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sábado, 5 de outubro de 2024

O SALÁRIO DO MEDO / THE WAGES OF FEAR / LE SALAIRE DE LA PEUR (1953) - FRANÇA / ITÁLIA



EPOPEIA DA CORAGEM E DO MEDO

Em um país indefinido da América Central, aventureiros e párias de várias procedências ali se estabelecem à procura de trabalho, refúgio ou fortuna até não terem mais condições econômicas de retornarem aos seus respectivos países. O sonho dos que ali chegaram agora é evadirem-se da miséria, sordidez e do tédio da qual se encontram esperando uma oportunidade de saírem de seus próprios infernos. E a única maneira de voltar à civilização é de avião, cuja passagem é caríssima, as únicas rodovias disponíveis levam aos poços de petróleo e refinarias.


Quando um incêndio irrompe em um dos campos de petróleo, a empresa Shouthern Oil Company (empresa fictícia, mas que tem as mesmas iniciais da Standard Oil Company) resolve que a única forma de aplacar o incêndio é com nitroglicerina, um explosivo altamente volátil, mas utilizar os habitantes locais mostra-se um problema, pois, recentemente, muitos pereceram trabalhando para a empresa. A melhor alternativa mostra-se recrutar homens que não estejam vinculados à sindicatos ou que não possuam famílias, pessoas que ninguém virá reclamar. Quatro vagas são oferecidas junto com um vultoso pagamento. A missão: transportar por um caminho tortuoso de 500km dois caminhões carregados de quase meia tonelada de nitroglicerina. Os caminhões partirão com um espaço de tempo entre si, pois se um explodir, ainda há a esperança que o outro consiga completar o trajeto. Quatro homens são selecionados: Mario (Yves Montand) e Jo (Charles Vanel) que assumem a liderança e Luigi (Folco Lulli) e Bimba (Peter van Eyck) que seguirão meia hora atrás. Só que uma vez na estrada, a tensão nunca diminui, a promessa de salvação financeira se mostra imprevisível e angustiante para os quatro homens desesperados. Um dinheiro maldito para aqueles que aceitaram serem peças descartáveis.

Produção franco-italiana, “O Salário do Medo”, em seu lançamento original nos EUA, foi cortado em cerca de 50 minutos — segundo alguns, para eliminar o retrato desfavorável das empresas petrolíferas americanas que simbolizavam o imperialismo corporativo (mas foi dito que seria para atender necessidades comerciais de exibição, pois era “muito longo”). A bem da verdade, é que esse tempo inicial é dedicado a definição dos personagens tanto no plano social como no plano sentimental, sendo bem arrastado e desarticulado. Extraído do romance de Georges Arnaud – “Le Salaire de la Peur”, a produção conquistou o grande prêmio no Festival de Cannes ao criar um ambiente de constante tensão a partir da saída dos caminhões.

O diretor Henri-Georges Clouzot (1907-1977) criou uma obra simples, narrada de uma forma linear, mas cheia de elementos interessantes: retrata como as companhias americanas lidam com vidas humanas em países menos favorecidos; analisa a personalidade humana e faz um estudo do comportamento diante do medo, o medo angustiante e paralisador diante de uma eminente catástrofe; a alienação humana e social; uma notável indiferença às vidas humanas e como certas pessoas são tratadas e aceitam serem peças descartáveis por um preço. E essas pobres figuras humanas serão os heróis da estória. 

Obstáculos de toda sorte se interpõe na marcha dos veículos, sem qualquer segurança, numa estrada miserável. A angústia da plateia começa a ultrapassar a dos protagonistas. Metro a metro a perigosa carga avança para o seu destino. Uma hora a velocidade não pode diminuir, na outra devem ir muito devagar. Um balanço a mais, um buraco, uma pedra, um simples desnível na estrada, e tudo vai pelos ares. O medo progressivo transforma fortes em fracos e nos revela a riqueza que traz a miséria. Vícios e virtudes são exaltados. Clouzot nos coloca junto com os caminhoneiros, cujo o medo rouba até a dignidade de um dos protagonistas. Nervos à flor da pele. Quatro homens tentando ludibriar a morte com suas almas sendo descortinadas a cada situação limítrofe. Como não recordar da cena do estrondo apocalíptico? E a dos caminhões na plataforma de madeira frágil e inacabada? ou até mesmo a forte intensidade dramática na cena do caminhão preso em uma cratera de óleo (cenas que nos revelam muito sobre esses dois protagonistas)?. E o inesperado e irônico final, ousado, poderoso e reflexivo, que nos dias atuais, com um formato mais pasteurizado, que visa sempre o lucro e evita ao máximo o descontentamento da plateia, nenhum estúdio hollywoodiano ousaria arriscar?

O elenco central esteve muito bem. Yves Montand interpretou Mário, um jovem que se lança em uma empreitada sem medir suas reais consequências, apenas para sair daquele local. Que, com a chegada de Jo (Charles Vanel), francês como ele, passa a acompanhá-lo numa espécie de idolatria, mas que perceberá, na estrada, que seu ídolo tem pés de barro. Charles Vanel interpreta Jo, um homem de meia idade que gastou seus últimos trocados para chegar até ali. Uma pessoa que aparentemente já esteve envolvido em negócios escusos. Mostra-se um homem cheio de certezas, atrevido e ameaçador, mas quando consegue sua vaga no caminhão (de uma forma diferente dos demais) percebe que talvez tenha tomado a pior atitude de sua vida. Sua auto-alardeada coragem não se põe à prova quando ao seu lado existe um explosivo que poderá tirar sua vida antes mesmo que possa perceber. Um homem cuja maturidade o obriga a refletir qual é o seu limite. Sua interpretação rendeu-lhe, no Festival de Cannes, o prêmio de melhor interpretação masculina. Folco Lulli interpretou o italiano Luigi, um homem que recebe um diagnóstico que o torna desesperançoso quanto ao seu futuro. Entrar nessa "aventura" passa a ser a chance de aproveitar o pouco tempo que lhe resta bem longe dali. Já Peter van Eyck interpretou Bimba, um homem que sobreviveu ao trabalho forçado em um campo nazista e tornou-se uma pessoa que vê a vida em tons cinzas. William Tubbs interpretou Bill O'Brien, um homem sem escrúpulos, que conseguiu um emprego da qual não aceitará perder. Antigo conhecido de Jô, ele só deseja resolver o problema, as vidas que custarão nesse processo, para ele, é uma perda aceitável. Foi o último filme do ator, que morreu meses antes da estreia do filme. Véra Clouzot, nome artístico da brasileira Véra Gibson-Amado, foi atriz e roteirista. Casada com Georges Clouzot, atuou apenas em três filmes (todos do marido) e recebeu elogios por este filme e por “As Diabólicas” (1955). Vera interpretou Linda, a jovem apaixonada por Mário, que pouco lhe retribui afeto. Enquanto ela sonha em viver ali com seu grande amor, este a vê como um passatempo temporário. Ela simboliza o que ele menos deseja: permanecer naquele local.

