Ali Aksu (Tuncel
Kurtiz) é um homem de origem turca vivendo na Alemanha. Um dia, ao passar por
uma rua de prostitutas, conhece Yeter Öztürk (Nursel Köse). Após algumas
"visitas" este lhe propõe morar em sua casa, onde lhe dará o mesmo dinheiro
que conseguiria com o trabalho. Sendo ameaçada por um grupo, ela vê na situação
uma saída para a vida que leva.
Ao morar com Ali, Yeter conhece seu filho, Nejat (Baki
Davrak), que trabalha como professor em
uma universidade. A vida do casal começa a se deteriorar rapidamente, mesmo com
o consentimento de seu enteado em relação a sua antiga profissão. Ela confidencia a Nejat que é mãe de uma jovem
chamada Ayten (Nurgül Yesilçay, mas um acontecimento trágico muda tudo.
Nejat
tentará localizar a Ayten,que se encontra
aliada à causa de um grupo turco de resistência contra a situação política
vigente.
Ayten conhece Lotte
Staub (Patrycia Ziolkowska) e a paixão entre as duas surge de imediato, para o
desespero da mãe de Lotte, Susanne(Hanna Schygulla). Quando Ayten é presa e deportada, Lotte larga tudo e
vai de encontro à jovem precipitando um novo evento trágico.
Sutil parece ser o termo mais adequado para se referir a
este filme, pois é assim que a trama trata os seus vários elementos. O tema
central é sobre desencontros, relacionamentos entre pais e filhos, perdas (de
vida, de liberdades). Sobre as diferentes visões que as pessoas possuem da
realidade na vida dessas três famílias: uma alemã e duas turcas.
O filme apesar de centrar-se mais em Ayten, uma
personagem politizada, não envereda para o lado político o que, para o povo
brasileiro que desconhece o conflito, que envolve minorias curdas, reformas políticas e sociais, além doPartido dos Trabalhadores do Curdistão, em 3
décadas de impasse, vem bem a calhar. Através de alguns diálogos o espectador
poderá compreender algumas dessas reivindicações.
O filme não entra na questão
de quem está certo ou errado, apenas mostra um breve embate filosófico entre
Ayten e Susanne. A produção optou por
não seguir um plano linear e praticamente começa do fim. Perto do final, as
cenas são repetidas se encaixando perfeitamente, completando as informações que
levam seus personagens aos seus destinos.
Falando em destino, o filme meio que passa a mensagem de
um propósito na vida, já que todos os personagens no fundo não são exatamente
felizes. Cada um, dentro de seu micro universo, sobrevive como pode e nesse
ponto é que o diretorteuto-turco, Fatih
Akin ( do filme “Contra a Parede”), junta tão
primorosamente o destino destas três famílias a partir de um simples fato. E
nem sempre o final é feliz para todos. Assim como a vida real, a felicidade são
momentos e, neste filme, ela é difícil de ser notada.
Com uma bela fotografia, o filme, que pode ser
considerado de arte (o que faz muitas pessoas torcerem o nariz). É voltado a
reflexão e não agradará aos amantes das tramas escapistas e passageiras. Indicado para quem gosta de assistir tramas
mais densas, estrangeiras e fora do esquemão hollywoodiano.
Os atores, sem exceção, estão muito bem. Com destaque
para a famosa atriz Hanna Schygulla (O Casamento de Maria Braun; Lili Marlene). Schygulla interpreta uma mãe,
como tantas outras, que quer apenas o melhor para sua filha e tenta protegê-la
do perigo, mesmo sabendo que os jovens são impulsivos por natureza. Sua
personagem começa de modo bem simples na trama e vai ganhando força até o fim.
Quando entra em cena, a atriz rouba as atenções. Destaque também para Nurgül
Yesilçay, a jovem Ayten, e Baki Davrak comoNejat Aksu.
Se você procura um filme estrangeiro que tenha uma boa
história, ótimos atores, “Do Outro Lado” pode ser uma boa pedida, ainda que alguns possam associar o tema a “Babel”, “Short
Cuts - Cenas da Vida”, “Crash” e Magnólia, filmes que também contam histórias
paralelas de personagens para juntá-los no fim. Tal qual um quebra cabeças, “Do
Outro Lado” tem seu jeito próprio de contar e conduzir ahistória, o que o torna bem diferente dos três
filmes citados.
Trailer:
Curiosidades:
Vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de
Cannes
Filmografia Parcial:
Hanna Schygulla
O Casamento de Maria Braun (1979); Lili Marlene (1981); Casanova E a Revolução (1982); Antonieta (1982); Comando Delta (1986); Voltar a Morrer (1991); Lea (1996); A Garota dos Seus Sonhos (1998); Terra Prometida (2004); Do Outro Lado (2007); Pandemia (2012).
