quarta-feira, 25 de julho de 2018

O ORGULHO / LE BRIO (2017) - FRANÇA / BÉLGICA


 
A FORÇA DAS PALAVRAS
Neïla Salah (Camélia Jordana), uma estudante de direito que, em seu primeiro dia na Universidade parisiense de Assas, chega atrasada 5 minutos na aula de Pierre Mazard (Daniel Auteuil). O atraso gera uma discussão entre aluna e professor que viraliza e vai parar na internet com alegações de racismo. Mazard recebe um ultimato do diretor (o ator Nicolas Vaude) da instituição: para livrar a Universidade da acusação e evitar seu desligamento por um conselho disciplinar deverá convencer Neïla a ter aulas particulares de retórica e participar do concurso na qual a instituição não vence há 4 anos. A direção não se interessa que ela vença, apenas que a aluna envolvida na celeuma se junte ao professor acusado e passe uma impressão de que está tudo bem. Sem saber desse acordo a jovem reluta, mas aceita participar das aulas de eloquência e retórica. De acordo com que a dupla se conhece, Neïla começa a se modificar e passa a observar um mundo bem diferente daquele que imaginava conhecer.


O Orgulho (Le Brio) poderia ser traduzido literalmente para "O Brio", algo como “ter brio”, ter sentimento de orgulho próprio, honra, dignidade, algo que Neïla começa a aprender aos poucos com aquele brilhante professor, mas racista, irônico e sem papas na língua.  A descendente de argelinos, que vive com a mãe e avó nos subúrbios de Paris, luta para vencer na vida, mas a segregação aos imigrantes nesse país pode ser vista sob uma representação de Mazard e os que sofrem diariamente o preconceito, em Neila. Ambos vivem sob o mesmo solo e cada um toca a sua vida, cada um demonstra pouco interesse de se inteirar sobre o outro lado. Através de professor e aluna temos um painel atual da sociedade francesa.


E aí o filme cresce. Para Mazard,  a aluna se veste mal, fala errado e tem uma pronúncia que lhe incomoda. Sua visão da justiça baseia-se no pensamento que o convencimento é mais importante do que a própria justiça. É nos tribunais que as lutas se dão e quem souber melhor a arte do convencimento logrará mais sucesso. A culpabilidade ou inocência (ou seja, a verdade) são detalhes. Os advogados ganham suas causas ao serem excelentes explanadores: terem um pensamento coerente, ao convencerem na argumentação e ao exporem suas ideias de modo que façam sentido, mesmo quando essas ideias não fazem. "A verdade não importa. É sobre estar certo." (o axioma preferido de Mazard). E o concurso de eloquência (o concurso, entre universidades, realmente existe) é um bom teste para Neila entrar no hall dos grandes advogados ou ficar em um patamar mais baixo. Para isso Mazard mostra pensamentos de Aristóteles, Nietzsche e de Schopenhauer de onde se baseia a construção de sua estratégia para vencer o concurso: "38 Estratégias Para Vencer Qualquer Debate - A Arte de Ter Razão". O tempo é curto, os concorrentes são preparados e a derrota em qualquer fase é eliminatória. E aluna e professor possuem dificuldades de se entenderem.


Mazard, um adepto do método peripatético, implica com as roupas da jovem descendente de imigrantes. O Mundo trata melhor quem se veste bem? Aquela propaganda brasileira antiga de jeans já nos falava isso. Ter uma fala que não produza confusão é importante? Ler bons livros faz a diferença? Ver o mundo por outros olhos é essencial ? romper com valores pré-estabelecidos e abraçar a realidade em que vive é tão sem sentido assim? Essas proposições vão surgindo aos poucos e Neila começa a perceber que está mudando, mais através dos olhos dos outros do que dos seus. Seu namorado, Mounir, (um jovem motorista do Uber) é uma prova disso. Ele vê a mudança em sua namorada e Neila não sabe exatamente como interpretar ou lidar com isso. A mudança de paradigma pode ser confusa, mas pode ser a revelação de um novo mundo, uma virada em uma vida destinada a um caminho. Só que para chegar nesse caminho do respeito mútuo, as agressões verbais mútuas entre a intempestiva jovem e o arrogante professor permearão a narrativa.