 


Epopeia da coragem e do medo, ambientado no pós-Segunda Guerra Mundial, “O Salário do Medo” será sempre lembrado como um dos melhores filmes feitos nos anos 50 e cuja sua temática ou parte desta expandiu-se, de forma camuflada, para vários filmes. É um filme que muitos classificaram como cruel, mórbido, cínico, antiamericano e pessimista, mas é antes de tudo uma aula de cinema. Talvez seu maior defeito seja a longa metragem no primeiro arco (início) da estória, que define a ambientação e os personagens. Mas quando o filme “começa”, mostra-se uma obra única. Gerou também uma refilmagem elogiada pela crítica, dirigida pelo diretor de “Operação França” e “O Exorcista”: “O Comboio do Medo” (Sorcerer) em 1977. 

 

Trailer:

 


 

Curiosidades:

Yves Montand e Charles Vanel sofreram de conjuntivite após filmar em uma piscina de petróleo bruto e serem expostos a vapores de gás.

 As filmagens começaram em 27 de agosto de 1951 e estavam programadas para durar nove semanas. No entanto, vários problemas atormentaram a produção. O sul da França teve uma estação chuvosa incomum naquele ano, fazendo com que veículos atolassem, guindastes caíssem e cenários fossem destruídos. O diretor Henri-Georges Clouzot quebrou o tornozelo. Véra Clouzot adoeceu. A produção estava 50 milhões de francos acima do orçamento. No final de novembro, apenas metade do filme estava concluída. Com os dias ficando mais curtos por causa do inverno, a produção foi interrompida por seis meses. A segunda metade do filme foi finalmente concluída no verão de 1952.

Acusações de antiamericanismo levaram a censura dos EUA a cortar várias cenas importantes do filme.

Henri-Georges Clouzot planejou originalmente filmar o filme na Espanha, mas Yves Montand se recusou a trabalhar na Espanha enquanto o ditador fascista Francisco Franco estivesse no poder. As filmagens ocorreram no sul da França, perto de Saint-Gilles, na Camargue. A vila vista no filme foi construída do zero.

Este foi o primeiro filme a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e o Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim.

Esta foi a estreia cinematográfica de Véra Clouzot . Ela era esposa do diretor Henri-Georges Clouzot . Ela atuou em apenas três filmes, todos para seu marido.

Yves Montand - na época mais conhecido como cantor - ficou bastante intimidado por seu colega de elenco mais experiente, Charles Vanel, que inevitavelmente arrasava nas cenas em apenas uma ou duas tomadas.

Foi o quarto filme de maior bilheteria do ano na França.

A opinião consensual, juntamente com fatos históricos, sugere que a Venezuela, rica em petróleo, era o país mais provável em que O Salário do Medo teria ocorrido logicamente. De fato, há cenas no filme em que os povos indígenas estão usando chapéus bombin (tipo coco), que são tradicionalmente usados ​​em certos países da América do Sul, como Bolívia e Peru, mas não na América Central. No livro sugere ser Guatemala.

O primeiro papel dramático de Yves Montand .

32 anos antes de Super Mario Bros. ser lançado para o NES, este filme apresenta dois personagens chamados Mario e Luigi.

Em 1:22, a melodia que Bimba toca em sua gaita é "Der Gut Kamerad", tradicionalmente associada a funerais militares alemães. Essa melodia também é usada em A Raposa do Mar (The Enemy Below), quando um marinheiro alemão é enterrado no mar.

Observem como o personagem Mario, de Yves Montand, ainda fuma seu cigarro permanente, mesmo sob efeito de nitro.

Colorido em 1996 com a aprovação da filha de Henri-Georges Clouzot .

A versão restaurada tem 153 minutos

O filme foi proibido na Guatemala  em 1955 e os livros retirados das livrarias. Livros também foram recolhidos na Argentina

Vera Clouzot era filha do embaixador brasileiro Gilberto Amado

Em seu lançamento original nos EUA (1955) foi cortado em cerca de 50 minutos.

Véra Clouzot faleceu aos 46 anos em decorrência de um ataque cardíaco


Cartazes:

 



 

Filmografias Parciais:

Ives Montand (1921-1991)






Estrela Sem Luz (1946), Portas da Noite (1946), Lembranças do Pecado (1950), Paris é Sempre Paris (1951), O Salário do Medo (1953), Nossos Tempos (1954), Napoleão (1955), Os Heróis Estão Cansados (1955), O Homem que Vendeu a Alma (1955), Homens e Lobos (1957), As Virgens de Salem (1957), A Grande Estrada Azul (1957), A Lei dos Crápulas (1959), Adorável Pecadora (1960), Santuário (1961), Mais uma Vez, Adeus (1961), Minha Doce Gueixa (1962), Crime no Carro Dormitório (1965), A Guerra Acabou (1966), Paris Está em Chamas? (1966), Grand Prix (1966), Viver por Viver (1967), Sr. Liberdade (1968), Laços Eternos (1968), O Diabo Pela Cauda (1969), Z (1969), A Confissão (1970), Num Dia Claro de Verão (1970), Os Guerreiros Pilantras (1970), O Círculo Vermelho (1970), Mania de Grandeza (1971), Tudo Vai Bem (1972), Estado de Sítio (1972), Ange, O Gangster (1973), Sessão Especial de Justiça (1975), O Selvagem (1975), Calibre Python 357 (1976), O Grande Espertalhão (1976), Encurralado Para Morrer (1977), Um Homem, uma Mulher, uma Noite (1979), I... como Ícaro (1979), A Escolha das Armas (1981), Que Figura, Meu Pai (1982), Garçom! (1983), Jean de Florette (1986), A Vingança de Manon (1986), IP5 - A Ilha dos Paquidermes (1992)

 

Charles Vanel (1892-1989)






Alma de Artista (1924), A Agonia do Submarino (1926), Romance de uma Princesa (1927), A Escrava Branca (1927), Sua Última Noite (1927), Beijo de Apache (1927), Rainha Luiza e Napoleão (1928), Acusada, Levante-se! (1930), Cruzes de Madeira (1932), Em Nome da Lei (1932), Heróis Sem Pátria (1934), Os Miseráveis (1934), A Última Cartada (1934), Tripulantes do Céu (1935), Mulher Mascarada (1935), Vertigem de uma Noite (1936), Camaradas (1936), Abuso de Confiança (1937), S.O.S. Sahara (1938), A Brigada Selvagem (1939), A Lei do Norte (1939), Virgem e Pecadora (1945), Em Nome da Lei (1949), O Coração no Mar (1950), Os Implacáveis (1950), A Encruzilhada (1951), A Última Sentença (1951), O Salário do Medo (1953), Se Versalhes Falasse... (1954), As Diabólicas (1955), Ladrão de Casaca (1955), Defendo o Meu Amor (1956), A Morte no Jardim (1956), O Traficante Sinistro! (1957), Desforra (1958), Prisioneiros do Desejo (1958), O Gorila em Conflitos Alucinantes (1958), Os Barqueiros do Volga (1959), Ninho de Espiões (1959), A Verdade (1960), Tintin e o Mistério do Tosão de Ouro (1961), Rififi em Tóquio (1963), Sinfonia para um Massacre (1963), Um Homem de Confiança (1963), O Canto do Mundo (1965), Acerto de Contas (1971), Camorra (1972), A Mais Bela Noite da Minha Vida (1972), Receita para Sete Mortos (1975), Cadáveres Ilustres (1976), Boomerang (1976), Três Irmãos (1981) 

 

Folco Lulli (1912-1970)






O Bandido (1946), Delito (1947), Trágica Perseguição (1947), A Filha do Capitão (1947), Fora da Lei (1947), O Diabo Branco (1947), Sem Piedade (1948), Ao Diabo a Fama (1949), Totó Procura Casa (1949), Páscoa de Sangue (1950), Mulheres e Luzes (1950), Mercado Infame (1951), Os Filhos de Ninguém (1951), Outros Tempos (1952), O Salário do Medo (1953), Resgate (1953), Nós, Os Canibais (1953), A Pecadora da Ilha (1954), A Grande Esperança (1954), O Diabo do Deserto (1955), Arroz Maldito (1956), Todos Somos Necessários (1956), Rapto de Mulheres (1956), Londres Chama Polo Norte (1956), Olho por Olho (1957), Serenata dos Canhões (1958), O Escudo Romano (1959), A Grande Guerra (1959), Maria das Ilhas (1959), A Noite dos Perseguidos (1959), Sob Dez Bandeiras (1960), A Rainha dos Tártaros (1960), Esther e o Rei (1960), Os Bravos Tártaros (1961), Espadachim Mercenário (1961), O Rapto das Sabinas (1961), A Vingança dos Vikings (1961), Epopéia de Bravos (1962), Marte, Deus da Guerra (1962), Os Valentes não Se Rendem (1962), A Marca da Vingança (1963), Os Companheiros (1963), D'Artagnan Contra os 3 Mosqueteiros (1963), Marco Polo, O Magnífico (1965), O Incrível Exército Brancaleone (1966), A Fúria do Raio (1966), Analfabeto e Cabeçudo (1966), Um Roubo em Paris (1967), Inferno no Oeste (1968), Uma Viúva Toda de Ouro (1969)

 

Peter van Eyck (1911-1969)





Os Filhos de Hitler (1943), Noite Sem Lua (1943), Cinco Covas no Egito (1943), O Capanga de Hitler (1943), O Impostor (1944), Endereço Desconhecido (1944), Epílogo (1950), Furioso (1950), Dançarina Infernal (1950), Raposa do Deserto (1951), Amor de Casbah (1952), O Salário do Medo (1953), Marinheiro do Rei (1953), Ao Sul do Sahara (1953), A Sombra da Noite (1954), A Grande Paixão (1954), Tarzan e os Selvagens (1955), Cada Bala uma Vida (1955), Um Salto no Inferno (1955), Grilhões do Passado (1955), Crime na Madrugada (1955), O Vício Singra o Mississipi (1956), Dois Destinos se Encontram (1956), Morte sem Glória (1956), Os Covardes Também Amam (1957), Todos Podem Me Matar (1957), Ídolo do Pecado (1958), Meias Pretas, Noites Quentes (1958), Acorrentados pelo Pecado (1959), Crime Depois das Aulas (1959), Os Mil Olhos do Dr. Mabuse (1960), Emboscada no Cairo (1960), Quem com Ferro Fere... (1962), O Mais Longo dos Dias (1962), Cinco Homens a Desejavam (1963), Ronda de Amantes (1963), O Mistério da Ilha dos Thugs (1964), O Espião que Saiu do Frio (1965), A Outra Face da Felicidade (1966), O Homem que Valia Bilhões (1967), Rosas Vermelhas para Hitler (1968), Tarefa Sinistra (1968), Shalako (1968), A Ponte de Remagen (1969) 

 

William Tubbs (1907-1953)





Sinfonia fatale (1947), Ao Diabo a Fama (1949), Os Piratas de Capri (1949), 13º Homem (1950), Táxi de Noite (1950), A Sombra da Águia (1950), Vivamos Hoje (1951), 3 Passos ao Norte (1951), Quo Vadis (1951), Totò in Guardas e Ladrões (1951), O Filho de Outra Mulher (1952), A Máquina de Matar Pessoas Más (1952), A Carruagem de Ouro (1952), O Salário do Medo (1953)

 

Véra Clouzot (1913-1960)





O Salário do Medo (1953), As Diabólicas (1955), Os Espiões (1957)



quarta-feira, 21 de agosto de 2024

MARCADO PELA SARJETA / SOMEBODY UP THERE LIKES ME (1956) - ESTADOS UNIDOS


A VITÓRIA DO PERDEDOR

Thomas Rocco Barbella ou “Rocky Barbella” é filho de uma mãe dedicada (Eileen Heckart) e de um boxeador que não logrou sucesso na carreira (Harold J. Stone) tornando-se um pai alcoólatra e abusivo. O pequeno Rocky cresce num ambiente tumultuado e se transforma em delinquente juvenil praticando furtos e se envolvendo em conflitos com outros jovens. Suas atitudes desafiadoras e insolentes, frente as autoridades, inclusive em um julgamento, o levam a um reformatório. Ali, continua sua sina de provocar problemas sendo transferido para uma prisão. Logo descobrirá, através das palavras de um dos guardas, que ali eles não reformam ninguém, apenas punem, sendo logo conduzido para a solitária por 30 dias. Após uma visita de sua mãe à penitenciária, o jovem percebe que talvez ali não seja o seu lugar. Ele conhece Frankie Peppo (Robert Loggia) que lhe diz que seus punhos e agressividade poderiam ser melhor canalizados em uma academia de boxe, lhe indicando uma, caso se interessasse.

Rocky cumpre sua curta pena, mas, tão logo deixa as portas da penitenciária, é “convocado” para as forças armadas. Sua atitude não muda, terminando por agredir um oficial. Ele se ausenta sem licença e não retorna, indo na academia indicada por Peppo. Logo sua disposição com os punhos é percebida por Lou Stillman (Matt Crowley) e o jovem começa uma série bem-sucedida de lutas com o nome de Rocky Graziano (sobrenome de solteira da mãe), mas não tarda a ser descoberto recebendo uma pena de um ano e uma baixa desonrosa das forças armadas.

Graziano retorna com o mesmo ímpeto às lutas e conhece Norma (Pier Angeli), um doce jovem que não gosta de lutas, mas que se transformará em um porto seguro para o lutador. Após uma nova série de vitórias, Rocky sofre uma pesada derrota nas mãos do campeão dos médios Tony Zale (Courtland Shephard). Uma nova luta é marcada, mas o surgimento de Frankie Peppo pode destruir sua carreira. Peppo oferece suborno, mas Graziano prefere não lutar alegando lesão. A comissão de boxe suspeita da situação e cancela sua licença, suspendendo assim sua luta ao título.