O MUNDO QUE A TV NÃO TEM INTERESSE EM MOSTRAR
E QUE AS PESSOAS NÃO TEM INTERESSE EM VER
Órfão
curdos vivem refugiados num acampamento, situado no Curdistão, próximo à
fronteira do Iraque com a Turquia, recolhendo minas que são vendidas no
comércio local, às vésperas da chegada das tropas americanas ao Iraque (em
2003) e a posterior deposição do ditador Sadam Hussein.
O filme é visto pelos olhos de Satellite (Soran Ebrahim), que aguarda
ansiosamente notícias da guerra, enquanto encontra o seu primeiro amor em meio
a uma vida pouco digna. Satellite é o responsável por cuidar das crianças
órfãs. Seu estilo é direto. Ele determina o que as crianças devem ou não fazer.
Diz quando trabalhar, no que trabalhar. Mas ele é um garoto justo, apesar de
muitas vezes impor suas vontades no grito (influência do ambiente ditatorial em
que vive)
O
cineasta apresenta Satellite como uma criança quase entrando na adolescência,
mais mental do que física. O menino tem esse apelido por instalar antenas
comuns e parabólicas, sendo o mais procurado, pelos mais ávidos por notícias
sobre a eminente chegada das tropas americanas. Ele entendeu de certa maneira
como é o mundo: manda, faz acordo de preços, vende e funciona como tradutor
americano. Aprendeu que ter um conhecimento globalizado o coloca acima dos
demais. Mas Satellite não entende inglês, apenas algumas frases, palavras e
expressões, mas numa terra em que ninguém praticamente compreende o idioma,
qualquer coisa que invente será considerada como verdadeira. Uma realidade
dessa situação fica bem visível quando os anciões da aldeia colocam-se em
frente da TV e pedem que Satellite traduza as notícias do canal CNN. Aparece a
figura de Bush falando sobre a guerra que se aproximava. Ele fala que Bush está
falando que vai chover. Diante da incredulidade do que ali estão ele repete que
o presidente americano está falando de chuva, mas que é um código e inventa uma
desculpa para se desviar do assunto. Em outra situação, ele pede que uma pessoa
se passe por estrangeiro, enquanto fala poucas palavras como se estivesse dialogando.
Sua explicação é simples: as pessoas dão mais valor se você conhece outro
idioma e muito mais se este for americano. Essa cena é reflexiva: se você não
quer aprender, será governado por aqueles que querem e adaptar-se as mudanças é
essencial para se viver num mundo de mudanças políticas
Satellite
tem um grande culto a tudo que vem dos Estados Unidos: produtos tem mais valor,
as pessoas, armas, qualquer utensílio vale mais como objeto de troca. Há uma
cena em que o menino conversa no caminhão sobe o filme Titanic, mostrando até
onde o sucesso americano atingiu. O que Satellite vai perceber a duras penas é
que ele e seus comandados são aleijados por minas, as mesmas que eles veem como
fonte de lucro. Escolhem colher as minas americanas (pelo melhor valor da
mercadoria) e as revendem a míseros valores, seja através de um negociante ou
num mercado para conseguirem comida e utensílios. Minas que aparentemente
voltarão para as mãos dos americanos a um custo baixíssimo.
O
diretor Bahman Ghobadi utilizou pessoas do dia-a-dia daquela realidade. Aqui
não temos radicais, pessoas contra o regime americano, agitadores. Temos
pessoas comuns que vivem praticamente em uma tenda e um cobertor para dormirem.
Usando, na maioria das vezes, as mesmas vestes. As crianças não brincam:
acordam, correm atrás de trabalho e conseguem um mísero dinheiro. O dia
termina, dormem e levantam cedo novamente para recolher minas ativas. E o
processo se repete todos os dias. Combate ao trabalho infantil? Isso aqui não
existe. Não há lugar para isso.
O diretor permeia o filme com uma critica a
invasão americana na cultura: as parabólicas passam os canais de reportagem e
os proibidos: sexo e dança. Todos obedecem e não assistem os que não são
permitidos. Saber palavras americanas dá status. Utensílios americanos
são ouro. Filmes mostram uma vida completamente diferente do contexto em que
vivem. A chegada dos soldados é considerada salvação, a ideia de um futuro
melhor. Quando os soldados chegam à aldeia, distribuem panfletos, exaltam a
liberdade e levam os habitantes para verem os canais proibidos (uma referência
clara a imposição de uma nova cultura, atropelando a antiga). Não há um
posicionamento político por parte do diretor, há uma crítica a absorção de outra
cultura e a perda de uma identidade histórica.
