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terça-feira, 23 de outubro de 2018

DOIS DIAS, UMA NOITE / DEUX JOURS, UNE NUIT (2014) - BÉLGICA/ FRANÇA / ITÁLIA




A SOLIDARIEDADE É UTÓPICA ?

Sandra (Marion Cotilard) é uma empregada de fábrica que, ao voltar de licença médica, descobre-se desempregada. E mais: houve uma votação por sua saída em troca de um abono de 1000,00 euros no final do ano. Sandra fica perplexa com a atitude da empresa, mas uma amiga consegue encorajá-la a agendar uma nova votação onde, se a maioria aceitar abrir mão do abono, seu chefe a aceitará de volta. Sandra inicia sua peregrinação de dois dias e uma noite (ou seja, o final de semana) para se encontrar com seus colegas de trabalho e convencê-los a voltarem atrás.


Produção belga, "Dois Dias e Uma Noite" tem uma temática, a princípio muito singela, e aparenta que pouco poderá ser extraído de algo tão básico, mas a saga da mãe de família, com dois filhos pequenos, que ajuda o marido no orçamento da família, e luta contra a competição voraz que assola as empresas, vai numa crescente que conecta o espectador ao drama de Sandra.


E sentimentos começam a aflorar: raiva daqueles que se negam pela ganância, compreensão daqueles cujo valor ajudará no sustento da família e alegria com os que  abrem mão de um bem que poderiam lhes aliviar o orçamento. Sandra baterá de porta em porta e cada um de seus colegas terá um motivo para aceitar ou não. Tem que ser maioria, só esse resultado interessa e outros fatores contribuem para a cruzada de Sandra se tornar ainda  mais difícil.



A força do filme está na interpretação de Marion Cotilard. Ainda que a gama de coadjuvantes tenha ajudado e muito o filme a funcionar é Marion que prende o espectador: alegria, dor, revolta, resignação, esperança. Despida de maquiagem, a atriz entrega uma atuação tão forte que sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz tornou-se mais do que justificada. E ao lado de Sandra, o marido Manu (Fabrizio Rongione) que tenta lhe dar força. Sabe os motivos do afastamento da esposa e tenta empurrá-la a não desistir, mesmo com a saúde abalada. E o tom realista que os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne  imprimem à narrativa funciona com diálogos diretos, aliado a um painel do drama social europeu que a globalização trouxe, além de um dilema que Sandra carrega durante todo o longa .
 


Dois dias e uma noite levanta questões acerca do comportamento humano e social. A humanidade vive numa solidariedade utópica? Ainda há lugar para pessoas pensarem e se sacrificarem em prol do próximo? O dinheiro fala mais alto? A carência da maioria sobrepõe-se a de uma única pessoa ou de minorias? As empresas se tornaram frias e indiferentes? A responsabilidade social de uma empresa só existe nos bancos universitários? No final talvez seja apenas um retrato pungente de uma trabalhadora que deseja apenas um pouco de empatia e solidariedade nesse mundo tão frio.

Trailer:




Curiosidades:
O filme foi o representante belga pré-indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2015 , mas não entrou na corrida. O prêmio da Academia ficou para o longa "Ida" (Polônia)

O Oscar de Melhor Atriz ficou para Julianne Moore por "Para Sempre Alice"  ´

Marion Cotillard aceitou estrelar o filme antes de ler o roteiro.

A ideia original do filme surgiu no início dos anos 2000, quando os irmãos Dardenne leram sobre um caso real em uma grande fábrica francesa. Havia um trabalhador cuja produção não era boa o suficiente e para os outros trabalhadores receberem seus bônus, essa pessoa foi liberada. Eles ouviram falar de casos semelhantes na Bélgica, Itália e EUA, e todos levantaram a questão da solidariedade.

Filmado em ordem cronológica.  

Em uma entrevista para a Indiewire, Jean-Pierre e Luc Dardenne afirmaram que estavam pensando em "Doze Homens e uma Setença", porque é um processo de observar pessoas tentando mudar suas idéias. Quando perguntados sobre as semelhanças com "Matar ou Morrer" (1952), eles disseram que você poderia dizer que o personagem de Marion Cotillard é um pouco como Grace Kelly no filme, embora eles não pensassem nisso enquanto escreviam.

Na Espanha, Pedro Almodóvar fez uma lista dos melhores filmes e performances de 2014 e incluiu a atuação de Marion Cotillard neste filme em sua lista de melhores atrizes estrangeiras.

