quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

AQUARIUS (2016) - BRASIL




"QUANDO VOCÊ GOSTA É VINTAGE, QUANDO NÃO GOSTA É VELHO" 

Clara (Sônia Braga) é uma escritora e jornalista aposentada que mora no bairro de Boa Viagem em Recife. Viúva, há 17 anos, alterna sua vida entre livros, discos de vinil, memórias afetivas, sua rede de dormir e seus mergulhos na praia vigiados pelo salva vidas / bombeiro Roberval (Irandhir Santos).  Sua vida começa a sofrer uma queda na rotina quando uma construtora compra todos os apartamentos de seu prédio e lhe oferece uma quantia significativa para que abandone o local, que será transformado em um condomínio de luxo. 
Clara conhece Geraldo (Fernando Teixeira) e Diego (Humberto Carrão), avô e neto (e sócios) da empresa em questão. A princípio o cordial Diego tenta demover Clara da ideia de permanecer no local. Diante de sua negativa, resolve partir para o ataque utilizando de subterfúgios questionáveis onde tenta transformar a vida de Clara, única moradora do prédio, em um inferno.



Aquarius é o novo filme do cineasta Kleber de Mendonça Filho, diretor do premiado longa “O Som ao Redor”. O filme concorreu a Palma de Ouro no 69º festival de Cannes (mas perdeu para "Eu, Daniel Blake"). A última vez que um filme brasileiro entrou na competição foi em 2008 com “Linha de Passe”. Em 2012, Walter Salles competiu com "A Estrada", mas foi uma coprodução entre países. 



O longa veio recheado de polêmicas após o elenco ter mostrado cartazes durante a sessão de gala, em Cannes, protestando contra o impeachment da ex-presidente Dilma. Um jornalista da revista Veja propôs boicote ao filme (os produtores colocaram a frase no cartaz abaixo das outras críticas). A classificação etária do filme subiu para 18 anos (o que comercialmente diminui a arrecadação), pois o Ministério da Justiça alegou conter cenas de nudez, sexo explícito (há três cenas no filme) e drogas (o filme Bruna Surfistinha ganhou a faixa etária de 16 anos!). Há quem alegue que a indicação do filme 'Pequeno Segredo', pelo Ministério da Cultura, para tentar uma vaga na disputa do Oscar de filme estrangeiro e não Aquarius, pode ter tido motivação política. Os avaliadores informaram que o filme escolhido teria maior potencial para seduzir o júri da Academia.  Isso gerou a retirada por parte dos diretores dos filmes de “Boi Neon" e "Que horas ela volta?" da pré seleção, em apoio a Aquarius.



Nesse momento aqueles que não viram ainda o filme devem estar se perguntando: Aquarius é tão bom assim? Sim. O filme é, sem dúvida, bem realizado e com um grande elenco à frente. Um grande filme da safra atual das produções brasileiras. Particularmente, acredito que  se comparado a filmes como "Central do Brasil", "Cidade de Deus" ou "Tropa de Elite", a comparação torna-se desigual, mas em termos de um papel de forte destaque, que Sonia recebeu, podemos dizer que sua interpretação poderia entrar tranquilamente na disputa de grandes performances. Sonia Braga não fazia um filme brasileiro desde Tieta do Agreste (1996) e Memórias Póstumas de Brás Cubas (2001), este último uma coprodução com Portugal.




O filme é dividido em 3 atos: O Cabelo de Clara, O Amor de Clara e O Câncer de Clara. Nessas três partes podemos perceber vários pontos dentro da estória, abordando de forma direta alguns aspectos e outros de forma bem subjetiva. Temos a questão do câncer, que influenciou a vida amorosa de clara profundamente e que a fez carregar, em seu corpo, suas sequelas. Há uma leve abordagem, de uma forma divertida, acerca do tabu das mulheres acima de 60 anos e seus desejos amorosos. Os garotos pobres que chegam “de forma suspeita” à risoterapia na praia (nossa visão pré-concebida de um evento). Não por acaso os personagens citam o ano de 1979 como um ano difícil e brindam. Para os menos informados, 1979 foi o fim da ditadura. Temos ainda a ótima trilha sonora que conduz o momento dos personagens.
Kleber revelou, em entrevista, ter criado uma clara quase burguesa. Ela é uma pessoa que provavelmente ocuparia esse novo prédio. Não depende do dinheiro da venda de seu apartamento. Possui renda própria de seu trabalho e da renda deixada pelo falecido marido, além de 5 apartamentos.