Satellite
gosta de uma jovem (que parece uma menina), refugiada, chamada Agrin (Avaz
Latif) que vive com seu irmão Hengov (Hiresh Feysal Rahman), que não possui as
mãos, além de uma criança pequena que cuidam. Agrin demonstra por Satellite, no
mínimo curiosidade e este a vê como seu primeiro amor. Enquanto Satellite
cultua os EUA, Agrin, uma menina em torno de seus 14 anos, tem outros problemas
a lidar. A criança pequena que carrega é seu filho, vítima de estupro de
soldados das tropas que massacram curdos na região e que mataram seus pais num
ataque a sua aldeia. Enquanto Hengov faz de tudo para cuidar como pode da
criança, Agrin só deseja se livrar dela. Na sua cultura uma jovem com um filho,
não sendo casada, da forma como foi concebido, é uma vergonha até o fim da vida
e, provavelmente, sem pretendentes. A menina entende que vê-lo é relembrar
diariamente seu tormento, algo que não lhe sai da cabeça e que a leva a desejar
até mesmo o suicídio. Podemos entender que o diretor fez um paralelo à chegada
americana: agrada a Satellite, afinal é um dos poucos que compreendem o idioma,
logo sua interação nesse mundo lhe será benéfica, além do fim da opressão ao
seu povo, enquanto para Agrin é um mundo onde não a aceitarão pela desonra
sofrida.
O
temor de um ataque químico mostra o que essas pessoas já passaram. Em
determinado momento de suas vidas são oferecidas máscaras contra gás, para um
membro de cada família, orientando que a máscara é para determinado gás identificável
através da cor.
Apesar
de certa crítica aos EUA, podemos perceber que as mazelas da guerra não só
causadas por um lado. Aqueles que fomentam a guerra e impõe suas vontades,
colocam seus peões no tabuleiro. Quando a guerra começa, as peças menos
importantes a serem sacrificadas são estes peões. O Rei sempre cai por último.
Tartarugas
Podem Voar não é um primor de montagem, ritmo e outras especialidades do cinema
convencional. Ghobadi resolveu centrar na discussão do papel da guerra e suas
vítimas que são as verdadeiras afetadas. Seu relato é mais cru e sua visão do
jogo de poder é muito bem elaborada, ainda que alguns reclamem de que o filme
tenha certa morosidade. O elenco é amador, colhido entre os habitantes, mas a
impressão passada é de que são atores. É a guerra que você não vê na TV. Nada
de explosões, através lentes com visão noturna, exibidas em noticiários. Um
trunfo que torna o filme ainda mais merecedor de aplausos.
Mas
não é um filme para todos os públicos. É direcionado aqueles que gostam de ter
uma visão do mundo do ponto de vista de aonde as coisas acontecem. A ideia é
mostrar que aquelas pessoas são seres humanos como nós, vivendo em condições
absurdas, enquanto o resto do mundo vira seus olhos para a vida de culto a
personalidades (algumas delas completamente fúteis), programas vazios, viagens
a ótimos lugares e discussões em site de relacionamentos. O mundo tem essas
duas faces, não há como negar. Enquanto uns riem, outros choram. Aqui é sobre
os que choram, mas não são ouvidos. Um mundo que a mídia prefere não
mostrar. A realidade é feia e suja e ninguém quer ficar chateado ao ligar a TV
ao acordar ou ao dormir. A sensação de inércia e impotência é algo que o
espectador rejeita. Trocar de canal e sorrir, esquecendo de um mundo que não
faz parte da realidade, é o caminho mais prático e, para muitos, o mais certo.
Por
isso filmes como as Tartarugas Podem Voar chocam. Muitos críticos dizem que é
um soco no estômago. Mas o soco no estômago é para quem vive em outro mundo e,
possivelmente, o caso de muitos críticos. Não há nada que uma pessoa que esteja
ciente do que acontece no mundo real, não tenha visto ou lido. Para aqueles que
já leem o mundo da forma como ele é, verão um filme que conta uma realidade
cruel como tantas outras, não evitando aquela sensação de indignação, mas
sabendo que em muitos lugares do planeta o tema deste filme foi, é, ou será, um
relato crível de uma realidade. Multidão de crianças órfãs, fome, miséria,
falta de educação (porque a situação não permite ou porque não é interessante).
Faltam médicos, remédios, além da imposição de crenças e/ou valores (seja pelos
atuais representantes que os mantém no cabresto ou pelos que surgirão). Tudo
isso pode ser observado neste filme, mas depende muito de como os seus olhos
estão abertos em relação ao mundo que você vive: o real ou mundo de “Matrix”
?
O
título é uma alusão as minas terrestres que tem um formato de carapaça igual as
das tartarugas, que ao serem ativadas, explodem voando aos pedaços.
Conforme
o Wikipédia: “Curdistão é uma região com cerca de 500.000 km² distribuídos em
sua maior parte na Turquia e o restante no Iraque, Irão, Síria, Armênia e
Azerbeijão. Seu nome, que vem do persa e significa "terra dos
curdos", foi cunhado em 1150 pelo sultão Seljúcida Sanjar para designar
uma parte do Irã ocidental”