Marcado pela Sarjeta foi a consagração de Paul Newman como ator. Até então vindo de papéis menores em series e da estreia no cinema  em um fiasco comercial, “O Cálice Sagrado” (1954), da qual nem sua atuação ficou imune de críticas. Caso sua atuação não lograsse sucesso, talvez o ator tivesse uma carreira menos promissora em Hollywood. E se em Vidas Amargas Paul Newman quase ganhou o papel de James Dean, aqui houve uma inversão. O papel da Cinebiografia de Rocky Graziano estava guardado para Dean, mas a morte precoce do ator possibilitou Newman de agarrar a oportunidade e o resto é história. Mas Newman não foi a primeira opção, Montgomery Clift foi uma primeira escolha, mas recusou. Rod Taylor também foi cogitado e seu teste agradou tanto que lhe ofereceram um papel significativo em “A Festa de Casamento” (1956). A bem da verdade é que Newman talvez não fizesse uma grande atuação em “Vidas Amargas” e Dean talvez não funcionasse como um boxeador (funcionaria como o jovem rebelde).

Muito se fala que Marcado Pela Sarjeta, cujo o título “Somebody Up There Likes Me” se traduziria por “Alguém Lá em cima Gosta de Mim” (alguém lembrou desse título brasileiro no filme de 1977 com George Burns e John Denver?), muito se deve ao diretor Robert Wise (1914-2005). Wise, conhecido por filmes como “O Dia em que a Terra Parou” (1951), “Amor, Sublime Amor” (1961), “A Noviça Rebelde” (1965) e “Jornada nas Estrelas: O Filme” (1979) já havia feito um filme de boxe celebrado pela crítica e público: “Punhos de Campeão” (1949) com Robert Ryan. O diretor pegou o livro escrito pelo próprio Graziano e coescrito com Rowland Barber (a MGM comprou os direitos antes mesmo de sua publicação) e sabiamente utilizou uma fotografia em preto e branco (de Joseph Rottenberg que levou o Oscar) que realçou Nova York e deu o tom certo à atmosfera da cidade. Podemos dizer que “Amor, Sublime Amor” (West Side Story) teve aqui o seu primeiro laboratório. Wise cobriu a infância de Graziano até sua vitória na segunda luta sobre Tony Zale (e omitiu a terceira luta em que Graziano perderia, assim como a seguinte que também perderia agora para Sugar Ray)

Mas o foco central do filme não é o boxe em si, ainda que tenhamos lutas bem coreografadas. É sobre um jovem que com uma infância problemática e fora de controle, tinha tudo para passar seus dias em uma penitenciária ou aguardando a cadeira elétrica (um azarão frente à vida com todas as probabilidades contra si) e como algumas pessoas tiveram um impacto em sua vida: sua mãe, sua esposa e seu treinador que nunca desistiram dele. O filme mostra que o maior instigador para continuar naquela vida era o próprio Graziano. Sua maior luta foi fora dos ringues contra seu maior inimigo: ele próprio e suas decisões equivocadas. Seu treinador dirigiu sua fúria para os ringues. Sua mãe sempre tentava aconselhá-lo a ter uma vida íntegra lhe advertindo, inclusive, que sua constante preocupação a tinha levado a um sanatório e que talvez um dia não a visse mais. E sua esposa, lhe deu o conforto da alma, apaziguando seu demônio interior e o transformando em um homem de verdade. Interessante sabermos que na vida real (não transposta para o filme) Graziano tornou-se amigo íntimo do futuro lutador Jake La Motta, e ambos, jovens problemáticos, frequentaram a mesma escola de reforma juvenil. La Motta teria sua própria filmografia com “O Touro Indomável” (1980) tendo Robert De Niro à frente do personagem. Talvez por possuir um personagem tão real, repleto de falhas, Marcado pela Sarjeta tenha agradado tanto. Claro que a direção eficiente de Wise (um outrora editor de filmes – por exemplo de Orson Wells), retratando o mundo pugilístico sem rompantes de exageros, e cercado de um grande elenco, fez toda diferença: uma cinebiografia vibrante e consistente, que traz o espectador para o lado de Graziano quando ele começa a mudar.

Muitos dizem que Rocky Balboa de Stallone nasceu neste filme, há certo sentido, quando percebemos certos aspectos: um imigrante italiano; um perdedor até então; o casamento com uma namorada judia; o rosto inchado dos golpes... Mas o filme é principalmente sobre um homem que cresceu com um ressentimento contra tudo e contra todos, mas que escapou de uma vida precoce de crimes triunfando no ringue de boxe. Graziano saiu do círculo vicioso que o cercava e o espectador vê, em determinado momento, que nem todos conseguiram, como seu melhor amigo Romolo (Sal Mineo) perdido nas misérias dos cortiços. Ao rever Rômulo, Graziano vê um possível futuro que lhe aguardava.

O elenco teve atuações inspiradas. Paul Newman (no melhor estilo da Actor's Studio) abraçou a chance que teve e entregou um personagem elogiável pela imprensa da época, que precisava expor várias camadas de sentimentos ao longo do filme, apesar de haver aqueles que achavam que copiava Marlon Brando e não convencia como ítalo-americano. Sua elogiada atuação foi a arrancada que precisava para se transformar em estrela. Quem apenas conhece o ator de filmes em que estava mais velho e em papéis mais comedidos poderá ter uma grata surpresa. E temos muitos atores fazendo suas estreias no cinema, sem serem creditados: Robert Loggia (com um personagem que quase destrói a redenção do pugilista), Steve McQueen (um dos delinquentes no alto do prédio), George C. Scott (em uma cena ao fundo na prisão) e Dean Jones. Harold Stone, como o pai desiludido e desagradável de Rocky, se sobressai nos escassos tempos em que aparece em cena. Everett Sloane interpreta o homem que ajuda Graziano em sua caminhada pelo mundo do boxe. Angela Cartwright (do seriado “Perdidos no Espaço”) faz a garotinha. Pier Angeli (que havia feito “O Cálice Sagrado” com Newman) entregou uma ótima atuação. Eileen Heckart interpretando a mãe de Rocky e Sal Mineo, como melhor amigo, trouxeram a gama de sentimentos que o filme precisava.

Marcado pela Sarjeta é sobre uma pessoa que acreditou que enfrentar o mundo era o único caminho. Um jovem que se blindou com uma armadura de insolência e revolta. Um rapaz que acreditava que suas companhias de vida delinquente eram a vida que estava destinado a ter. É sobre como ele se permitiu abraçar um futuro pelo esporte (e como o esporte salva vidas) e como encontrou pessoas certas pelo caminho dispostas a acreditarem nele, mesmo quando sofreu um revés. É um filme sobre a esperança, sobre não parar de acreditar, sobre enfrentar os momentos turbulentos que a vida apresenta para alguns. Há muitos “Grazianos” vagando no mundo, por isso o filme pode ser visto como inspirador para os que estão perdidos. Um filme acima da média em sua temática e realização.

