisesse o céu)

I would write across the sky in letters (eu escreveria através do céu com letras)

That would soar a thousand feet high (Que alcançariam mil pés de altura)

"To sir, with love" ("Para o senhor com amor")


The time has come (Chegou a hora)

For closing books and long last looks must end (De fechar os livros e os longos olhares demorados devem acabar)

And as I leave (E enquanto eu saio)

I know that I am leaving my best friend (Eu sei que estou deixando meu melhor amigo)

A friend who taught me right from wrong (Um amigo que me ensinou o certo do errado)

And weak from strong (E fraco de forte)

That's a lot to learn (Isso é muito para se aprender)

What, what can I give you in return? (O que, o que posso lhe dar em troca?)

If you wanted the moon (Se você quisesse a lua)

I would try to make a start (eu tentaria fazer uma estrela)

But I would rather you let me give my heart (Mas eu prefiro que você me deixe dar meu coração)

"To sir, with love" ("Para o senhor com amor")



To Sir, With Love - Lulu



A Cena Promocional não Levada às Telas:










E. R. Braithwaite






 






Cartazes:





Filmografia Parcial:

Sidney Poitier (1927-2022)







O Ódio é Cego (1950);  Sementes de Violência (1955);  Cruel Dilema (1956); Sangue Sobre a Terra (1957); Acorrentados (1958); O Sol Tornará a Brilhar (1961); Paris Vive à Noite (1961);  Uma Voz nas Sombras (1963);  Os Legendários Vikings (1964);  A Maior História de Todos os Tempos (1965); Ao Mestre, com Carinho (1967); No Calor da Noite (1967); Adivinhe Quem vem para Jantar (1967); Um Homem para Ivy (1968); Noite Sem Fim (1970); O Estranho John Kane (1971); Conspiração Violenta (1975); Atirando para Matar (1988); Espiões sem Rosto (1988); Quebra de Sigilo (1992); Ao Mestre, com Carinho 2  (1996); Mandela e De Klerk  (1997); O Chacal (1997); Rumo à Liberdade  (1998);  Construindo um Sonho (2001)


Judy Geeson







Wings of Mystery (1963); Ao Mestre, com Carinho (1967);A Arte de Conquistar um Broto (1968); Encontro Fatal em Lisboa (1968); Triângulo Proibido (1969); 007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969); Julgamento de um Traidor (1970); O Estrangulador de Rillington Place (1971); Um Grito Dentro da Noite (1972); Uma Vela para o Diabo (1973); Diagnóstico: Homicídio (1974); A Águia Pousou (1976); Dominique (1979); Planeta do Medo (1981); A Vida Secreta de Kathy McCormick  (1988); Ao Mestre, com Carinho 2 (1996); Houdini - O Mestre dos Mágicos (1998); Louco por Você (entre 1992 e 1999); Gritos na Noite (2000); As Senhoras de Salem (2012); O marido errado (2019); Waking Up Dead (2022)

Suzy Kendall 







Assassinato por Encomenda (1965);  007 Contra a Chantagem Atômica (1965); O Circo do Medo (1966); Ao Mestre, com Carinho (1967); Na Encruzilhada (1968); O Pássaro das Plumas de Cristal (1970); A Morte não Marca Hora (1970); Terror no Bosque (1971); O Medo é a Chave (1972); Terror e Loucura (1973); Berberian Sound Studio (2012)


Christian Roberts







Ao Mestre, com Carinho (1967); O Aniversário (1968); A Morte Tem Cara de Anjo (1968); O Mundo dos Aventureiros (1970); Berlin Affair (1970); O Último Refúgio (1971); Timanfaya - Amor prohibido (1972)


Lulu







Ao Mestre, com Carinho (1967); Cucumber Castle (1970); O Estranho Mundo de Alice (1982); Nellie the Elephant (seriado 1990-1991); Ao Mestre, com Carinho 2 (1996); Whatever Happened to Harold Smith? (1999); Absolutely Fabulous: O Filme (2016) 


Fontes:

Jornal do Brasil

Jornal O Globo

The Guardian

New York Times

IMDB

  

2 comentários:

  1. Boa tarde!
    Ao mestre com carinho, remete a infância. Lembro de tê-lo assistido pela primeira vez, se não me engano, na sessão da tarde quando era pequena, com meu pai. Parabéns pela análise.
    Ah, gostaria que falasse sobre o filme A Cidela dos Robinson, outro filme que lembra a minha infância.
    Abraço.
    Fabiana.

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  2. Olá Fabiana.
    Ao Mestre com Carinho é realmente um daqueles filmes que nos remetem à nossa infância. Quanto a Cidadela dos Robinson, é uma ótima pedida. Sempre gostei desse filme que passava muito na Sessão da Tarde nos idos dos anos 70 e 80. Legal você ter relembrado esse filme. Estou terminando umas análises, de uma forma mais lenta, por falta de tempo, e postarei o filme aqui. Obrigado por sempre comentar e pela dica de análise. Um grande abraço.

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