O diretor Yvan Attal teve um ótimo roteiro em mãos (alegou ser uma autobiografia contada através de uma personagem feminina) e soube aproveitá-lo muito bem, tendo em Camélia Jordana (uma elogiosa atuação da crítica e que recebeu o Cesar de melhor promessa feminina) sua intérprete, mas não podemos deixar de citar que Daniel Auteuil está igualmente excelente . As impressões e expressões de Mazard captadas por Neila são também captadas pelo espectador que começa a ver um homem por trás daquele que se apresenta (sempre há um outro ser humano por trás das aparências) e isso é a grande qualidade do filme: nos mostrar que primeiras impressões nem sempre são as que ficam e que muitas pessoas escondem seus sentimentos por trás de uma carapaça por inúmeros motivos. Outro destaque fica por conta do ator Yasin Houicha (como Mounir) que faz o namorado e motorista de Uber  que em dado momento irá mostrar que sua profissão não lhe priva de entender como o mundo é e mostrar a Neila em que tipo de jogo ela realmente se encontra.


O Orgulho é uma produção franco-belga bem acima da média: prende atenção desde o início e as excelentes atuações do par central e seus mundos tão diferentes nos leva a acompanhar uma história por vezes leve, outras reflexivas, com aquele humor refinado que o cinema europeu volta e meia nos presenteia. É um filme que sucinta debates: sobre nossa sociedade, sobre os dogmas que os seres humanos criam, seus preconceitos, seus valores e a questão dos imigrantes tão em voga no panorama mundial. Yvan Attal nos brinda com um roteiro que parece algo simples e que evolui, gradualmente, para algo mais complexo, pois envolve o conceito do que é a justiça no fim das contas. Tem uma narrativa dinâmica, sem atropelos e fácil de ser acompanhada, com um final bem interessante, algo que muitos filmes europeus tem certa dificuldade em acertar.

Trailer:


Curiosidades:

Música: Inner City Blues (Make Me Wanna Holler) - Marvin Gaye

Camélia Jordana também é cantora - Uma de suas músicas:
Camélia Jordana - Ce qui nous lie est là 




O livro de Schopenhauer:

 



















 Cartaz do filme:



















Filmografia Parcial:
Camélia Jordana
La stratégie de la poussette (2012); Bird People (2014); À Sua Completa Disposição (2015); Nós ou Nada em Paris (2015); Cherchez la femme (2015); O Orgulho (2018); Red Snake (2018); Curiosa  (2018)

Daniel Auteuil 
Monsieur Papa (1977); L'amour violé (1978); A Nós Dois (1979); A Banqueira (1980); Os incorrigíveis Saem de Férias (1982); Palace (1985); L'amour en douce (1985); Jean de Florette (1986); A Vingança de Manon (1986); Quelques jours avec moi (1988); Minha Estação Preferida (1993); A Rainha Margot (1994); A Separação (1994); Desejos Secretos (1995);O Oitavo Dia (1996); Os Ladrões (1996); A Garota Sobre a Ponte (1999); Sem Perdão (1999); O Acompanhante (1999); 36 (2004); Caché (2005); Contratado para Amar (2006); Conversas com Meu Jardineiro (2007); MR 73 - A Última Missão (2008); A Filha do Pai (2011); Atirador de Elite (2012); Antes do Inverno (2013); Entre Amigos (2015); As Confissões (2016); O Orgulho (2017); Amoureux de ma femme (2018) 

Nicolas Vaude
A Rainha Margot (1994); O Pacto dos Lobos (2001); Viagem do Coração (2003); As Aventuras de Molière (2007); Conversas com Meu Jardineiro (2007); O Invencível - Largo Winch (2008); Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009); Largo Winch II (2011); Cão Que Ladra Não Morde (2013); O Orgulho (2017); Méprises (2018)

Fontes:
IMDB
Jornal A Folha de São Paulo
Hollywood Reporter

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