Trailer:

 


 

 

Curiosidades:

Indicado a 3 Oscar conquistando 2: Melhor Fotografia em preto e Branco e Melhor direção de Arte Preto e Branco

O filme seria originalmente filmado em locações na cidade de Nova York em Technicolor, com James Dean no papel principal. No entanto, após a morte repentina de Dean e sua substituição por Paul Newman, foi decidido que o filme deveria ser em preto e branco e filmado em estúdio. O diretor Robert Wise achou que os cenários pareciam falsos e os usou apenas para cenas noturnas, enquanto filmava as cenas diurnas no local.

Houve alguma oposição à escalação de Paul Newman, pois aos 31 anos ele já era seis anos mais velho do que James Dean seria, e seu primeiro filme O Cálice Sagrado (1954) foi um desastre crítico e comercial. 

Eileen Heckart, que interpretou "Ma Barbella", era apenas seis anos mais velha que Paul Newman, que interpretou Rocky Barbella. Ela nasceu em 1919 e ele em 1925.

Paul Newman treinou muito para o papel com a ajuda de Tony Zale. Ele treinou tanto que Zale parou de brincar com ele e bateu nele. Zale explicou mais tarde que precisava mostrar quem era o chefe entre ele e Newman.

Os diretores Robert Wise e Paul Newman tentaram conversar com Rocky Graziano sobre si mesmo, mas não conseguiram; ele fez os dois falarem sobre si mesmos.

O recorde vitalício de Rocky Graziano no boxe foi 67(v)-10(d)-6(e) (52 KO). Ele está no Hall da Fama do Boxe e é listado pela Ring Magazine como um dos "100 melhores Punchers de todos os tempos".

Embora devessem ter a mesma idade, Paul Newman era na verdade 14 anos mais velho que Sal Mineo.

Al Silvani, que interpretou o cut man (uma pessoa que trata os lutadores durante os intervalos) de Rocky Graziano, interpretou o cut man em Rocky, um Lutador (1976).

Paul Newman (Rocky) e Sal Mineo (Romolo) apareceram mais tarde em Exodus (1960).

Sal Mineo (Romolo) e Harold J. Stone (Nick Barbella) apareceram mais tarde como pai e filho em um episódio de Havaí 5.0 (1968).


Rock Graziano & Paul Newman










Cartazes:



Filmografias Parciais:

Paul Newman  (1925–2008) 





O Cálice Sagrado (1954); Marcado pela Sarjeta (1956); O Mercador de Almas (1958); Gata em Teto de Zinco Quente (1958); Paixões Desenfreadas (1960); Exodus (1960); Desafio à Corrupção (1961); O Indomado (1963); Caçador de Aventuras (1966); Hombre (1967); Rebeldia Indomável (1967); Butch Cassidy (1969); Meu Nome é Jim Kane (1972); Golpe de Mestre (1973); Inferno na Torre (1974); Quinteto (1979); 41ª DP - Inferno no Bronx (1981); Ausência de Malícia (1981); O Veredicto (1982); Meu Pai, Eterno Amigo (1984); A Cor do Dinheiro (1986); O Início do Fim (1989); Blaze - O Escândalo (1989); Na Roda da Fortuna (1994); O Indomável - Assim É Minha Vida (1994); Estrada Para Perdição (2002)

Pier Angeli (1932-1971)





Amanhã Será Tarde Demais (1950), Amanhã É Outro Dia (1951), Teresa (1951), O Milagre do Quadro (1951), O Diabo, a Mulher e a Carne (1952), A História de Três Amores (1953), México de Meus Amores (1953), Melle. Não Me Toques (1954), Paixão e Carne (1954), O Cálice Sagrado (1954), Viva Las Vegas (1956), Marcado pela Sarjeta (1956), Vindima Trágica (1957), Viva o Palhaço! (1958), Momentos de Angústia (1960), Sodoma e Gomorra (1962), Mosqueteiros do Mar (1962), Pânico em Bangkok (1964), Uma Batalha no Inferno (1965), Abutres do Vale do Sol (1966), Caça aos Violentos (1968), Rosas Vermelhas para Hitler (1968), O Poderoso Frank Mannata (1969), Octaman (1971)  

Eileen Heckart (1919–2001)






Marcado pela Sarjeta (1956); Nunca Fui Santa (1956); Semente Maldita /Tara Maldita (1956); Uma Face para Cada Crime (1968); Liberdade para as Borboletas (1972); Hannah, A Esposa Comprada (1974); A Mansão Macabra (1976); Um dia de Sol no Natal (1977); O Clube das Desquitadas (1996). 

Sal Mineo (1939–1976) 





Dominado Pelo Crime (1955); Juventude Transviada (1955);  Rua do Crime (1956); Marcado pela Sarjeta (1956); Assim Caminha a Humanidade (1956); O Rei do Ritmo (1959); Exodus (1960); O Mais Longo dos Dias (1962); Crepúsculo de Uma Raça (1964); A Maior História de Todos os Tempos (1965); Cavalgada Sangrenta (1966); Krakatoa, O Inferno de Java (1968); 80 Passos para a Felicidade (1969); Fuga do Planeta dos Macacos (1971); A Família Rico (1972) 

Robert Loggia (1930–2015)

 




Marcado pela Sarjeta (1956); Clima de Violência (1957); Pistola do sertão (1963); A Maior História de Todos os Tempos (1965);  Resgate Fantástico (1976); Morte na Rua (1976); A Vingança da Pantera Cor-de-Rosa (1978); A Força do Destino (1982); Psicose - 2ª Parte (1983); Scarface (1983); A Honra do Poderoso Prizzi (1985); O Fio da Suspeita (1985); Adoradores do Diabo (1987); Big - Quero Ser Grande (1988); Gladiator- O Desafio (1992); Inocente Mordida (1992); Apóstolo Pedro e a Última Ceia (2012).  

 

Steve McQueen (1930-1980)





Girl on the Run (1953); Marcado pela Sarjeta (1956); O Rei e Eu (1956);  Os Dez Mandamentos (1956); Anastacia, a Princesa Esquecida (1956); Lafite, o Corsário (1958); A Bolha Assassina (1958);  Crepúsculo Vermelho (1959); Salomão e a Rainha de Sabá (1959); O Testamento de Orfeu (1960); Sete Homens e um Destino (1960); Mais uma Vez, Adeus (1961); Fugitivos de Zahrain (1962; Taras Bulba (1962); Os Reis do Sol (1963); Sacrifício Sem Glória (1964); Convite a Um Pistoleiro (1964); A Mesa do Diabo (1965); À Sombra de um Gigante (1966); O Ópio também é Uma Flor (1966); A Volta dos Sete Homens (1966); Espionagem Internacional (1966); Os Turbantes Vermelhos (1967); Villa, o Caudilho (1968); Um Beatle no Paraíso (1969);  Sabata Adeus (1970); O Farol do Fim do Mundo (1971); Anna and the King (1972); Papillon (1973); Westworld: Onde Ninguém tem Alma (1973); O Guerreiro do Futuro (1975); Mundo Futuro: Ano 2003, Operação Terra (1976); Na Trilha da Morte (1976) 

 

George C. Scott (1927–1999).

Marcado pela Sarjeta (1956); Árvore dos Enforcado (1959); Anatomia de um Crime (1959), Desafio à Corrupção (1961), Dr. Fantástico (1964); A Bíblia (1966); Patton - Rebelde ou Herói? (1970); Os Novos Centuriões (1972); O Dia do Golfinho (1973); O Dirigível Hindenburg (1975); Hardcore - No Submundo do Sexo (1979); A Fórmula (1981); Toque de Recolher (1981); Oliver Twist (1982), A Rosa da China (1983), Chamas da Vingança (1984); Os Assassinos da Rua Morgue (1986); Os Últimos Dias de Patton (1986), O Exorcista III (1990); Anjo Decadente (1990), Malícia (1993), Tyson, o Mito (1995); Em Defesa da Honra (1996), 12 Homens e uma Sentença (1997); Rocky Marciano  (1999); Glória, a Mulher (1999), O Vento Será Sua Herança (1999). 

Harold J. Stone (1913-2005) 



 

 


Punhos de Campeão (1949), A Trágica Farsa (1956), Marcado pela Sarjeta (1956),  Homem Errado (1956), De Volta da Eternidade (1956), Calúnia Sangrenta (1957), Alucinado pela Vingança (1957), Clima de Violência (1957), A Casa dos Homens Marcados (1957), Fama a Qualquer Preço (1959), Spartacus (1960), Os Corruptos (1961), A Vida Íntima de Quatro Mulheres (1962), Abatendo um a um (1963), O Homem dos Olhos de Raio-X (1963), Culpado ou Inocente (1963), A Maior História de Todos os Tempos (1965), Louco por Garotas (1965), O Massacre de Chicago (1967), O Fofoqueiro (1967), Qual o Caminho para a Guerra? (1970), Os Sete Minutos (1971), O Flash da Morte (1974), A História de Rodolfo Valentino (1975), Um Trapalhão Mandando Brasa (1980) 

Everett Sloane (1909-1965)






Cidadão Kane (1941), Jornada do Pavor (1943), A Dama de Shanghai (1947), O Favorito dos Borgia (1949), O Príncipe Ladrão (1951), A Raposa do Deserto (1951), Ainda Há Sol em Minha Vida (1951), A Grande Chantagem (1955), Marcado pela Sarjeta (1956), Sede de Viver (1956), Até o Último Alento (1958), A Casa da Colina (1960), O Amor Tudo Vence (1961), Os Guerrilheiros (1962), O Otário (1964), O Bagunceiro Arrumadinho (1964) 

Angela Cartwright 

 






Marcado pela Sarjeta (1956), Sangue Sobre a Terra (1957), Lad: O Cão Maravilhoso (1962), A Noviça Rebelde (1965), Perdidos no Espaço (1965-1968), Dramático Reencontro no Poseidon (1979), Lutando pelo Futuro (1983), Perdidos no Espaço: O Filme (1998)

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

VIDAS AMARGAS / EAST OF EDEN (1955) - ESTADOS UNIDOS


 ALEGORIA BÍBLICA

Salinas Valley, Califórnia, 1917. Cal (James Dean) circunda uma vizinhança na cidade de Monterrey para descobrir quem é a dona do bordel local. Na verdade, ele apenas deseja confirmar suas suspeitas: ela é Kate (Jo Van Fleet), sua mãe, que seu pai Adam Trask (Raymond Massey) sustentava aos filhos, quando pequenos, que falecera e “fora para o céu”.

Adam Trask é um rico agricultor local que reprova constantemente os modos com a qual seu filho Cal conduz sua vida, mas demonstra grande afeto por seu outro filho, Aron (Richard Davalos), que namora Abra (Julie Harris), desejando esposá-la. Para Cal há sempre sermões e leituras de versículos bíblicos, para Aron, elogios. Mas a vida toma outro rumo quando Adam enfrenta um revés, em um negócio malsucedido, praticamente levando-o a falência. E tudo piora quando Cal confronta o seu pai a respeito de Kate e o porquê de seu destino. Enquanto isso, o amor de Abra começa a mudar de lado. As relações familiares começam a se deteriorar, sem que Aron saiba o destino de sua mãe. Cal, na ânsia de agradar ao pai, entra em negócio que lhe trará lucros, com a chegada da primeira Guerra Mundial, mas sua atitude não será a que imaginara por parte do pai.

Vidas Amargas é um filme originário do livro homônimo de John Steinbeck, publicado em 1952, cujo diretor Elia Kazan (que vinha de Sindicato de Ladrões), em seu décimo primeiro filme, o primeiro em cores (Warnercolor), preferiu não abordar as três gerações apresentadas no romance. Kazan resolveu filmar os capítulos finais, a partir da relação diferenciada do patriarca para com seus dois filhos e como isso viria a destruir os laços familiares de forma trágica.

Vidas Amargas se revela em seu título original, “East of Eden”, mostrando-se uma alegoria bíblica da história de Abel e Caim, mas com suas devidas mudanças. Kazan se preocupou em compor a história em torno de seus cinco personagens centrais, modificando situações, excluindo personagens e trocando épocas. Na Bíblia (Gênesis), Caim partiu para a terra de Nod, a Leste do Éden (daí o título “East of Eden”). Provavelmente, por motivos comerciais, o distribuidor brasileiro considerou Vidas Amargas como um título que traria mais público aos cinemas. E não foi um título ruim, pois se encaixou na estória.  

Vidas Amargas não é um espetáculo que divirta, mas que faz refletir, apresentando uma moral ambígua em vários pontos. O mal não existe só em Caim (Cal) e o bem não é privilégio somente de Abel (Aron). Um conto repleto de citações bíblicas, aproximando-se de uma tragédia grega. Steinbeck / Kazan tentam nos dizer que o mal ou o bem não são frutos de uma predestinação, mas um estado de coisas. Adam (referência a Adão) vivia com Kate (uma analogia a Eva) em seu rancho (o paraíso) com seus dois filhos (não vemos a infância, apenas a adolescência destes), mas sua “Eva” não gostava do “paraíso” nem do comportamento do marido (muito religioso e austero). Ela queria viver de emoções, uma vida diferente (a maçã) e abandonou o paraíso em Salinas partindo para Monterrey (ao leste do “Éden”). Adam, rejeitado e amargurado, fracionou o seu amor entre os filhos: Caleb “Cal” (outro nome bíblico) e Aron (também bíblico). Aos seus olhos, passou a ver Cal parecido com sua esposa, uma “herança genética ruim”: arredio, irrequieto, explosivo, contestador e indiferente aos ensinamentos bíblicos que ministra. Quanto à Aron, acha que parece consigo: um jovem quieto, religioso e considerado bom moço, um modelo de probidade. Ao conhecer a mãe e como esta se encontra, Cal passa a acreditar que realmente herdou a “herança maldita”, mas ainda assim busca de todas as formas o afeto que o pai lhe nega (e talvez esse seja um problema do filme, pois não vemos como Adam diferenciou esse afeto durante a infância de seus filhos – a condensação dos capítulos do livro transformou, no início, Cal em um “rebelde sem causa” aos olhos do espectador). Cal se sente ferido, enjeitado. Sente a maneira desigual como é tratado, inveja o irmão e colhe o ódio deste quando Aron percebe que Abra parece mudar de lado o seu afeto. Aqui, este “Caim” talvez seja o personagem mais humano, repleto de contradições.