O elenco está ótimo. Sonia Braga está excelente, num personagem que ganhou personalidade ímpar. Sua Clara é verossímil, real. Poderia ser uma pessoa que conhecemos. Irandhir Santos é outro grande ator que esteve no filme “O Som ao Redor e que faz com muita simplicidade Roberval, mas com grande relevância na trama. Maeve Jinkings , que também participou de “O Som ao Redor” faz a filha de Clara, Ana Paula, que vê com bons olhos a venda do imóvel com intuitos muito além de uma casa confortável para a mãe. Diego (Humberto Carrão) faz com perfeição o vilão da estória: irônico, dissimulado, debochado e focado em seu objetivo. Seus diálogos com Clara são sempre com um sorriso maléfico e fala mansa. Destaque para os atores Pedro Queiroz  (Tomáz); Barbara Cohen (a Clara mais nova); Julia Bernat (Julia), Buda Lira (Antônio) e Thaia Perez ( Tia Lúcia).




Aquarius é uma crítica a uma sociedade que não acredita em manter uma memória, onde tudo é descartável em prol do modernismo. É sobre uma mulher que luta por sua integridade e suas memórias. Clara resolve dizer um não, um não à sua mudança de vida forçada. Um não à sociedade que se rege pelo dinheiro e a satisfação imediata que ele traz. Um não ao poderio das corporações (num momento atualíssimo, onde construtoras estão envolvidas em operações da Polícia Federal). Um não para os que dizem o que ela deve ser ou fazer. Um não ao modelo social contemporâneo. Não é uma luta de classes. Não é sobre vender ou não um apartamento. Não por acaso o filme começa e termina com a canção “Hoje” de Taiguara, um dos símbolos da resistência à censura na época da ditadura brasileira (ironicamente o filme sofreu censura em plena democracia e luta bravamente para ser divulgado). 
Um dos melhores filmes brasileiros de 2016.

Trailer:



Curiosidades:
Sônia Braga (Sônia Maria Campos Braga) é Paraense, tem 66 anos e é radicada nos Estados Unidos.

Walter Sales coproduziu o filme

Principais Premiações:
Biarritz International Festival of Latin American Cinema 2016
Havana Film Festival 2016
International Cinephile Society Awards 2016
Lima Latin American Film Festival 2016
Mar del Plata Film Festival 2016
Palm Springs International Film Festival 2017
San Diego Film Critics Society Awards 2016
Sydney Film Festival 2016
São Paulo Association of Art Critics Awards 2017
World Cinema Amsterdam 2016

Trilha Sonora:
Hoje - interpretado por  Taiguara
Another One Bites the Dust - interpretado por Queen
Sentimental Demais - interpretado por Altemar Dutra
Toda Menina Baiana - interpretado por Gilberto Gil
Quinteto de Madeiras - interpretado por Mateus Alves
Dois Navegantes - interpretado por Ave Sangria
Quarteto de Metais -  interpretado por Mateus Alves
Jogo de Damas - interpretado por  Maria Bethânia
Recife Minha Cidade - interpretado por Reginaldo Rossi
O Quintal do Vizinho - interpretado por Roberto Carlos
O Ar (O Vento) - interpretado por Boca Livre
As Duas Estações Nordestinas (Chuva)- interpretado por Mateus Alves
Fat Bottomed Girls - interpretado por Queen
Meu Som É Pau - interpretado por Aviões do Forró
Sufoco -
interpretado por Alcione
Washboard Wiggles - interpretado por Tiny Parham & His Tiny Orchestra
Pai e Mãe - interpretado por Gilberto Gil
Canções de Cordialidade (Heitor Villa-Lobos)
interpretado por Sonia Rubinsky

Filmografia Parcial:
Sonia Braga
A Dama do Lotação (1978);Eu Te Amo (1981);Gabriela (1983); O Beijo da Mulher Aranha (1985); Mil Elos: o Preço da Liberdade (1987); Rebelião em Milagro (1988); Luar Sobre Parador (1988); Rookie: Um Profissional do Perigo (1990); Tieta do Agreste (1996); Um Drink no Inferno 3: A Filha do Carrasco (1999); Memórias Póstumas de Brás Cubas (2001); Império (2002); Baila Comigo (2005); Che Guevara (2005); Cidade do Silêncio (2006); Matemática do Amor (2010); Aquarius (2016).

Irandhir Santos
Cinema, Aspirinas e Urubus (2005); Baixio das Bestas (2006); Olhos Azuis (2009); Besouro (2009); Quincas Berro d'Água (2010); Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010); A Febre do Rato (2011); O Som ao Redor (2012); A Luneta do Tempo (2014); Aquarius (2016).

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