Marion Cotillard  e Gary Oldman participaram do clip de David Bowie: "The Next Day"

Trilha Sonora:
La Nuit n'en Finit plus  -  Petula Clark
Gloria  - Van Morrison
Kili Watch - The Cousins
Lunch pop - Olibwoy  

Filmografia Parcial:
Marion Cotilard
Turista Espacial (1996);  Táxi - Velocidade nas Ruas (1998); La guerre dans le Haut Pays (1998); Furia (1999); Táxi 2 (2000); Lisa (2001); Táxi 3 (2003); Amor ou Consequência (2003); Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (2003); Inocência (2004); O Amor Está no Ar (2005); Você e Eu (2006); Fair Play (2006); Um Bom Ano (2006); Piaf, um Hino ao Amor (2007); Inimigos Públicos (2009); A Origem (2010); Até a Eternidade (2010); Meia-Noite em Paris (2011); Contágio (2011); Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012); Era Uma Vez em Nova York (2013); Dois Dias, Uma Noite (2014); Macbeth: Ambição e Guerra (2015); Assassin's Creed (2016); Rock'n Roll: Por Trás da Fama (2017); Os Fantasmas de Ismael (2017);           


segunda-feira, 17 de julho de 2017

A GAROTA OCIDENTAL - ENTRE O CORAÇÃO E A TRADIÇÃO / NOCES (2016) - BÉLGICA / PAQUISTÃO / LUXEMBURGO / FRANÇA



UM OLHAR ESTRANGEIRO SOBRE AS TRADIÇÕES
 
Zahira (Lina El Arabi) é uma jovem de 18 anos que vive na França com a sua família de origem paquistã. A jovem muçulmana encontra-se grávida de um jovem árabe e seu irmão está empenhado em ajudá-la a abortar a criança. Além disso, Zahira vem de uma família de valores tradicionais na qual uma mulher não pode ficar solteira. Seu pai lhe dá um ultimato: poderá "escolher" entre 3 pretendentes, pela internet, e casar com aquele que considerar mais adequado. Só que a jovem não vê com bons olhos nenhum dos candidatos. O que deverá fazer ? Abortar? Seguir com a gravidez ? Aceitar os pretendentes ou ter sua própria vida com quem quiser, uma vida já ocidentalizada e, com isso, ferir profundamente a honra de uma família ortodoxa.




O choque de culturas é evidente em "A Garota Ocidental". A honra é outro fator bem destacado dentro deste filme. A mulher não tem voz no contexto familiar. Zahira não aceita. Não está no Paquistão. Está em uma sociedade, como prega a bandeira: igualdade, liberdade e fraternidade. Os valores da sociedade francesa também foram incorporados a sua  personalidade. Mas isso não interessa a seu pai. Mulher solteira na família? Nem pensar. É uma desonra grave que não pode passar em branco. A imagem da família perante os seus pares e a comunidade de seu país é muito forte e arraigada. 


O filme, em cartaz no Rio de Janeiro,  segue um ritmo mais cadenciado, mas é de fácil entendimento. É o olhar ocidental sobre o tema. O que para nossa sociedade, em algumas situações, é considerado  um tanto como absurdo  para aquela cultura é algo normal. É outra sociedade, é outro contexto. O filme foge da questão do julgamento, mas não foge do olhar crítico.   Ele nos leva à uma reflexão das diversas culturas que nos cercam e nos revelam aspectos que podemos desconhecer completamente.


Quem quer tentar entender uma fração deste mundo em que vivemos precisa se inserir nesses temas. Ler livros e ver filmes, entender como o mundo funciona fora de sua redoma. E é isso que a Garota Ocidental nos revela. Uma pequena visão de um mundo,  através de uma família, de uma grande sociedade que pouco conhecemos. E o grande mérito do filme é explicar que tudo que acontece tem um porquê o precedendo, nada ocorre de uma forma inesperada. Para quem está fora é apenas o absurdo do cotidiano, sem uma lógica aparente, mas para quem está acompanhando as situações diárias fica mais fácil de preencher as peças do quebra-cabeças.



O diretor belga Stephan Streker teve o grande mérito de mostrar o extremismo das tradições sem relacioná-las com o momento conturbado em que vive a Europa. A família de Zahira é como qualquer outra, no que se diz a viver em sociedade: são trabalhadores, mantém um negócio honesto e cumprem seus deveres como cidadãos. Não há uma citação sequer sobre a onda de medo que assola o país, não há terroristas envolvidos em causas. Apenas uma família que, mesmo distante de seu país natal, tem em seu patriarca o guardião dos costumes praticados naquele país. Esse pode ser sempre um grande problema para algumas culturas: sair de seu pais, morar fora e não aceitar criar seus filhos dentro de uma nova realidade.  Seja por falta de personalidade ou medo do que a mudança possa causar. Essa incapacidade de adaptação é muito forte no filme. Mansoor Kazim (Babak Karimi) é um homem, aparentemente,  bom. Para o ocidente é um cara duro, ultrapassado e sem capacidade de viver em uma sociedade livre e igualitária. Para ele, suas crenças e valores dizem que deva ser o guardião dos costumes, da moalidade. Não pode envergonhar o nome de sua família. Não pode visitar seus parentes com a humilhação nas costas. Ele é o patriarca, quem determina o que a família deve achar. Zahira é a ovelha negra. Ele a ama, mas até que ponto o amor deva ser sacrificado em prol da tradição ?