Quanto ao elenco, a atuação de James Dean, em seu primeiro filme, foi criticada por imitar o estilo de atuação de Marlon Brandon. A morte prematura do ator, aos 24 anos, em um desastre de automóvel, próximo ao local de onde se passa a estória do livro, chocou o público. James Dean, além deste filme, fez apenas mais dois “Juventude Transviada” (1955) e “Assim Caminha a Humanidade” (1956) tornando-se um ícone que atravessa gerações. Seu Caleb é um jovem que se julga mau por força da hereditariedade, que deseja fazer o bem, mas faz o mal que não queria, um jovem em busca de sentido para a própria vida e que com a aproximação de Abra descobre que pode ser senhor de si mesmo. Quando o pai rejeita seu presente, ele se sente humilhado e expulso do coração deste. Quando Carl usa o punhal (o punhal é simbólico, mas seu efeito é real) essa destruição repercute de forma avassaladora.  Raymond Massey interpretou um pai amargurado pela partida e pela opção de vida da esposa, que tentou esconder dos filhos até onde pode. Um filho que aprecia e outro que ele não compreende e vê na rebeldia do mais novo uma identificação com sua esposa, que o incomoda e o afasta deste (mesmo que já não mais perceba), com isso termina por alimentar o ódio surdo entre os irmãos. Estreia de Jo Van Fleet, aos 38 anos,  no cinema e que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Sua Kate mostra-se uma mulher dura, repleta de melancolia, mas que alardeia sucesso comercial. Estreia também no cinema de Richard Davalos, interpretando o filho bom que vive numa “torre de marfim”, sem capacidade de suportar a rudeza da realidade. Ele começa a ver Abra se interessar pelo irmão e toma uma atitude, atitude essa que gera uma atitude mais forte e que repercutirá diretamente na vida do pai dali em diante. A cena no trem, com um rosto fulminando como um raio, é uma das mais impactantes e revela todas as emoções contidas. Julie Harris fez uma Abra delicada e sensível, que parece ser a única a compreender Cal, ela também fora privada de afeto materno. Ela se vê entre a forte atração por Cal e a vontade de amar Aron que lhe inspira segurança. O ator Harold Gordon interpretou um imigrante alemão que começa a sofrer ataques, de seus outrora amigos, com a chegada da Primeira Guerra. Burl Ives faz uma rápida aparição como o xerife.

Produzido e dirigido por Elia Kazan, Vidas Amargas pode ser classificado como amargo e cruel, humano e brutal. Um filme que descreve o estado da alma dos personagens. O drama de Caim e Abel inspirando o autor a traçar um paralelo entre Caleb e Aron. Um filme que aborda como o ambiente pode transformar pessoas, como a falta de amor e compreensão pode destruir à volta e como não saber aceitar certas situações pode destruir uma pessoa. Virtude e vício não se imitam, mas se praticam voluntariamente. Talvez a mensagem final do filme seja dar e aceitar o perdão.

 

Trailer:

 

Curiosidades:

O compositor Leonard Roseman também faria a partitura de Juventude Transviada

Elia Kazan foi indicado sete vezes ao Oscar e ganhou por "A Luz é Para Todos" (1948) e "Sindicato dos Ladrões" (1955)

Para alguns, James Dean provou ser bastante difícil de lidar durante a produção. Houve momentos em que o ator se recusou a sair do camarim ou a falar com alguém. A única maneira de Dean ser remotamente receptivo era se o filme estivesse sendo discutido.

Elia Kazan afirmou que sentiu uma conexão pessoal com o papel de Cal em uma entrevista várias décadas depois de fazer este filme. Kazan disse que “a imagem do menino é muito clara para mim, eu conheci um menino assim, ou seja, eu mesmo”.

Elia Kazan ficou atraído pela história porque também tinha um relacionamento tenso com seu próprio pai, um homem severo e implacável, como Adam Trask no romance, que nunca aprovou realmente o caminho de vida de seu filho. Kazan também queria fazer um filme que atacasse o ponto de vista puritano personificado por Adam Trask.

Depois que chegaram a Los Angeles para iniciar a produção, Elia Kazan acompanhou James Dean para visitar seu pai distante, que morava lá na época. Ele testemunhou em primeira mão o quanto o pai tratava Dean e o quanto o menino queria agradá-lo. Ao conhecer melhor Dean, Kazan percebeu como esse relacionamento havia incutido nele muita raiva por causa do amor frustrado, a chave para o personagem Cal: "Foi o elenco mais adequado que já fiz em minha vida."

Um dos filmes favoritos de Nicolas Cage. Em 2014, Cage admitiu que começou a atuar porque “queria ser James Dean”.

As citações da Bíblia são do Salmo 32 versículos 1-2 e 5-7 (a leitura à mesa) e Gênesis capítulo 4 versículos 9 e 16 (citadas pelo xerife).

Muitos membros do elenco e da equipe, especialmente o diretor Elia Kazan, comentaram que James Dean estava frequentemente despreparado no set e não sabia suas falas. Dean se desviaria consideravelmente do roteiro em muitas tomadas, algumas das quais eram carregadas de emoção e, em última análise, usadas na versão final do filme. Raymond Massey ficou indignado com o que considerou ser a falta de profissionalismo de Dean e passou a desprezar o ator durante a realização deste filme.

Foi bem divulgado que James Dean e Paul Newman fizeram testes juntos para papéis neste filme, o que levou à grande entrada de Dean na indústria cinematográfica. Embora Newman não tenha conseguido o papel para o qual testou neste filme, as carreiras dele e de Dean foram tragicamente interligadas. Indiscutivelmente, a grande chance de Newman em Hollywood veio no papel de Rocky Graziano em “Marcado pela Sarjeta (1956)” do ano seguinte. James Dean foi escalado para interpretar o papel antes de seu acidente fatal de carro e o papel acabou indo para seu amigo Paul Newman.

Este é o único dos "três grandes" filmes de James Dean a ser lançado antes de sua morte e o único que ele assistiu pessoalmente na íntegra.

Richard Davalos disse que, com a ajuda de James Dean, ele assumiu tanto o papel de irmão que levou dois anos para superar isso. Os dois se comportaram juntos fora do set, exatamente como fizeram na história. Quando eles dividiram um pequeno apartamento por um tempo, disse Davalos, eles se tornaram Aron e Cal “até os dentes".

Vidas Amargas (1955) oferece um exemplo marcante do "Método" do Actors' Studio, que atingiu seu apogeu na época deste lançamento, com muitos de seus atores - e seu diretor - defensores vivos do estilo. Isso explica a qualidade exagerada que muitas vezes permeia o filme, com interrupções frequentes, diálogos superficialmente memorizados e respostas físicas extremas quando os atores estão entrando ou saindo das cenas. Isso fica particularmente evidente quando Julie Harris compartilha a tela, já que ela foi uma das poucas atrizes de teatro daquela época que evitou o Método, optando por confiar em seus próprios instintos.

Na época do lançamento do filme, muitos críticos não ficaram impressionados com a atuação de James Dean. A reclamação mais frequente era que ele imitava o estilo de atuação de Marlon Brando. O "New York Times" e a "Variety" foram particularmente duros em suas críticas e consideraram Dean uma cópia barata de Brando

James Dean recusou-se a comparecer à festa de estreia, o que quase lhe custou o papel em Juventude Transviada (1955)

Para se sentir o mais desconfortável possível na cena da roda gigante, James Dean recusou-se a urinar o dia inteiro até que a sequência fosse concluído. Ele também se recusou a fazer uma cena com Julie Harris em um telhado inclinado. Elia Kazan superou sua relutância embebedando o ator.

Na cena em que Adam se recusa a aceitar o dinheiro de Cal, o roteiro pedia que Cal se afastasse de seu pai com raiva. Foi instinto de James Dean abraçá-lo. Isso foi uma surpresa para Raymond Massey, que não conseguiu pensar em nada para fazer a não ser dizer: "Cal! Cal!" em resposta.

Elia Kazan negou os rumores de que não gostava de James Dean: "Você não pode gostar de um cara com tanta dor... Você sabe como um cachorro será mau e rosnará para você, então você dá um tapinha nele e" Ele está em cima de você com carinho? Foi assim que Dean fez." Kazan interveio severamente, no entanto, quando Dean começou a sentir seu poder como uma estrela emergente e tratou os membros da tripulação com desrespeito.

Vários membros do elenco relataram que as emoções de James Dean o dominavam com tanta força que ele chorava com frequência. Elia Kazan geralmente deixava esses momentos passarem antes de retomar as filmagens, mas ele deixou um dos colapsos de Dean - a cena em que Cal é arrasado pela rejeição de seu pai ao dinheiro que ganhou para ele.

Elia Kazan primeiro brincou com a ideia de escalar Marlon Brando como Cal e Montgomery Clift como Aaron, mas aos 30 e 34 anos, respectivamente, eles eram velhos demais para interpretar os irmãos adolescentes de John Steinbeck. Ironicamente, Paul Newman, de aparência jovem, um ano mais novo que Brando, foi finalista para o papel de Cal, que acabou sendo interpretado pelo amigo de Newman, James Dean. Dean era sete anos mais novo que Newman.

Anthony Perkins fez o teste com Elia Kazan para o papel de Cal. Kazan não o considerou adequado para o papel, mas em vez disso contratou Perkins para o papel principal de Tom Lee no segundo ano da série original da Broadway de "Tea and Sympathy", que Kazan também dirigiu. 

A música ouvida na cena do carnaval em que James Dean e Julie Harris acabam juntos na roda gigante, traz a mesma versão calíope de "Ain't She Sweet" usada na sequência do carrossel do clássico filme de Alfred Hitchcock, Pacto Sinistro (1951).

 

 

Cartazes:



Filmografia Parciais:

James Dean (1931-1955)






Danger (seriado - 1950 - 4 episódios), Vidas Amargas (1955), Juventude Transviada (1955), Assim Caminha a Humanidade (1956)


Jo Van Fleet (1915-1996)






Vidas Amargas (1955), Eu Chorarei Amanhã (1955), A Rosa Tatuada (1955), Esse Homem é Meu (1956), Sem Lei e Sem Alma (1957), Terra Cruel (1957), Rio Violento (1960), Cinderella (1965), Rebeldia Indomável (1967), O Abilolado Endoidou (1968), 80 Passos para a Felicidade (1969), Quase, Quase uma Máfia (1971), O Inquilino (1976), Power (1980)

 

Julie Harris (1925–2013)






Vidas Amargas (1955); As Sete Mulheres de Minha Vida (1957); Réquiem Para um Lutador (1962); Desafio do Além (1963); Hamlet (1964); Caçador de Aventuras (1966); O Refúgio Secreto (1975); A Viagem dos Condenados (1976); O Aniquilador (1986); Nas Montanhas dos Gorilas (1988); Como Agarrar um Marido (1992); The Way Back Home (2006); The Golden Boys (2008); The Lightkeepers (2009)

 

Raymond Massey (1896-1983)


 

 



A Tira Salpicada (1931), A Casa Sinistra (1932), Lábios Pecadores (1937), O Poder de Richelieu (1937), O Prisioneiro de Zenda (1937), O Libertador (1940), A Estrada de Santa Fé (1940), Invasão de Bárbaros (1941), Vendaval de Paixões (1942), Fugitivos do Inferno (1942), Comboio Para o Leste (1943), Este Mundo é um Hospício (1944), Um Retrato de Mulher (1944), Fogueira de Paixão (1947), Conflito de Paixões (1947), Vontade Indômita (1949), A Morte não é o Fim (1950), Vingador Impiedoso (1950), David e Betsabá (1951), O Gênio da Ribalta (1955), Vidas Amargas (1955), 7 Homens Enfurecidos (1955), A Morte Tem Seu Preço (1958), O Grande Impostor (1960), Vitória dos Bravos (1961), Os Soldados da Rainha (1961), A Conquista do Oeste (1962), Dr. Kildare (seriado 1961–1966), O Ouro de Mackenna (1969)

 

Richard Davalos (1930-2016) 


 

 


Vidas Amargas (1955), Mares Violentos (1955), Morrendo a Cada Instante (1955), Os Invencíveis (1960), A Mansão do Dr. Caligari (1962), Rebeldia Indomável (1967), Os Guerreiros Pilantras (1970), Os Três Super-Tiras (1979), Mercenários das Galáxias (1980), Perseguição Mortal (1981), No Templo das Tentações (1983)

 

Burl Ives (1909-1995)






Furacão Negro (1946);  Vidas Amargas (1955); Da Terra Nascem os Homens (1958);  Os Grandes Deste Mundo (1956); Gata em Teto de Zinco Quente (1958);  Jornada Tétrica (1958); Quadrilha Maldita (1959); Labirinto de Paixões (1962); Um Gênio Entrou Lá em Casa (1964); O Barco do Desespero (1964); Aqueles Fantásticos Loucos Voadores (1967);  O Império dos Homens Maus (1970); Psicose Diabólica (1970); Nas Profundezas das Bermudas (1978);  As Novas Aventuras de Heidi (1978); Cão Branco (1982);  Vigaristas do Barulho (1986); Um Toque de Sedução (1988)