O elenco está muito bem. Lina El Arabi, atriz francesa de origem marroquina, conduz muito bem a história ainda que parece ter bem mais do que 18 anos (na verdade possui 22 anos). Ela consegue dar a dramaticidade necessária para o filme fluir. O ator / editor / produtor iraniano  Babak Karimi, que interpreta o pai de Zahira, é outro que consegue se destacar bem. Podemos citar ainda a atriz belga de origem africana (Ruanda), Aurora Marion, interpretando o papel de irmã mais velha da protagonista. O pouco tempo que fica em cena consegue se mostrar uma ótima atriz, mas a diferença física entre as duas é algo perceptível e o espectador ficará curioso do porquê são tão diferentes. A resposta está esclarecida. O restante do elenco saiu-se bem ao que foi proposto.


Garota ocidental, no Original "Noces" (Núpcias), é um filme para quem gosta de assistir produções europeias; para quem gosta de dar uma olhada sobre outras sociedades. Não é um excelente filme, candidato ao "Oscar de Filme Estrangeiro", é um bom filme, com uma estória que poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, mudando um pouco a contextualização. A forma como é levada ao espectador é que faz essa produção merecer um olhar mais atento. Um filme bem produzido e  bem dirigido.


Trailer:


Curiosidades:
O filme se diz inspirado livremente em fatos reais.

O filme é falado em francês e Urdu. 

Nos Estados Unidos o filme recebeu  o nome de  "A Wedding".

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

INFERNO EM TANGER / DE HEL VAN TANGER ( 2006) - BÉLGICA.




" NÃO HÁ PESSOAS BOAS OU MÁS, APENAS SITUAÇÕES..."
(contém spoilers)

Com essa citação inicia-se este interessante filme que narra a estória de dois motoristas de ônibus belgas: Marcel Van Loock ( Filip Peeters) e Win Moreels (Axel Daeseleire) que, em 1996, resolveram fazer hora extra pela empresa de turismo em que trabalhavam levando alguns passageiros, a pedido da companhia, em uma excursão ao Marrocos. Logo foram interceptados pela polícia marroquina que encontrou rapidamente, dentro de um fundo falso do ônibus (que no momento estava sem turistas), uma quantidade de 350 kg de droga. 



Marcel percebe que fora enganado pelo dono da companhia, Jack Sholten, que também estava no país com sua esposa, a título de passar uns dias no local, mas que na verdade acompanhava tudo de perto. Ele resolve dedurar Sholten, que acaba sendo preso a caminho do aeroporto. Os três vão a julgamento e, para a surpresa da dupla, eles são condenados junto com Sholten, sendo inocentada somente a esposa deste.



O cineasta belga Frank van Mechelen, baseado do livro de Marcel, retratou as prisões marroquinas como um lugar em que os guardas ganham uma miséria e os presos não recebem nada além de comida. A mercadoria de troca dentro do presídio são os cigarros Malboro.



O cônsul da embaixada belga é o único elo de Marcel com o mudo exterior, já que a família não tem condições de visitá-lo e este não acredita em sua inocência. A família de Marcel, que tinha no sustento do marido a base de sua estabilidade financeira, fica impotente. A empresa lhes manda uma carta de demissão pelos Correios.



Marcel consegue dois amigos na prisão: um jovem, com uma pena de seis meses e Rudy (Peter Gorissen) que lhe ensina as regras do local.
Marcel e Vim descobrem que suas liberdades dependem de dinheiro, mas por não possuírem a quantia, a revisão da sentença não mudará. Marcel descobre, que sua condenação fora baseada na tese de que a dupla deveria ter percebido o ônibus mais pesado por carregar 350kg a mais de carga. A família tenta a ajuda, enquanto Marcel se deteriora fisicamente.


Rudy resolve convencer Marcel a fugir da prisão enquanto Vim, passa a se prostituir em troca de cigarros. Um lugar aonde a vida de um prisioneiro não tem valor para o Estado.



Esta surpresa, vinda da Bélgica, baseada em fatos reais, revela-se um filme competente do ponto de vista técnico. O diretor Frank Van Mechelen  preferiu dedicar-se às situações da decadência do ser humano e do desespero da família, além de pincelar com tons mais fortes a questão do papel da Bélgica no incidente, que protelou ao máximo que pode para tomar qualquer medida. Em 1999 teve que estabelecer um tratado de extradição com Marrocos. 



É claro que o filme não deve ter agradado nem aos governantes da Bélgica e tão pouco aos de Marrocos. Mas é uma boa opção para vermos que não é só no Brasil que os governantes viram as costas para seus cidadãos, seja qual for a situação. A máquina do Estado pode ser cruel em qualquer país, com qualquer indivíduo, mesmo que ele prove ser inocente. O caso de Marcel é o maior exemplo de que muitas vezes todos são culpados até que se prove o contrário e não o oposto como deveria ser. 



Produção que merece ser conferida seja pela crítica ao sistema, seja pelos fatos terem sido baseados em um acontecimento real. Excelente performance dos envolvidos em um filme que faz pensar após o final de sua projeção


Trailer: